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Aramis

O azul som de Caetano e os hermeticos ruidos de Walter

Há algumas semanas, quando Carlinhos Lira, Euclides Cardoso, Nonato Buzar e eu, ouvíamos pela primeira vez, << Miss Breve >> de Edu Lobo, em seu aguardado álbum (há quatro anos não gravava) a primeira reação foi surpresa. Euclides diretor da Rádio Iguaçu um dos Homens que melhor conhece musica popular no Paraná ponderado e lúcido arriscou-se a um comentário: - << O risco que eu vejo com trabalhos como de Edu Lobo é que a distância entre qualidade-público aumente cada vez mais. Uma obra hermética como << Miss Breve >> que o próprio autor reconhece como destinada a um público que deve ter, obrigatoriamente uma ampla informação musical faz com que uma imensa faixa de jovens e adultos que poderiam consumir uma musica de melhor nível, permaneça sem alternativa. E com isto aparecem os Paulo Marcos e Antônio Sérgio regravando coisas como << Índia >> e chegando as paradas >>. A feliz explicação de Euclides Cardoso é correta, E não apenas o disco de Edu me traz esta preocupação. Também um álbum como << Araça Azul >> de Caetano ou, principalmente o estreante e polêmico Walter Fanco. Para não falar em Sá Rodrix & Guarabyra e seus discípulos Sérgio Sampaio e Renato Teixeira. Pois são criadores musicais de grande força, donos de uma imensa possibilidade de elevar o nível de nossa MPB mas que pela Linha de vanguarda e pesquisa em que se encontram mergulhados atingem uma pequena parcela de público - já suficientemente (in) forma da. Com isto a grande fatia do público principalmente jovem fica a descoberto acabando por aceitar musica do pior nível - na linha de Wanderlea, Erasmo Carlos, Altemar Dutra etc. Vamos tentar sintetizar o pensamento: se ocorres se agora o que aconteceu há 10 anos, no auge da Bossa Nova com gente de valor fazendo musica do melhor nível mas facilmente assimilável o público estaria normalmente mais exigente e interpretes-compositores como Odair José e Nelson Ned estariam entre os mais vendidos. Mas esta preocupação pela vanguarda, a pesquisa de um novo som abre um branco, Por isto ao contrario de muitos críticos rigorosos, admiro a chamada e asy music que Vinícius de Moraes continua a fazer (agora com Toquinho amanhã talvez com Jards Macalé ou outro parceiros (1) afinal Vinícius ainda oferece uma musica inteligente (pelo menos bem construída), mas para cuja compreensão o ouvinte não é obrigado a uma super informação e uma atenção máxima transformando aquilo que antes seria um prazer/recreação, num trabalho didático. Afinal para ouvir/entender um álbum como << Araça Azul >>é quase que o mesmo que tentar entender uma formula aritmética. A formula é importante, tem seu significado. Mas é necessário pensar, raciocinar estudar. E, convenhamos hoje são poucos os que estão dispostos a pensar e estudar. Comecemos com Caetano Veloso. O professor Afonso Romano de Sant'ana, diretor de Departamento de Letras da Pontifícia Universidade Católica da Guanabara em ensaio de uma piada no << Jornal do Brasil (2) fez uma admirável colocação do álbum << Araça-Azul >> (Phonogran/Philips, 6349054), fevereiro-73) que nos permitimos aqui transcrever em parte << A título de introdução pode-se falar da existência de dois Caetano embora dele se pudesse dizer como Mário de Andrade: << Sou trezentos >>. O primeiro Caetano personifica-se no disco Gal e Caetano Veloso (1967) Seu lirismo segue uma linda convencional de pesquisa. Ser lírico era a forma se sentir poeta. Frances bem comportadas rimas comuns imagens falando de vento janela manhã mar, lua, madrugada, namorada adeus segredo dor, amor, estrada. Existe um propósito literário nas composições: << Vamos andando na estrada/que vai dar na acarangado/do amanhecer >>. Composições com minha Senhora reafirma seu desejo de inserção dentro de uma tradição poética que ressoa o lirismo galaico-português Como interprete sua voz simples e direta realiza a timidez estuda da sonoridade da bossa nova e de João Gilberto. Os textos querem ser poéticos e o cantor é manso e intimista. O segundo Caetano aflora no transito Rio-São Paulo. Urbanizando e industrializando seus lirismo participa do espetáculo tragicômico e televisional da sociedade de consumo. É a fase do tropicalismo. Parte para a antipoesia para anti música e em vez de versos compõe frases prosaicas. Atualiza-se teoricamente através do tropicalismo e de seu contato com os poetas concretistas Augusto e Haroldo de Campos. Descobre a paródia como forma de expressão e espraia suas origens baianas sobre o espanhol e