Nos botequins da cidade
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 25 de novembro de 1977
Tema fascinante para uma tese de mestrado em sociologia urbana é o estudo dos bares e botequins como pontos de encontro. O crescimento da cidade provoca o desaparecimento de locais que, durante décadas, marcaram a convivência, o encontro, o bate-papo de várias gerações. A Rua XV de Novembro, apesar de toda a humanização dada na administração Jaime Lerner, perdeu, nos anos 60, alguns de seus mais tradicionais endereços. Bares das vizinhanças também soçobraram frente a especulação imobiliária, já que, geralmente instalados em velhos sobrados, não ofereciam rentabilidade que justificasse, aos proprietários dos imóveis, a sua manutenção. E, onde antes havia bares como o Trocadero ou pérola, hoje há joalherias, bancos, corretoras, etc.
No centro da cidade, poucos bares resistem. Entre eles o Americano, na Rua Marechal Deodoro, e o Stuart, na Praça Osório. Outros endereços que são até citados em contos e romances - como o Buraco do Tatu, descaracterizou-se ao ser transferido para a Rua Jacarezinho, nas Mercês. A maioria simplesmente acabou.
Nos bairros, entretanto, ainda há bares, botequins e mesmo churrascarias que conseguem exercer o seu papel comunitário, de integração humana. Um dos melhores exemplos é o Bar Botafogo, de Irineu Mazarotto, na Avenida Manoel Ribas, que se integra - embora separado fisicamente - a churrascaria Botafogo, na Rua Lycio Castro Velloso, onde se come uma das melhores costelas da cidade. Freqüentando não só pelo pessoal do bairro, mas também por jornalistas e, principalmente, publicitários, o Botafogo é tema para um ensaio, o que aliás um de seus fiéis fregueses, o publicitário e advogado Sérgio Fernando Mercer promete fazer um dia. E a musicalidade espontânea do ambiente, ganha neste fim de semana uma reunião que será ampliada, mesmo aos não habitues do ambiente: na sede do Botafogo E.C., que funciona em cima da churrascaria, haverá uma noite de Serestas, com a presença de músicos profissionais - como o tecladista Lalo - e armadores. Gente como o ex-radialista e hoje milionário Rinoldo Cunha, ex-cantor de tangos na noite porteña. Orlando, bolerista de fazer inveja a Roberto Yanez, sambistas como Careca, Edson e Mercer e até um Trio de Prata, farão uma música muito própria, espontânea e válida.
O único risco, no momento em que se tenta organizar noites de Serestas como está, é descaracterizar o ambiente. Afinal, a espontaneidade - leia-se, uma certa bagunça - é que faz do botequim aquilo que é mais próprio. E que Nelson Cavaquinho sabe dizer também em seus sambas, a tal ponto que Beth Carvalho não poderia ter escolhido melhor título para o seu último elepê na RCA Victor: "Nos Botequins da Vida".
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