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Aramis

Nostalgia & metais

Foi nostálgico e até um pouco triste: casais na faixa dos 35/60 anos dançando alguns minutos, domingo a noite, ao som da orquestra de Harry James, no Clube Curitibano. Na primeira parte, todos permaneceram educadamente sentados - venderam-se bem menos mesas do que a diretoria pensava a tal ponto que foram colocados painéis ao redor do salão, tentando dar um tom intimista de boite. E, afinal, seria de se esperar que houvesse uma afluência maciça, um sucesso extraordinário - já que ali estava, a [plenos] pulmões, um pistonista que marcou época na fase das big-bands, há 39 anos lidera sua própria orquestra, tem mais de 2 mil gravações, apareceu em 25 filmes e foi marido da atriz que, dizem, tinha as pernas mais belas do cinema: Betty Grable (1916-1973). Nostálgico, porque a música de Harry James é a música de uma época de mais harmonia (sonora), de arranjos bem acabados (afinal, além dele próprio, nomes como Thad Jones e Neil Hefti sempre cuidaram destes detalhes para sua banda). Músicas como 2you'll Never Know", "You Made Me Love You", "Sleepy Lagoon" e seu prefixo, "Ciriribibin" - com que sempre abre e encerra seus espetáculos. Harry James - que como os já falecidos Dorsey - Jimmy (1904-1957) e Tommy (1905-1956), Glenn Miller (1904-1944), o aposentado Artie Shaw, 74 anos ou os idosos - Benny Goodman, 70 anos e Count Basie, 74 anos (ambos praticamente afastando-se das excursões fora dos Estados Unidos) para só citar alguns exemplos pertence a uma época muito especial a todos que tem suficiente sensibilidade e informação para apreciar a música das grandes bandas. Aos 62 anos, cabelos esbranquiçados, mas ainda forte e bem disposto, mantendo sua orquestra com força e vigor, fazendo constantes viagens internacionais - no Brasil pela segunda vez (aqui esteve em 1961, mas só no Rio e São Paulo), Harry James é uma espécie de último dos moicanos da música dançante-audível tradicional. Simpático, afável, tomando chá misturado com licor - bebida que contrabalança com a vodka, como estimulante ideal para lhe dar fôlego frente a cada nova apresentação - tem [frases] curtas e objetivas para explicar o óbvio. "Vou continuar a trabalhar enquanto gostar e enquanto o público continuar a gostar de minha música". Repete Igor Stravinsky e diz: "Só há duas músicas no mundo: a boa e a má. A boa a gente faz, toca, o público gosta. A má é esquecida". Rico, com propriedades em várias cidades americanas, 3 casamentos - depois do divórcio de Betty Grable, em 1965, tornou a se casar, mas hoje está novamente solteiro - as três coisas que mais aprecia são cavalos, beisebol e música. Possui cavalos de corrida em vários hipódromos americanos e só no ano passado, com seis animais teve um lucro de US$ 40 mil. "É só saber administrá-los: os que ganham a gente conserva. Os outros se vende", explica. Lamentavelmente, nas 3 semanas que está passando em excursão pelo Brasil, cumprindo puxadores dos contratos, empresados por Manoel Palodian, Gaby Leite e Estevão Hermann (que o acompanhou ao Sul) pouco tempo lhe sobrou para visitar haras ou assistir alguma prova turística. Em São Paulo, onde estará a partir de amanhã espera ter chance de conhecer a Cidade Jardim e ver o desempenho de alguns puros-sangues brasileiros, de cuja fama já ouviu falar. Profissional desde a infância - nascido a 15 de março de 1916, em Albany, filho de pais que trabalhavam no circo, sempre viu o trabalho musical como um prazer. Assim, ao ser avisado por João Antônio, um dos mais eficientes executivos da administração artística no Brasil, de que estava na hora de entrar no palco do Clube Curitibano, acrescentou a frase "agora vamos ao trabalho" - "Não! Agora vamos ao prazer, à satisfação, minha e do público!" Junto com 19 outros músicos - alguns dos quais como pistonista Nick Buono 64 anos, que com ele trabalha desde 1939, dá início à mais uma apresentação. Um repertório de músicas conhecidas para quem tem mais de 35 anos e sempre apreciou o som das orquestras americanas. Competência, ritmo, equilíbrio - alguns dos adjetivos que se ajustam ao seu estilo de tocar - e que transmite aos seus instrumentistas. Sejam os mais veteranos, ou os mais jovens, como