o inglês descobrindo os novos códigos lingüísticos musicais de compos. Este segundo Caetano ainda se dilata graças ao seu recolhiam Londres. Redescobre a própria língua no estrangeiro descobrindo John Lennon (<< In His Own Write >>) que já havia descoberto Joyce no << Finnegans Wake >>. A distância entre o primeiro e o segundo Caetano tem-se pela comparação simples do disco de 1967 e este << Araça Azul >>, de 1973 Não é necessário tomar os discos propriamente. Comparam-se as capas. No primeiro o rapaz bem comportado tranqüilo fotografado apenas de rosto em discreto sorriso. No último desnudado, descabelado fragmentado em varias poses, assumindo o feito corpo e o esmasculado de sua voz >> Romano de Sant`Ana não poderia ser mais objetivo em sua analise ainda mais ao acrescentar que << dizer que Caetano passou por duas fases e, obviamente uma afirmação arbitraria e não tem outro sentido alem de possibilitar a melhor manipulação do assunto >>. Pois mais do que Caetano e múltiplo e tão diverso que alguns o confundem com um compositor sem estilo. Sem estilo porque se exercita em praticamente todos os tipos de musica popular com investidas na música erudita e de vanguarda. Temos ao o fado (<< Os Argonautas >>) a bossa nova (Saudosismo) a marcha (Qual é Baiana? >>) frevo (<< Atrás do Trio Elétrico >>) samba (<< Barato Modesto >>), rumba (<< Soy Loco por ti America >>) isto para não falar de suas interpretações de tango (<< Cambalaches >>) bolero (<< Tu me Acostumbraste >>) rock`nroll (<< Eu Quero Essa Mulher >>) todas canções ie-ie-iês samba de partido-alto etc. Sem pretender como Sant`Ana uma analise diversas técnicas de justaposições (3) empregadas por Caetano em suas composições lembro que << Araça-Azul >> é como o próprio interprete-autor colocou em letras bem grandes << Um disco para entendidos >>. Mesmo considerando talvez o tom de galhofa da palavra << Entendido >> (4) este é o disco mais difícil e que não invalida em absoluto a sua importância . Importância para a MÚSICA BRASILEIRA mas não para a MPB pois mesmo em termos de consumo são poucas as rádios que divulgam o álbum a não ser algumas faixas. O álbum abre com uma velha baiana Edith Oliveira amiga de Caetano e eximia percusionista com um original instrumento (prato & garfo) na música de domínio público << Viola meu bem >>. A sua voz desafinada gutural lembra uma preta velha e bêbada das margens do Mississipi interpretando o jazz mais autentico. Na faixa seguinte apenas com vozes superpostas, << percussão sobre a pele e os ossos um pouco de piano >>, temos o Caetano buscando um som-sentido não dicionarizado: << amaranilamialamilarilmarama >>. << Cravo e Canela >> (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos) e o bolero << Tu me Acostumbaste >> são, em seguida as confirmações do que disse Sant`Ana de Caetano como interprete: ele deu uma nova dimensão a esta palavra. O interprete ordinário reduz todas as musicas ao mínimo múltiplo de sempre esperada e prevista interpretação. Já a sua interpretação é crítica, chegando a co-autor devido a maneira como reinventa as canções. Isto ocorre novamente na faixa de Mon sueto Menezes (1927-1973. << Quero essa mulher assim mesmo >>. Caetano depois de ter ido buscar em Fernando Pessoa (<< Navegar é preciso, viver não é preciso >>) e Gregorio de matos (<< Triste Bahia >> Traz agora de Joaquim de Soundradade um texto para uma canção madrigalesca contida em apenas duas frases: << Gil em Gendra/em gil rouxinol >> (Gil Mosterioso). Sousamdrado foi revalorizado/descoberto pelos poetas concretistas (Augusto e Haroldo de Campos/Decio Pignatari que tanta influência tiveram evoluição literária de Caetano. << Sugar Cane Fields Forever >>, com um título sugerindo a fase inglesa, tem entretanto um eixo primitivo-folclorido ao sabor afro-baiano: verde mãos cavalinho de flecho eu quero eu quero sou um mulato nato no sentido lato mulato democrático do litoral. (<< Julia/Moreno >>, composto antes no nascimento de seu filho (afinal Moreno) também com mesma construção concretísta; numa formação quase plástica de blocos de palavras: uma talvez Júlia uma talvez Júlia uma talvez Júlia não tem uma talvez Júlia não tem nada uma talvez Júlia não tem nada a ver uma talvez Júlia não tem nada a ver com isso uma Júlia um quiçá moreno um quiçá moreno nem um quiçá moreno nem um quiçá moreno nem vai um quiçá moreno nem vai querer um quiçá moreno nem vai querer saber um quiçá moreno nem vai querer saber qual era um moreno. Em << Épico >>, o Caetano mais uma vez voltando aos temas urbanos (<< todo mundo protes tando contra a poluição/até