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Aramis

As noites de bandonenon, argentinas e muito tango

Por onde andará o "El Morocho", o gordo e simpático violinista e bandoneonista, que brilhava nas noites do Cadiz Club, o reduto dos tangueiros curitibanos nos anos 50? E o bom Edgardo, uruguaio como "El Morocho" (no registro civil Leo Ignácio Paz), simpaticíssimo e amigo de meia cidade, último milongueiro em nossa noite, ainda nos anos 80, em restaurantes como o Status e o Bangalô em Santa Felicidade - redutos para os apreciadores da música portenha, também anda desaparecido. Dos mais antigos - como o cantor Elvio Menendes, que era sócio do Cadiz - ali fazendo a célebre dupla com Ereidao Pellejero, no bandoneon, sabe-se que morreu há alguns anos, quando já havia deixado Curitiba e trabalhava em São Paulo. Lembranças das noites de tango curitibanas, especialmente dos anos 40/50, quando surgiam as primeiras boates substituindo os cabarés de má fama, que apresentavam também seus números musicais - numa época sem o fantasma da aids e com uma boemia sadia. O referencial na noite curitibana quando se fala em tango é o Cadiz Club, com suas 50 mesas, sempre lotadas, na Rua José Loureiro, o no qual além da dupla Menendes & Pellejero, apareciam outros apaixonados pela música de Pêra & Gardel, como os então estudantes de Engenharia, Jamil Mattar e Edmond Fatuch, que acabariam formando uma dupla famosa. Jamil - o Zeca, "o maluco do teclado", falecido há 13 anos, ainda jovem (era irmão do sofisticado pianista Pedrinho Mattar) acabaria profissionalizando-se e esquecendo os cursos de Engenharia e Direito que freqüentou. Já Edmond Fatuch, 53 anos, engenheiro da turma de 1953 da Universidade Federal do Paraná, hoje, pai de 4 filhos e 3 netos, não faria carreira musical. Assessor da gerência de marketing e comunicação social do Banestado, recorda os tempos em que fazia dupla com o seu amigo Zeca, ao piano: - "A gente cantava tango por amor, com entusiasmo. Numa época cheguei até a pensar em me profissionalizar como cantor, mas tudo não passou de um momento. Fora da boemia, a única experiência foi na Rádio Industrial de Minas Gerais, quando comecei meu curso de Engenharia em Juiz de Fora". Mas seria como diretor social do atuante Diretório Acadêmico de Engenharia do Paraná, em seus muito bem freqüentados chás dançantes, que Fatuch introduziria o tango em ambiente mais refinado. Dando uma folga para a orquestra de Genésio, ali se apresentava como cantor, sempre acompanhado por Zeca Mattar nos teclados e tendo a participação de um ou outro bandoneonista de passagem pela cidade. Identificado com a madrugada, imagens de música de gigolôs, marafonas, com suas letras falando em amores frustrados, bebedeiras, o tango não era bem visto nas tradicionais famílias curitibanas. Em compensação, era o gênero favorito dos freqüentadores do Cadiz e do Manhattan, um dos pioneiros piano-bar da cidade, na praça Carlos Gomes, que apesar do nome tinha noites muito mais portenhas do que ao som de Gershwin. A inauguração da boite do Hotel Mariluz (hoje San Martim), com a vinda de belíssimas argentinas que machucaram corações de respeitáveis nomes curitibanos - também faria com que o tango chegasse a novos endereços. Getúlio Cury, 59 anos, hoje na assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça, e que no início dos anos 50 dividia com seu primo Jorge Nasser (depois deputado estadual), o programa "O Tango Abraça o Samba", transmitido ao vivo, pela Rádio Tinguí (prefixo também desaparecido), recorda: - "Não se pode falar no tango em Curitiba nos anos 50 sem esquecer a noite que brilhava. Mulheres bonitas e elegantes, charmosas, que chegavam de Buenos Aires e Montevidéu, com seus sotaques tão característicos, enfeitiçavam corações ao som do bandoneon de Pellejero". Paulo Wendt (1915-1966) faria da pioneira "Elite" (depois "Marrocos"), "a primeira boate a merecer este nome em Curitiba", diz Cury. Na Praça Osório, uma casa de grandes espetáculos, nos quais, trazia também bons instrumentistas e ótimos cantores de tango. Depois, Wendt chegaria a empresariar espetáculos maiores e mesmo uma temporada de ópera no (então) inacabado Guairão. xxx O maior nome do tango que passou por Curitiba foi do maestro e compositor Francisco Canaro (1888-1964). Com sua orquestra de 30 músicos, aqui fez uma temporada entre 26 a 28 de agosto de 1940, com apresentações no Clube Curitibano, Cine Imperial (que ficava na Rua das Flores, onde hoje está o prédio da C&A), e no Cassino Ahú. O pesquisador Alceu Schwaab, em seu livro sobre "A Música no Cassino Ahú" (concluído, a espera de editor), rastreou a temporada de Canaro em Curitiba, aplaudido por mais de 5 mil pessoas, que vibraram com as apresentações do autor de clássicos como "Madre Selva" e "Sonar". Dez anos depois, Edmond Fatuch trouxe novamente Canaro para uma apresentação na Sociedade Duque de Caxias, onde por quase 30 anos se realizavam os Chá Dançantes de Engenharia. Fatuch admite: -"Canaro foi, sem dúvida, o maior nome do tango a passar por Curitiba". xxx Numa história sobre a noite curitibana - a espera de quem se disponha a fazê-la - dezenas de outros nomes, menos famosos mas igualmente apaixonados por tangos, teriam que ser lembrados. O publicitário Sérgio Mercer, 46 anos, boêmio hoje não etílico, autor de uma divertidíssima paródia de "Garufa" (o "Siritango"), chegou até a patrocinar um compacto duplo de Osvaldo Renê Barreto, há dez anos, gravando entre outras músicas, a sua composição "Codornas". Hoje radicado em Londrina (cuja vida noturna é, indiscutivelmente, superior a de Curitiba, em decadência há mais de 15 anos), Renê espera encontrar um mecenas que financie um elepê para que possa mostrar melhor seu valor de cantor. Edgardo Silva Fernandes, 54 anos, desde 1969 em Curitiba, em 1984 conseguiu fazer um belo elepê ("El Último Café", Voz Audi), no qual era acompanhado pelo bandeonista Rolando Gavioli - cuja morte, há alguns anos, fez com que a cidade ficasse sem nenhum executante deste instrumento indispensável ao tango. O próprio Edgardo, devido a problemas cardíacos, está hoje relativamente afastado da noite - que assim, musicalmente, ficou mais triste. Sérgio Mercer, além de apaixonado por tangos também um gastrônomo requintado, lembra a figura de Dom Marino, que há alguns anos tinha um restaurante na Avenida Vicente Machado, "no qual servia uma comida excelente acompanhada por tangos que cantava como poucos". No saudoso "Maxim's" (ao lado do Mercado Municipal), um garçom de cabelos brancos, Carlito, uruguaio de nascimento, garantia um orçamento extra cantando o repertório de Gardel, para os fregueses apaixonados pela música portenha. xxx De todas estas rápidas lembranças do tango em Curitiba, uma constatação: hoje são raros os que encontram ainda música, ao menos com boa execução, em nossa noite. Assim como os discos desapareceram das lojas (há quanto tempo não se faz o lançamento de um elepê de tangos no Brasil?), os milongueiros parecem aposentados. Por isto mesmo, a dupla temporada - "Maria de Buenos Aires" (hoje, 21h) e o sexteto Nuevo Tango com Piazzolla (dia 5 de setembro) vai matar as saudades dos homens boêmios mais velhos. Desde que estes não sejam radicais e aceitem o som que Piazzolla fez para renovar o tango e mostrar que a música de Buenos Aires continua viva.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
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11/08/1989
procuro alguma reportagem,fotos antigas, sobre ramon torreyra,que é meu pai,era um dos bandeonistas da orquestra de francisco canaro,a proposito nasci em curitiba,eu e mais duas irmãs, um abraço e obrigado

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