a surpreendente sax barítono e flautista Beverly Dalke, 23 anos, que apesar de ser mulher, jovem e bela, tocando instrumentos pouco usuais nos lábios femininos, nem por isso merece chance de maiores solos. Solo mesmo, destaque maior, Harry só permite ao baterista Sonny Payne (Perceval Payne, New York, 4/5/1926), de uma família de músicos, que depois de integrar vários grupos, uma experiência de formar sua própria orquestra (1953/55) e ter tocado na banda de Count Basie, nos últimos 15 anos vem, alternadamente, trabalhando com James. Sonny é, como acentua o crítico José Domingos Raffaelli, o maior malabarista das baquetas, pratos e tambores que o mundo já conheceu. No domingo no [Curitibano] e ontem, no Guaíra, foi um dos pontos altos da noite: sempre dentro do maior ritmo, Sonny faz tudo em seu instrumento, rodando as baquetas entre os dedos, atirando-as ao ar e aparando-as até pelas costas, passando-as por trás do pescoço por baixo da perna e fazendo-as saltar do assoalho às suas mãos. Tudo sincronizado perfeitamente com a música. Por cinco vezes, no domingo à noite, no Curitibano Harry James chamou ao microfone sua bela crooner, Jeanie Thomas, californiana, há 2 anos na banda, uma voz gostosa, sussurante, acariciante. Cantando músicas como "The Crazieste Dream", "It's Been A Long Time", "Cried For You", "Heard That Song Before" e, principalmente, a emocionante "Waht I Do Whit The Rest Of My Life?" (Michel Legrand/Marilyn & Alan Bergman), o inesquecível tema do filme "Tempo Para Amar ... Tempo Para Esquecer" (Happy Ending, 1969, de Richard Brooks). A orquestra de Harry James é, antes de tudo, de metais - ele e mais quatro pistões (Gino Bozzacco, John Trott Jr., Nick Buono e Bill Hicks), três trombones (Art Dragon, Ronald Glas e Stewart Unden), cinco saxofones (Tino Isgro e Freddy Watters, nos altos; Michael Butera, Norman Smith e Beverly, que além do sax barítono executa também flauta). Normam Parker, no piano, seguríssimo e Ira Westley no baixo. Músicos da mais alta competência. Tão competentes que em Porto Alegre, onde fizeram quatro apresentações, numa delas chegaram a tocar sem as partituras que haviam sido extraviadas pela companhia aérea. E ninguém notou. O mesmo já havia acontecido, relembra James, há alguns anos, em Paris. Enfim, concordando com o que observou o nosso bom amigo Raffaelli, desde Harry James sola seu prefixo "Ciribiribin" até as últimas notas, sua orquestra toca com uma disposição e entusiasmo invulgares, cuja massa sonora impressiona vivamente. Em "Two O'Clock Jump", os músicos das diversas seções movimentam-se dando ênfase às passagens arranjadas, acrescentando à execução um magnífico efeito visual. No domingo à noite, no Curitibano, após a primeira parte, o público afinal resolveu dançar ao som de Harry James. Casais de meia idade que praticamente paravam, extasiados frente ao pistonista, cuja sonoridade ao pistão já foi definida, cuja sonoridade ao pistão já foi definida como "som de veludo". Carlinhos, baterista do SamJazz Quintet - que intercalou com HJ Orquestra a música - comentou: "Parece um sonho ver o público dançar ao som de uma orquestra com a de Harry James". Ao qual, acrescenta-nos: "Sim, um sonho bem cinematográfico e nostálgico. Pena que chegue a Curitiba com 30 anos de atraso". Ontem à noite no Teatro Guaíra, sem ter que fazer concessões dançantes, Harry James pode apresentar um concerto mais equilibrado. Mostrando toda sua sonoridade e mesmo virtuosismo em certos temas mais difíceis, mas sem nunca deixar aquele tom de "magia e encanto" que o fazem, há quatro décadas, a imagem de uma música suave, digestiva, agradável e enternecedora. Gaby, Herman e Palodian, os responsáveis pela temporada da orquestra de Harry Jaes no Brasil - dividida entre clubes, teatros e casas noturnas (em São Paulo, James provavelmente se apresentará no Beco, por duas noites) já estão assinando contratos para temporadas (em 1979) com a orquestra formada pelos remanescentes da banda de Glen Miller, Billy Eckstine e o quinteto de George Shearing. Com exceção da primeira, não se dispõe a trazer os as outras atrações a Curitiba.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
4
24/10/1978

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