as revistas de Walt Disney) e homenageando a Hermeto Paschoal (5): << smetak, smetak & smetak/& musak & smetak & musak & razão >>. Finalmente chegar, a << Araça-Blue/Araça Azul >>: Araça blue é sonho-segredo não é segredo Araça azul sendo o nome mais belo do medo com fé em deus eu não vou morrer tão cedo Araça azul é brinquedo Cantada em ritmo de blue << Araça-Azul >> traz a chave da obra, tão bem revelada por Sant `Ana: >> as coisas ditas irônicas e duplamente. Ele que já dissera << tendo o direito ao avesso/botei todos os fracassos/na parada do sucesso >> agora confessa o lúdico de sua atividade. Araça-Azul que é brinquedo e também a forma enigmática de cantar o medo: << araça-azul fica sendo o nome mais belo do medo >> . Música como jogo e fruto lúdico brinquedo >>. Sem duvida é preciso um roteiro para entender Caetano. Mas assim como de cima de uma montenha-se descortina uma bela paisagem, entendendo-se Caetano conseguimos atingir um outro nível. Pena que em termos de comunicação isto ainda fique muito restrito. OS ANIMAIS E OS INSETOS NO ANTI-SOM DE WALTER O principal caso do último Festival Internacional da canção (GB, outubro-73) Walter Franco acaba de provar de quanto os novos diretores da Continental estão dispostos a investirem na busca de prestígio, sem preocuparem-se com eventuais prejuízos. Pois, sinceramente gostaria de saber quantos exemplares do lp, de Walter Franco (SLP 10.095) serão vendidos. Duvido que apareça ao menos este ano, um disco mais hermético e experimental do que este longa-duração do autor de << Cabeça >>, que anteriormente havia tido esta musica-pivô do escandalo do FIC (6) lançada em compacto simples. Apesar da capa dupla, o álbum não tem título e nenhuma informação: apenas o branco virginal quebrado por uma mosca. Dentro num envelope uma << classificação dos animais de acordo com uma certa enciclopédia chinesa a) parte, ao imperador; b) em balsamado; c) domesticados; d) leitões etc. O que significa isto o autor não explica nem as musicas (sic) dizem. Só no selo do álbum é que ficamos sabendo os nomes dados a cada faixa: Misturação (6,50 minutos) << Água e Sal >> (0:41 segundos), << No fundo do poço (4,30) Pátio dos Loucos (2,31) Flexa (4,10) Me Deixe Mudo (6,40), Xaxados e Perdidos (3,22) Doido de Fazê Dó (0:26) Vão da Boca (3:03) e a Polêmica Cabeça (4:47). Cada faixa tem mais ruídos do que qualquer sonoridade musical ou letra. Aliás as poucas palavras ditas (cantadas, seria um absurdo) por Walter praticamente são ininteligíveis é impossível classificar este como um lp musical. Prefiro aceitá-lo como um álbum experimental de novos ruídos na busca de uma nova linguagem Ao comentá-lo ao lado do disco de Caetano não pretendo estabelecer comparações (e acredito que nem mesmo o mais esforçado adepto da obra de Franco conseguiria fazer uma colocação teórica de seus sons) É apenas uma realidade do momento (crise?) de nossa vida artística. Ao dar condições para a produção deste álbum (que deve ter ficado por mais de Cr$ 40 mil) com total liberdade de criação a Walter a Continental deu uma imensa prova de confiança e desprendimento. Agora fico na duvida: será que o filho do falecido deputado Cid Franco vai fazer algum dia um novo disco após este seu lp? NOTAS (1) A primeira musica que Vinícius fez com Jardis Macalé, << O Mais Que Perfeito >> foi gravado por Clara Nunes em seu último lp (Odeon, SMOFB 3757, março-73). (2) << O Multiplo Caetano >>, página 2, << Caderno B >>, << Jornal do Brasil >> Guanabara, 10-3-73. (3) Sant`Ana analisa em seu ensaio a Justaposição de conssilabas, a Justaposição de palavra, a Justaposição de versos frases, a Justaposição de estrofes-rotmos e a Justaposição de composições heterogeneas na obra de Caetano. (4) Entendido na gíria carioca pode ser traduzido por sujeito liberal, principalmente em sexo, chegando ao homossexualismo. (5) O mais importante instrumentista brasileiro que acaba de ter seu extraordinário lp (<< O som livre de hermeto >>) editado estará nos dias 18 a 20 de maio no Teatro do Paiol. (6) Devido a << Cabeça >> ter sido incluído entre as 10 finalistas na fase nacional do FIC a Rede Globo de TV, promotora do festival demitiu todo o júri que era presidido pela cantora Nara Leão. NOTA: os comentários dos lpsde Edu Lobo, Sá-Rodrix-Guarabyra, Sérgio Sampaio e Renato Teixeira ficam para o próximo domingo. FOTO LEGENDA- Walter Fenco, um disco de ruídos FOTO LEGENDA1- Um disco feito para entendidos
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música Popular
1
22/04/1973

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