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Aramis

Música Popular

"Quando se diz que a bossa nova foi o movimento mais importante verificado em nossa música popular nos últimos anos, o que se leva em conta não é apenas a modificação que ela provocou nos rumos da MPB, mas possibilidade que abriu para que aparecessem alguns dos nossos melhores compositores de todos os tempos. Carlos Lyra, sem duvida nenhuma é um deles. A sua importância não se restringe aos limites da bossa nova; o seu nome, historicamente, é tão importante quanto os mais importantes nomes da música popular brasileira". Cavaleiro andante em defesa do samba tradicional o depoimento entusiástico que Sérgio Cabral deu em 1971 a respeito de Carlos Lyra (volume 28, Historia da Musica Popular Brasileira) não é gratuito. Pois Sérgio reconhece não só os (indiscutíveis) méritos de Carlinhos como letrista e compositor, como também o solido/-sério trabalho que ele desenvolveu há 16 anos, em favor da (re)valorização de excelentes compositores que permaneciam anônimos (e explorados) nos morros cariocas: Carlota, (Angenor de Oliveira), Zé Ketti, Ismael, entre outros, foram artistas que Carlinhos, então universitário e organizando movimentos shows, sempre soube colocar ao lado dos chamados meninos que diziam a Bossa Nova dar os seus primeiros passos. Há exatamente um ano, quando Carlinhos Lyra veio pela primeira vez em Curitiba, para dois shows no Teatro do Paiol, pudemos constatar que como Vinícius de Moraes e tantas outras pessoas que sempre admiramos pela obra poética/musical, Carlos Lyra tem como pessoa, como gente, aquela grandeza que realmente só os grandes e autênticos artistas possuem. Profundamente simples e cordial em seu tratamento, integro e profundo em suas ideais e opiniões, Carlos Lyra gravou um depoimento de cinco horas de duração, numa reunião inesquecível com a presença de Euclides Cardoso (diretor da Radio Iguaçu) e Arnaldo Fontana pesquisador de musica e cinema, industrial) que, posteriormente, em outra visita que fez a Curitiba (para dois novos shows no auditório da Reitoria), seria completado em novo depoimento, então com a presença do disck-jockey (embora hoje aposentado) William Sade. Na impossibilidade de aqui transcrever o muito que de sério disse Carlinhos a respeito de nossa musica, das pessoas que fazem, de seus problemas e perspectivas, limitamo-nos a dizer que, pouquíssimas vezes alguém fez uma analise tão lúcida quanto a de Carlinhos. Aliás, todos que assistiram ao seus espetáculos, sentiram que mais do que um simples show, ele fez realmente uma pequena conferencia musicada sobre a evolução da MPB a partir da Bossa Nova. Um trabalho tão importante que merecia ser incluído no Plano de Ação Cultural do MEC e levado a todas as universidades brasileiras, para mostrar a garotada que não pode (ou não quis) conhecer (ainda) a MPB, o que ela tem de importante, ao menos nos últimos 20 anos. Carlinhos Lyra tem novo lp na praça. O sétimo em 15 anos de carreira, o que dá uma média de um disco em cada dois anos. Quando do lançamento de seus dois últimos lps ("...E no Entanto é Preciso Cantar", Philips, 6349012, 71 "Eu & Elas", Philips, 6349048, novembro de 1972) dedicando também paginas especiais, aqui mesmo em O ESTADO, analisando em retrospectiva, seu trabalho, que consideramos dos mais importantes não apenas para a Bossa Nova, mas - e principalmente - para a MPB em todos os tempos.. Não vamos, portanto, repetir tudo o que, por diversas vezes, escrevemos a seu respeito. Vamos apenas ao que ele faz no momento. Deixando a Philips pela primeira vez (exceto a trilha sonora de "Pobre Menina Rica " texto de Vinícius, musicas suas) direção musical de Radamés Gnatalli, editado em Lp pela CBS há 11 anos e relançando no ano passado), Carlinhos Lyra passou para a continental, que em sua elogiavel preocupação de voltar aos áureos