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Aramis

Música popular - O bom samba dos mestres Ismael e Elton Medeiros (e uma grata revelação)

Duas das mais agradáveis surpresas do final de 1973 foram os lançamentos dos discos de Elton Medeiros e Ismael Silva dois dos mais representativos de nossos sambistas e que há muito mereciam gravar novos lps, eles que há tantos anos - Ismael há quase 50, Elton no mínimo há 15 - tanta contribuição vem dando à nossa legítima MPB, com criações inspiradíssimas e que tem sido cantadas em todo o País. Mas não foram apenas os discos de Elton e Ismael, as boas surpresas deste final de ano: a revelação foi de Roberto Ribeiro, jovem sambista que após participar de discos ao lado de Elsa Soares e Simone, teve agora, finalmente o seu próprio lp - um disco de grande vitalidade e beleza, que justificou sua inclusão como o cantor-revelação do ano que passou. SE VOCÊ JURAR Há um ano, quando então coordenávamos o Carnaval de Curitiba, idealizamos a formação de um júri de alto nível para julgar as escolas de samba e convidamos Ricardo Cravo Albim, homem que pelo trabalho que desenvolveu em favor da MPB na frente do Museu da Imagem e do Som GB dispensa maiores apresentações. Ricardo não só aceitou o convite, como sugeriu os nomes de Ismael Silva, compositor e fundador da Primeira escola de samba do Brasil (a "Deixa Falar", criada em 12 de agosto de 1928 e que sairia pela primeira vez no Carnaval de 29 e ainda nos anos de 30 e 31) e a cantora Carmem Costa, intérprete de nosso cancioneiro e que criou muitos sucessos inesquecíveis do carnaval. Surgiu então a idéia: porque não aproveitar a presença de Ismael e Carmem e montar um rápido "show", que estrearia no Paiol, dois dias antes do Carnaval? Ricardo, sempre entusiasta, aceitou a proposta e assim os curitibanos tiveram a chance de assistir, em estréia nacional, um dos mais importantes espetáculos montados no Brasil no ano passado: "Se Você Jurar", contando com a participação do violonista José Paulo - que acompanhou Carmem em muitos "shows" nos EUA - foi um grande sucesso, não só nas 2 únicas apresentações no Paiol, mas também no Tuca em São Paulo e na GB, e só problemas de forças maiores impediriam que o espetáculo fosse levado ainda a outras capitais. A volta de Ismael e Carmem aos palcos fez com que se lembrasse destas duas figuras maravilhosas e assim, os jornalistas Milton Eric Nepomuceno (do "Jornal da Tarde", hoje em Buenos Aires) e Antônio Chrisóstomo (ex-Rádio Jornal do Brasil, hoje produtor da RCA Victor), que também vieram para julgar as nossas Escolas de Samba, procuraram divulgar o espetáculo, e de volta a São Paulo e GB, respectivamente, se preocuparam em que o retorno dos 3 artistas não se limitasse ao placo. Logo Carmem faria um belíssimo disco na RCA (comentado há 3 semanas, em O Estado) e, no Outeiro da Glória, participaria de um espetáculo maravilhoso, cantando músicas religiosas, idealizado por Chrisóstomo e que foi escolhido pela revista "Veja" como um dos 10 melhores do ano (e que apesar de gravado pela RCA, ainda não foi editado em lp). Já Ismael mereceria a realização de um excelente documentário em cores (1) e, de 13 a 15 de junho, em São Paulo, gravaria um lp para a excelente série "Documento" da RCA Victor, por onde anteriormente já tinham aparecido só discos de Nelson do Cavaquinho, João de Barro e Synval Silva. E sem dúvida, este se constitui num dos discos mais importantes feitos no ano passado, numa justa referência a quem fez tantas obras-primas do samba - revalorizadas neste disco de alta qualidade