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Aramis

Nota 7 para Black e 10 para Mancine

Assistindo "Mulher Nota 10" (cine Astor, segunda semana) ocorreu-me uma afirmação de Victor Merinov, ator nos primeiros filmes de Walter Hugo Khouri, participação especial em "Tempestade sobre Washington" (Adivse and Consent, 62, de Otto Preminger) e que como maquilador, residiu anos em Nova Iorque. No bar do "Taft Hotel", na Broadway, há 7 anos passados, Merinov falava de um dos muitos roteiros que tem à espera de um produtor, e dizia: "ele reúne os ingredientes que o público gosta; mulheres bonitas, cenas cômicas e ambientes sofisticados". Black Edwards, 58 anos, mais de 30 de cinema, parece pensar o mesmo. Se "10" - produção modesta que vem rendendo milhões de dólares em todo o mundo, preenche a receita de Merinov: o (correto) ator inglês Dudley Moore conduz o humor, Bo Derek é um colírio visual, os ambientes não poderiam ser mais sofisticados. Acrescente-se ainda uma trilha sonora como há muito Henry Mancine não fazia e, graças ao liberalismo de nossa época, um tratamento livre do erotismo. Aliás, a impressão que se tem é de que há uma outra cópia, mais ousada, utilizando melhor as sequencias das orgias que o vizinho (Don Calf) promove para excitação do "voyerismo" de George Webber (Duddley Moore), ou então as cenas mais audaciosas em que Jenny (Bo Derek) tenta seduzí-lo, no apartamento do hotel no balneário mexicano. Mas para não se arriscar a ter surpresas com a censura brasileira, a Warner Brothers trouxe uma cópia bem comportada embora, de longe, apareçam alguns nus frontais, sem as ridículas "bola preta" que os censores haviam inventado para esconder, pudicamente, os pelos dos atores e atrizes em "Laranja Mecânica" (Clockwort Orange, 71, de Stanley Kubrick), liberada após 8 anos de interdição. "Um bom divertimento" é o mínimo que se pode dizer de "Mulher Nota 10", apropriadamente escolhido para inaugurar a fase do Astor em que o ingresso passa a Cr$ 100,00 (nos outros cinemas, que não oferecem o conforto e a programação selecionada desta casa, não haverá aumento). Como "Shampoo", 75, de Hal Ashby ou "Gigolô Americano", 80, de Paul Schreider, "Ten" foi rodado nos ambientes mais sofisticados de Los Angeles. O que não só é uma solução econômica para a produção independente, como a que pretendeu Black Edwards (apenas a distribuição foi entregue a Warner), mas também utiliza os belos, e sempre agradáveis, espaços da área rica da principal cidade da California. Só que ao contrário de Ashby ou Schreider, Edwards não teve preocupações sociais ou moralistas com seu personagem. Se em "Shampoo" e "American Gigolo" (lançamento em setembro, cine Condor), os personagens interpretados por Warren Beatty e Richard Gere, respectivamente, são jovens ambiciosos, que utilizam o "good looking" pessoal para (tentar) subir na vida sem fazer força (a não ser sobre os alvos lençóis, os embalos sexuais), em "Mulher Nota 10", Edwards fica mais na "cirse dos 42 anos", de um compositor de sucesso, 4 Oscars (como Mancine, o qual, dizem, inspirou o personagem) e um envolvimento meio cansativo com a cantora Samantha (Julie Andrews, na verdade esposa de Edwards). A fixação por uma mulher escultural, vista no dia de seu casamento, balança o coreto de Dudley, que só após ver a imagem de pureza que havia imaginado destruída, volta, carneiramente, aos braços da fiel Sam. Para conduzir este argumento, bastante fraco se considerarmos filmes anteriores de Edwards, há um recheio de belos ambientes, "gags" bem trabalhadas como a sequencia de George visitando o padre compositor (Max Showalter) e a entrada em cena da centenária sra Kissel (Nedra Volz), onde o humor é puramente visual. Mas nada supera a trilha sonora de Henry Mancine, compositor dos mais competentes, que sabe, como poucos, utilizar os vocais, mas também encontra nas harmonias ao piano, momentos de enlevo. Como trabalha há muitos anos com Edwards (desde "Hienas do Pano Verde/Mister Corey", 57) e desta associação resultaram alguns Oscars)1961, com "Moon River", de "Bonequinha de Luxo/Breakfast at"Tiffany's"; 1963: "Days of Wine and Rose" de "Vicio Maldito"), Mancine criar a música perfeita, capaz de dar vida mesmo às cenas mais longas e cansativas. Ator de 1942 a 1948, roteirista e produtor de programas de rádio e televisão, associado depois a Richard Quine (outro cineasta com muito senso de humor, infelizmente ausente há anos nas telas), Black Edwards começou modestamente, em 1954, com "Sorria Para a Vida" (Bring you, Smile Along), mas só nos anos 60 se destacaria, com "Bonequinha de Luxo", o policial "Escravas do Medo"(Experiment in Terror, 62) e o explêndido "Vicio Maldito" ao lado da primeira "A Pantera Cor de Rosa"( The Pink Panther, 63), que teria 4 sequencias, todas estreladas por Peter Sellers (falecido há menos de um mês). Sellers voltaria numa das mais visuais comédias de Edwards "Um Convidado Bem Trapalhão" (The Party, 68), para muitos criticos, o ponto alto de sua carreira. Experiencias em outros gêneros como o policial (a série "Peter Gunn", levada à televisão; "Receita: Violência"), a espionagem ("Semente de Tamarino"), nunca superaram o Black Edwards da comédia, especialmente a sofisticada, apesar de tentar, a exemplo de Stanley Kramer ("Deu a Louca no Mundo", 63) uma "revisitação" do gênero pastelão com""A Corrida do Século" (The Great Race, 65). "Mulher Nota 10" teve na presença de Bo Derek (Mary Cathleen Collins, no registro civil), anteriormente em curtas pontas em "Orca" e "Once Upon a Time" (este dirigido por John Derek, ex-ator, seu marido) o grande "ponto-de-venda". Na verdade, a beleza de Bo facilitou o "merchandising" de "Tem" e ainda a recente viagem dela e seu marido, ao Brasil "para procurar cenários e um ator para interpretar Tarzan", auxiliaram a promoção deste "Ten". Mas de nada adiantaria a badalação, a boa trilha sonora (lançada em Lp pela WEA) e a propaganda, se não houvesse aquele toque de empatia com o público, mesmo oferecendo cenários e mulheres que estão além da (imaginação?) possibilidade do pobre diabo que, ao olhar ao lado, vê ao invés de Bo Drek, a esposa ou, no máximo, a namorada ou a noiva (o que é um pouco mais estimulante). Mas se cinema é a usina de sonhos, como já dizia o russo Erhrenburg, Edwards aproveita e fatura. Faz bem. Afinal, está na sua.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
6
16/08/1980

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