tempos em que tinha o melhor elenco nacional, vem contratando todos os bons compositores-interpretes dispostos a trocarem de gravadora. E assim como já havia conseguindo Sérgio Ricardo há dois anos (mas que infelizmente fez um Lp Continental que passou despercebido), Carlinhos Lyra gravou na Continental este seu novo disco. Ele tinha muitos projetos para um novo disco, mas fatores diversos alteraram os planos. E assim este disco não tem o impacto que os estudiosos mais exigentes, como os bons amigos Alceu Schwab, Luciano Lacerda e Euclides Cardoso, aguardam desde o histórico "Depois do Carnaval" (Philips, P.630.492, 1962), onde lançou o "Sambalanço" e, acompanhado pelo Trio Tamba (Luiz Eça, Elcio e Bebeto), numa faixa ("Maria do Maranhão") apresentavam, pela primeira vez em disco, Nara Leão, com a qual, posteriormente, viria estrelar o show "Pobre Menina Rica" em duas temporadas. Em "Depois do Carnaval", Carlinhos trazia musicas feitas em parceria com Nelson Lins de Barros (1926-1963), para a peça "Um Americano em Brasília", escrita em 1961, ano de inauguração da Capital Federal mas que nunca chegou a ser montada ("É Tão Triste Dizer Adeus", "Mundo a Parte", "Maria do Maranhão"). Havia também as musicas feitas em parceria com Oduvaldo Vianna Filho para "Gimba, O Presidente dos Valentes" como Ö Melhor Mais Bonito e Morrer", duas felizes parcerias com Geraldo Vandré ("Aruanda", um "Samba-maracatu" e Quem Quiser Encontrar o Amor") que a exemplo de "Depois do Carnaval", em parceria com Nelson Lins de Barros, fez parte da trilha sonora de "Couro de Gato" de Joaquim Pedro de Andrade, belíssimas canções românticas com letras de Ronaldo Boscoli ("Canção Que Morre no Ar", "Sem Saida" e "Se é Tarde Me Perdoa") , além da obra prima de seu trabalho com Vinícius de Moraes: "MARCHA DA QUARTA FEIRA DE CINZAS". Enfim, um disco, como "Depois do Carnaval" acontece uma vez em cada década. Para não dizer na vida de um artista. Pois, todos os discos de Carlinhos sempre tiveram um altíssimo nivel artístico. Mas o fato é que neste seu setimo lp Carlinhos faz uma espécie de nostálgica revisão de seu trabalho, com cinco temas já conhecidos e três musicas inéditas. O que é importante: das musicas já conhecidas ele gravou, com novos arranjos e roupagens modernas, sensiveis temas que havia apresentado em seus dois primeiros lps, há anos fora de catálogos e que ele proprio mais possui. Assim "Só Mesmo Por Amor" (faixa 4, face A) "Quando Chegares" (6A) e "Barquinho de Papel" (2B0 haviam aparecido em seu lp de estreia, Bossa Nova" (P-630-409 L), gravado em fins de 1959 e só colocado nas lojas em 1960. Com capa de Chico Pereira e texto de contracapa de Ary Barroso 91903-1964), que, entre outras coisas afirmava, "Carlinhos é um bom compositor e faz tudo bonito e dele - o que reputo importantíssimo" - o instrumentistas: Baden Powel solando no violão "Saudades de Você" e "Rapaz de Bem"(Johnny Alf), o trombone de Raul de Barros, a flauta do sempre presente Copinha (como diz Sérgio Cabral, onde tem boa música se escuta sua flauta), Pinduca no vibrafone, o acordeom de Chiquinho e Iracy de Oliveira no vilino. Já "Tem Dó de Mim" (face B, faixa 1, lp da continental) era a musica que abria o 2º lp de Carlinho, gravado em 61, e onde, conforme ele próprio nos diria no ano passado, "já tentava intuitivamente livrar-me da convivência da Bossa Nova e passar a transcendência do "vir a-ser". E na contracapa, o poeta Vinícius de Moraes - então iniciando a parceria que se consolidaria no ano seguinte, dizia: "Carlinhos Lyra"- pertence ao que podemos chamar de "a corrente mais nacionalista da bossa nova": o que o levou, com um senso diferenciador, a criar o termo sambalanço" para as suas composições". E o Carlinhos Lyra desta fase que para nós, pessoalmente, foi tão marcante - no inicio dos anos 60, a descoberta da MPB, o Cinema Novo emergindo, os