Login do usuário

Aramis

As muitas mortes da memória paranaense

Há 23 anos, o professor Júlio Estrela Moreira, historiador, escritor e incansável pesquisador a quem o Paraná tanto deve em termos culturais, publicava um básico levantamento intitulado "Bibliografia do Estado do Paraná". Paciente e organizadamente, o professor Moreira levantou todos os livros, ensaios, teses, etc., editados no Estado, graças principalmente à sua preciosa biblioteca paranista, hoje depositada no Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. Alguns meses antes de morrer, o historiador comentava conosco que a sua obra exigia uma atualização, pois após duas décadas algumas centenas de títulos havia aparecido apesar da editoração ser um dos setores mais carentes em nosso Estado. Felizmente, uma primeira embora ainda incompleta tentativa de atualizar a obra do professor Moreira é feita com o lançamento de "Documentação Paranaense- 1", alentado volume de 536 páginas que a Secretária da Cultura e do Esporte, através de sua comissão de editoração lançou quinta-feira, dia 23. Iniciativa da professora Cassiana Licia Lacerda Carolo e da bibliotecária Regina Pegoraro, a tentativa de criar um índice dos volumes relacionados ao nosso Estado, depositados na Divisão de Documentação Paranaense, no período de 1965 a 1979, o catálogo presta um importante trabalho a quem se dispõe a pesquisar, estudar e (melhor) entender/conhecer as coisas, homens & fatos de nosso Estado. Regina Pegoraro promete que haverá um volume para os periódicos, completando assim este levantamento. E se espera que para tal projeto sejam reservadas verbas, já que a documentação exige (e merece) atenção prioritária. Obviamente, tendo sido feito um levantamento restrito à divisão de Documentação Paranaense da BPP, o catálogo editado pela SCE é falho e incompleto. Afinal, nem todos os autores se dão ao trabalho de encaminhar seus livros à biblioteca e aquela unidade, uma espécie de filha enjeitada de sucessivas administrações e enfrentando problemas seríssimos, nunca dispôs de recursos para a compra de livros, sequer dos autores paranaenses ou trabalhos diretamente ligados ao nosso Estado. Só nos últimos meses é que se tentou equacionar este problema, mas ainda assim com muitas dificuldades. Aliás, seria até irônico se não fosse triste: ao menos uma vez por ano, uma funcionaria da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, com sede em Washington, D.C., viaja a todos os Estados brasileiros adquirindo obras para aquela instituição, com base em informações coletadas de jornais e outras publicações. Graças a isto a "Library" do Congresso americano é não só uma das três maiores do mundo, mas onde existem praticamente todos os livros editados no Brasil. Obras que, aparentemente, não possuem maior significado, são cuidadosamente catalogadas e guardadas naquela biblioteca, possibilitando a localização em segundos, através de sofisticado sistema de informática, por computadores da última geração. Mesmo em bibliotecas menores, como a de um Instituto Latino-Americano, que funciona exatamente ao lado do Muro de Berlim, na antiga capital alemã, e mantida com recursos semiprovados, encontramos, há 3 anos, algumas dezenas de títulos de autores paranaenses, além de reportagens de várias revistas. Curiosamente, uma entrevista com o compositor Ataulfo Alves (1909-1969), que publicamos em 1962 na revista "Panorama", está lá catalogada no setor de música popular-América do Sul. Em compensação, há dezenas de livros importantes, revistas que documentam fases da história paranaense, que inexistem sequer na Divisão de Documentação Paranaense, criada há poucos anos, que nunca dispôs dos recursos que mereceria para ampliação de seu acervo. Afinal, um dos maiores crimes cometidos contra a memória paranaense foi o que ocorreu há pouco mais de 10 anos, quando um secretário da Educação e Cultura - político de larga tradição do antigo PTB - recusou adquirir por poucos mil cruzeiros, a completa biblioteca paranista do engenheiro militar Adyr Guimarães (1.900-1967). Com milhares de volumes, entre livros, publicações e documentos esparsos e principalmente revistas, a biblioteca de Guimarães, radicado desde a juventude no Rio de Janeiro, incluía coleções de revistas editadas no Paraná, das quais não restaram um único outro exemplar. Ao falecer, sua viúva, dona Beatriz, chegou a oferecer a coleção a governos do Paraná, São Paulo e Rio de janeiro, mas não houve interesse, com as eternas alegações de "falta de verbas". A Universidade de Camberra, na Austrália, que estava estruturando um departamento de estudos latino-americanos, comprou a maior parte da biblioteca- especialmente as coleções de história, geografia e botânica, esta com obras raríssimas. Além de engenheiro, Adyr Guimarães era aviador e entusiasta por geografia e história, de forma que sua biblioteca foi montada ao longo de quase 60 anos, com amor e um trabalho de garimpagem cultural, tornando-a a única. E esta preciosidade, que poderia ter vindo para o Paraná, acabou indo parar na Austrália - num dos maiores crimes cometidos contra a nossa memória histórica. Inúmeros outros exemplos podem ser lembrados, sem maior esforço -já que sucessivos "donos do poder" tem dado pouca - ou nenhuma - atenção ao patrimônio cultural e à nossa documentação histórica. Agora, quando se fala numa discutível (e ainda não suficientemente definida) "Casa da memória", em que se confunde as coisas, e necessário repensar a questão - para que os (parcos) recursos existentes não sejam desperdiçados. Com a publicação de "Documentação Paranaense 1", a Secretaria da Cultura e do Esporte, ao menos faz um índice do (pouco)que restou, depositado na Biblioteca Pública do Paraná. Que o trabalho tenha seqüência organizada, é a esperança.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
9
25/10/1980

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br