técnica, gravado em estúdio de 16 canais, com coordenação geral de Osmar Zandomenighi e direção de estúdio de Waldyr Santos. No lado A, temos os temas mais conhecidos de Ismael: "Antonico", "Nem é Bom Falar" (em parceria com Francisco Alves/Nilton Bastos), "Adeus" (em parceria com Noel Rosa), "Me Diga teu Nome" (c/Noel), "Boa Viagem" (c/Noel), "Se Você Jurar" (c/Francisco Alves/Nilton Bastos), "Prá Me Livrar do Mal" (c/Noel Rosa), "Ao Romper da Aurora" (c/Francisco Alves/Lamartine Barbosa). "Choro Silva", "Tristezas Não Pagam Dívidas" e "Novo Amor". No lado B, uma prova da vitalidade de Ismael, com sambas novos, alguns inéditos até agora: "Contrastes", "Alegria", "Aliás", "Receio", "Entrada Franca" e "Afina a Viola". Ouvindo-se a nova fase de Ismael e vendo-se que aos 68 anos o velho sambista continua em sua melhor forma é de se lembrar que tantos intérpretes de boa voz mas repertório limitado não se lembrem de ir procurá-lo em seu modesto quarto de pensão, para gravar e divulgar suas novas músicas não só as que ele revela neste lp - como o inteligente "Contraste" - mas outros que mostrou no palco e que, não sabemos porque razão, não foram incluídos no disco, como "Agora vou dizer nome feio", uma criação humorística na melhor linha de seu amigo e parceiro Noel Rosa. A história de Ismael - sua amizade com Francisco Alves (que de 1929 a 1931, seria o intérprete exclusivo de seus sambas em parceria com Nilton Bastos), sua profícua parceria com Noel Rosa do qual resultaram nove obras primas entre os quais "Pra Me Livrar do Mal", "Uma Jura que Fiz" e "A Razão dá-se a quem tem" e seu posterior afastamento da vida artística até 1950, quando Alcides Gerardi gravou "O Antonico" - é resumida com inteligência, por Ricardo Cravo Albim no texto de contracapa. Esquecido durante anos Ismael voltou a ser revalorizado em 1957, num "show" de grande sucesso, "O Samba Nasce no Coração" ao lado de Ataulpho Alves, Pixinguinha e toda a velha guarda. Logo depois, Ismael gravou seus dois primeiros elepês como intérprete de suas músicas: "O Samba na Voz do Sambista" (da Sinter, 1955) (2) e "Ismael Canta Ismael" (da Mocambo, 1956). Depois, mais um impulso e absurdo esquecimento quando ele voltou, de princípio no zicartola e em seguida no "show" , "O Samba pede Passagem" (do qual seria gravado seu 3º elepê, Philips, 1965), homenagens na Bienal do Samba e ainda programas especiais de TV e na boite Jogral, em São Paulo. Agora, sete anos depois, Ismael voltou a gravar e a cantar. Esperamos que desta vez não haja um novo "intermezzo" de esquecimento ao bom Ismael. ELTON MEDEIROS A seleção de 10 melhores discos do ano não é tarefa fácil: embora não chegue a 20% do total de lançamentos fonográficos aquilo que se pode classificar de realmente importante para a música popular brasileira existe sempre, num balanço ao fim de cada ano, 20 a 30 lps que, por razões diversas as destacam da maioria. Ao fazermos o nosso balanço de 73, como acontece desde 1967, o disco de Paulinho da Viola não poderia ficar ausente. Afinal, Paulo César Baptista Faria, 31 anos, é hoje um dos 3 mais importantes compositores brasileiros e que em cada novo disco evolui mais, incluindo ao lado de suas perfeitas criações também o que existe de melhor na MPB. Mas este ano, ao lado do disco de Paulinho ("Nervos de Aço"), tivemos a satisfação de vê-lo também como produtor, com um disco que mereceu também figurar na seleção: Elton Medeiros (Odeon, SMOFB 3820 - dezembro/73), primeiro lp individual de Elton (em 1966, dividiu com Paulinho da Viola as faixas do excelente lp "Na