sonhos e otimismo na grande cidade - está presente nestas lindas e nostálgicas cinco faixas. Mas o disco não é apenas nostalgia, embora ela só já justificasse a sua edição. Por exemplo, para abrir a face A, Carlinhos gravou uma otimista canção de hugo Bellard, arranjador co-produtor do álbum (cuja direção de produção é do veterano Ramalho Neto), "Cante uma Canção", onde diz. Se seu pensamento voa E nada esta no lugar Se você quer se expressar E as palavras morrem no ar Cante uma canção amiga Tente uma canção antiga. Na segunda faixa "Velhos Tempos", uma parceria de Carlinhos com o veterano Mariano Pinto, (1916-1965), autor de muitos clássicos e que foi presidente da Sbacem de 1960 a 1964. Uma letra ingênua, mas muito terna. "Olhe essa rua/já não parece a mesma rua/ Olha aquela praça/ Já não me lembra a mesma praça/ Olha esse céu não brilha a mesma lua/ Olha esse sol/ que já não tem a mesma graça/ Aquela casa grande/Chamavam de chalé/ Agora mal se vê/ E eu se bem recordo/ Havia por ali/ Um velho caramanchão/ Naquele tempo/ O meu jardim era você/Era você meu céu/ Era você meu sol/ Meu tudo então", "lanterna", a terceira faixa do lado A, é uma musica irônica, mais ou mesmo na linha de "Pau de Arara", que Carlinhos criou para a peça "Pobre Menina Rica", mas que se transformou no maior êxito de Ary Toledo, a quem muitos creditam sua autoria. "Lanterna" é a triste história de uma pessoa que sempre checou tarde, a começar que "até meu nascimento foi fora de hora/ Nasci quase no dia do meu batizado". "Só mesmo por amor" é a primeira nostalgia da primeira fase de carlinhos aqui presente. Um dos mais românticos temas, até hoje capaz de emocionar a jovens de sensibilidade: Mas é na quinta-feira que encontramos o grande momento do carlinhos Lyra de agora: "Marcha da 6º feira da Paixão e Sábado de Aleluia". Uma canção romantica mas profundamente lúcida, quando com sua voz suave diz: Vem da solidão Essa paixão tão querida Que se desfaz como um dia se fez E morre esquecida Vem de uma ilusão Essa alegria tão sofrida EU SÓ TE AMO PORQUE EU PRECISO DE VOCÊ Mas o amor que vem Que vence a morte E no entanto te oferece A própria vida Vem pra te dizer QUE EU TE AMO TANTO E SÓ POR ISSO QUE EU PRECISO DAR Encerrado a FACE A, a primeira musica que Carlinhos compos: "Quando Chegares", gravada pela primeira vez em 1957. Por ele próprio definida como l "a letra mais mau caráter de minha carreira", "Quando Chegares" pode ser também definida de hino oficial do egoísta disponível amorosamente. De qualquer forma, uma musica marcante e que se ouve com emoção. No lado B, após "Tem Dó de mim" e "Barquinho de Papel"- da mesma fase de "Quando Chegares", temos feito Não é Bonito" , com letras de Guarnieri e gravado originalmente em "depois do Carnaval". E, para encerrar, Carlinhos volta ao seu grande tema "Amar é Viver" e "Se Você Quiser Me Dar amor". Em ambos, a mesma paixão sincera de "Marcha da 6a feira da Paixão e sábado de Aleluia": Em "Se Você Quiser me Dar Amor", há a participação de Kathy Lyra, esposa de Carlinhos, bela atriz, sensível compositora e cantora, que anteriormente foi sua parceria em "l See Me Passing BY" e "nothing-Night", participando vocalmente de seus dois últimos lps. Apesar de a letra não pretender ser nenhum tratado de filosofia, "Se Você Quiser Me Dar o Seu Amor" tem um ar de extrema felicidade e esperança, que faz desta talvez a musica mais otimista neste belo, suave e enternecedor disco de Carlinhos. Caminhando por ai E cantando sem parar... eu vou E se alguém que eu encontrar Perguntar se eu sou feliz...eu sou Se você me acompanhar Se você quiser uma flor...eu dou. FOTO LEGENDA- Carlos Lyra FOTO LEGENDA- depois do carnaval (") Carlos Lyra
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
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31/03/1974

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