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Aramis

Nossos instrumentistas e suas poucas chances

São tão poucas as chances no Brasil para um instrumentista desenvolver um trabalho e solista com maior criatividade, que é compreensível que os nossos bons músicos se agarrem com unhas e dentes nas raras chances que lhe aparecem de fazerem discos em que possam se destacar instrumentalmente, fazendo a concessão de gravarem músicas comerciais - de fácil agrado. [Três] exemplos disto são os lps de Ed Maciel (trombonista), Milton Banana (bateria) e Osmar Milito (PIANO), todos músicos de bom nível mas sem possibilidades de, seja nos clubes e casas noturnas em que normalmente atuam para sobreviverem ou mesmo nas gravações, desenvolverem trabalhos de maior [fôlego]. Dos [três] exemplos, o pianista Osmar Milito, mano caçula do percussionista Helcio, do Tamba Trio, é que nos últimos tempos tem conseguido melhores resultados. Após um extraordinário lp da Odeon ("... Deixe o tempo andar") 4 anos atrás, onde teve o bom gôsto de fazer a primeira gravação no Brasil de um dos mais belos temas cinematográficos de todos os tempos ("What I Do The Rest Of My Life?", de Michael Legrand/Marilyn & Alan Bergman, do filme "Tempo para Amar... Tempo Para Esquecer / The Happy End", de Richard Brooks), Milito passou para a Continental, onde no início do ano passado também teve condições de desenvolver uma excelente produção. Agora, na mesma gravadora, Milito faz um novo e inteligente lp - em termos de seleção inferior ao disco anterior, mas igualmente bem cuidado e trabalhado ("Viagem", SLP 10135, março/74). Com uma formação instrumental básica de piano-baixo (Tião Barros) - violão (Luis Claudio) e bateria (Roberto Ronnie), Milito teve a participação de mais alguns músicos - como os percussionistas Chico Batera, Paschoal, Gilson e Nenê, o baixista Luizão e mais as vozes de Marcio Lott, Marilia, Fabiola e Rose, para enriquecerem os arranjos que o extraordinário Paulo Moura - um dos poucos grandes jazzistas do Brasil - soube criar para as 11 faixas deste lp. Dando um exemplo de como se pode equilibrar um repertório de consumo popular com bom gosto e mesmo criatividade, Milito nos oferece neste lp - com o título escolhido em momento de inspiração da obra-prima de João de Quino - Paulo Cesar Pinheiro - um dos bons discos instrumentais do ano e onde mostra também seu talento de compositor em "Planalto Geral" 2'37 minutos, faixa 4, lado 1). Outras faixas : "Up Up and Away" (Jimmy Webb), "Bonita" (Antonio Carlos Jobim), "Mulher Rendeira" (Zé do Norte), "Oração à Mãe Menininha" (Dorival Caymmi), "Sangue Latino" (João Ricardo / Paulinho Mendonça), "Que Maravilha" (Jorge Ben/Toquinho), "Viagem" (João de Aquino/Luiz Soberano/João Corrêa da Silva), "Eu Só Quero Um Xodó" (Dominguinhos/Anastácia) e "Eu bebo Sim" (Luiz Antonio/João do Violão). Sem a liberdade dada por Ramalho Neto e Julio Nagib, da Continental, a Osmar Milito, que pode vencer a música estrangeira na proporção 10x1 em sua "Viagem", o trombonista Eduardo Maciel, em seu lp "Superstereo" (Copacabana, COLP 11774, maio/74), não teve chance de incluir nem ao menos um tema nacional. Escolhido pela fábrica para utilizar um novo sistema de gravação - Deep Grrove, o bom trombonista já conhecido e respeitado) pelos muitos lps que tem gravado, a maioria quase que anonimamente, em outras formações, realizou um lp que, pela própria comercialização/limitação, não consegue ter características próprias - parecendo um [álbum] internacional, de boa qualidade técnica e artística, mas sem um toque pessoal que o caracterize. E, sinceramente, acreditamos que o instrumentista possivelmente não teve condições para tanto. Caso [contrário], nossa admiração por ele, cai alguns pontos. As músicas selecionadas são agradáveis, algumas até ótimas (como "Love's Theme") caem na stardartização: "Me And You", "Goodbye Yellow Brick Road", "Let Me Try Again", "So Very Hard To Go", "Eres Tu", "Lady Milady", "Lady Lay", "Corazon" (O latino tema da pianista e compositora Carole King), "C'Est Le Twist Que Revient"), "This World Today Is A Mess" e "Thaks For Saving My Life". Mas é ao menos uma música de bom nível, brasileira e que oferece, instrumentalmente, uma opção aos apreciadores de seu estilo. Assim como precisamos de um percussionista como Nana, também é necessária a existência de um músico que sem ser quadrado não busca as loucuras que levaram, por exemplo, um Edson Machado a marginalização. Em seu novo lp na Odeon (SMOFB 3833, maio/74), gravadora pela qual faz no mínimo um disco por ano, com orquestrações dos maestros José Biramonte e Kuntz Naegele, Milton Banana apresenta o seguinte repertório "Só Que Deram Zero Pro Bedeu" (Luis Vagner), "Folhas Secas/Minha Festa" (Nelson Cavaquinho/Guilherme de Brito), "Testamento de Bamba" (Dora Loeps/D. Mendonça/Jean Pierre), "Olha o Que Ela Fêz" (Eduardo Gudin/Paulo Cesar Pinheiro), "Ela Veio do Lado de Lá" (Benito de Paula), "Pior Pra Ela" (Angelo Antonio/Carlos Imperial), "Feijãozinho com Torresmo" (Walter Queiroz), "Ladeira da Preguiça" (Gilberto Gil), "Porta Aberta" (Luiz Ayrão), "Porte de Rainha" (Adilson Godoy), "Se é Questão de Adeus, Até Logo" (Tom/Dito), "Teimosa" (Antonio Carlos/Jocafi), "Falsa Cabroca", "Liso, Leso e Louco" (Berimbau/Antonio Carlos/Jocafi) e "Maracatu [Atômico]" (Nelson Jacobina/Jorge Maxutner). Não há [dúvida] que as gravadoras precisam incentivar mais os nossos instrumentistas. Com maior liberdade. Eles merecem ! (e o público também).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
12
03/07/1974

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