Madrugada", RGE) e uma síntese de seu trabalho, "um mapa de sua caminhada", desde um "Mascarada", por exemplo até inéditos como "Avenida Fechada" e "Sebastiana". Produzido por Paulinho "irmão" de Elton há muitos anos e que com ele divide seus "shows" (3), é daqueles lps antológicas da música brasileira: sambas da melhor qualidade interpretados com segurança e elegância por Elton - como Paulinho também um cantor tão bom quanto compositor. Acredito que Elton Medeiros, com este lp tem diante de si uma nova fase de sua carreira: a de intérprete. Juarez Barroso no lúcido texto de contracapa, lembra que Elton Medeiros, carioca da Glória fundador de duas escolas de Samba (Tupi do Brás de Pina e Unidos de Lucas) deixou as quadras das escolas quando elas passaram a ser invadidas por turistas. Compositor de vasto currículo, registrado em vozes como as de Jamelão, Nara Leão, Elizeth Cardoso, Paulinho da Viola, Marília Medalha, Dalva de Oliveira e Elza Soares, Elton é "o popular que se recusa a ser ingênuo". Sua pureza não é a do sambista que, da mesa do botequim, contempla a vida ou a do falso malandro, na base do vamos fazer-um-negocinho pra faturar sem perceber que está sendo utilizado como combustível. Elton não engana e não se deixa enganar. A partir daí, inspiração para ele é apenas a base de um paciente artesanato artístico até atingir um produto final que se coloca entre os melhores de nossa música popular. Neste seu disco estão alguns dos melhores momentos da música brasileira nestes últimos anos. E não poderia ser diferente, tratando-se de uma produção de Paulinho da Viola, realizada com muito amor e que revela um novo maestro e orquestrador: Cristóvão Bastos. Ainda recorrendo ao texto de Barroso, pode-se dizer que Elton sintetiza várias épocas e sensibilidades, desde sambistas de escolas de samba como Joacyr Austeclínio, Zé Keti, Mauro Bolacha e um poeta como Cacaso - professor do Departamento de Letras da PUC-GB e autor da letra de um dos mais velos sambas do disco "Meu Carnaval"; entre um veterano como Ciro de Sousa (autor do "Tenha Pena de Mim", memorável) e os novíssimos Antônio Valente e Cristóvão Bastos (pianista, organista e arranjador) e entre o poeta arquiteto Otávio de Morais (filho da inesquecível Eneida) e o poeta-pedreiro Agenor de Oliveira o Cartola. Difícil dizer qual a melhor faixa deste lp antológico. Se o "Avenida Fechada", um hino autêntico ao Carnaval, a ternura de "Meu Carnaval", com achados poéticos como "Foi vestida de alegria/E saiu prá não voltar/E eu vestido de tristeza/Cantei para não chorar") a história humana de "Sebastiana", que "Desfilando na Avenida/Vai vestida de princesa/Num Carnaval tristeza/Vai no compasso/De quem pisa na saudade/De quem pisa na verdade/De uma vida de incerteza". Os temas já clássicos de Elton também estão neste disco maravilhoso: "Fotos e Fatos", "O Sol Nascera" ou "Pressentimento" (com letra de Hermínio Bello de Carvalho). De um sambista do valor de Elton amigo e companheiro de Paulinho da Viola, não poderíamos esperar resultado diferente: um álbum antológico para quem sabe reconhecer a nossa melhor MPB. Faixas: "Avenida Fechada" (Elton/Cristóvão Bastos/Antônio Valente), "Prá Bater Minha Viola" (Elton), "Pressentimento" (Elton/Hermínio), "Meu Carnaval" (Elton), "Fatos e Fotos" (Elton/Otávio de Moraes), "Mascarada" (Elton/Zé Keti), "O Sol Nascera" (Elton/Cartola), "Vem Mais Devagar" (Elton/Joacyr Sant'Ana), "Sebastiana" (Elton/Ciro de Sousa), "Sandália Dourada" (Elton/Austeclínio), (Elton/Mauro Duarte), "Hora H" (Elton/Antônio Valente) e "Sei Chorar" (Cartola). Músicos: Christóvão (piano/violão), Dininho (baixo), Dino (violão 7 cordas), Jonas (cavaquinho), Copinha (Flauta e clarinete), Juquinha (bateria); ritmo: Marçal, Dazinho, Nelson Joaquim, Geraldo Sabino e Eliseu. ROBERTO RIBEIRO Após modestas participações nos lps de Elsa Soares e Simone (este gravado especialmente para o Brasil Export-73), Roberto Ribeiro fez seu primeiro lp, sozinho na Odeon garantido pela produção deste extraordinário Hermínio Bello de Carvalho, que apresenta o cantor como "mineiro cheio de dengues, meio esquivo e arredio, impressão que se destrói logo que a gente se aproxima de seu coração. Graças a Deus nunca usou de truques e nem entrou nessa de esticar cabelo, desamorenar a pele nem soltar a fieira, fazendo cantar o pião, é essa balezura de pessoa que se sabe (e, por tabela, um grande cantor)". Um sambista de bela voz entre Johnny Alf e Tito Madi em termos de ternura de interpretação, Roberto Ribeiro reuniu um repertório dos melhores para este lp de primeiro nível, que justificou sua inclusão no suplemento dos melhores de 73, como revelação do ano: "E Ela" (Miltinho/Maurício Tapajós/Paulo César Pinheiro), "Sozinha" (Luspicínio Rodrigues), "Anjinho no Morro" (João Laurindo/Jones Santos), "Se Você Não Vê" (Daltão), "Guenta a Mão, Mulher" (Eduardo Marques), "Preconceito" (Wilson Batista/Marino Pinto), "Paz, Amor e Maria" (Tôco), "Olha o Partido" (Xangô da Mangueira/Rubem Gerardi), "Eu Sei" (Reginaldo Bessa), "É Tão Tarde" (Daltão) e "Vida Sem Cor" (Delcio Carvalho/Barbosa da Silva). CATEDRAL DO SAMBA Na animada noite paulista entre meia centena de casas de samba de muita animação, a "Catedral do Samba" se firmou como um dos melhores redutos de quem sabe amar a melhor MPB. E assim, das mais louváveis a iniciativa da Phonogram através de sua equipe de produção de São Paulo em realizar este "Catedral do Samba" (Polyfar, 2494520, dezembro/73), onde é dada uma (boa) oportunidade a vários intérpretes novatos, habituês daquela casa. Desfilam nesta produção de Arnaldo Saccomani/Marco Antônio Galvão, os grupos Moçada do Samba ("O Pirata" de Luís Carlos/Murilão; "Cabeleira do Zezé" de J. Roberto/Murilão; "Cabeleira do Zezé" de J. Roberto/Roberto Faissal; "O Vira" de João Ricardo/Lulli; "Alô... Alô..." de André Filho); Filó e conjunto Catedral ("Prá Que Chorar" de Beto Scalla/São Beto; Ninguém Põe a Mão" de Dora Lopes/Jean Pierre; "Camisa 10" de Hélio Matheus/Luís Vagner; "Trem das Onze" de Adoniram Barbosa; "Cotidiano" de Chico Buarque; "Você Não Entende Nada" de Caetano Velloso); Fabião ("Não Deixe a Tristeza Pegar no seu Pé" de Jorge Costa e "Samba do Jegue" de Jorge Costa/Alberto Lacerda); Macumbinha e Família ("Na Escadaria" de Macumbinha/Mutinho); Cirandeiros ("É Carnaval" de Carlinhos/Luiz Antônio); Cyro Aguiar ("Do You Like Samba" de Marcelo Duran), Alcione ("Trem Dendê" de Reginaldo Bessa/Nei Lopes) e A Turma ("Os Escravos de Jó" de Milton Nascimento/Fernando Brant). NOTAS (1) "O Mestre Ismael", maio/julho de 1973, direção de Adenor Luna Pitanga, produção da Scorpio, em cores. Exibido no cine Flórida, por ocasião da realização do curso de Introdução a MPB e, que com certificado de Categoria Especial do INC, terá distribuição comercial. (2) Este lp foi reeditado em 1972 pela Phonogram na série "No Tempo dos Bons Tempos", produção de Maurício Quadrio. (3) Como "Sarau", atual cartaz na GB e que possivelmente em fevereiro estará sendo apresentado no Teatro do Paiol.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Nenhum
21
06/01/1974

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