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Aramis

Moreira da Silva, aos 84, com garra e humor

Identificados por uma mesma vertente - o humor - mas numa fonte bem mais legítima e honesta do que aquela que vem inspirando a mediocridade apelativa de grupos de rock ou cantores brega (Roedil Caetano, p.e., com seu "Julieta", transformado em sucesso nacional pelo baiano Sandro Becker), três discos de compositores dos mais interessantes: o veteraníssimo Moreira da Silva - firme e rijo aos 84 anos; o pernambucano Bezerra da Silva, com sua pesquisa de estilos dos morros cariocas, chegando a um novo lp, cuja análise pormenorizada fica para outra ocasião ("Alô Malandragem, Maloca o Flagrante", RCA) e o fluminense Dicró, compositor cujo humor transmite uma imagem de uma região cuja imagem, até hoje, identificava-se ao crime e a violência: a Baixada Fluminense. De longe, o carioca Antonio Moreira da Silva, 84 anos - completados no último dia 1º de abril - mas oficialmente 83, como ele declara já na faixa de abertura deste seu novo lp ("Cheguei e Vou Dar Trabalho", Top Tape, maio/86) é uma das figuras mais interessantes de nossa MPB. Filho de um trombonista da Polícia Militar do Rio de Janeiro, trabalhou desde criança - operário da Souza Cruz, a partir dos 19 anos, motorista de praça e, posteriormente, da ambulância da prefeitura do Distrito Federal. Freqüentando programas de rádio, com insistência, abriu seu espaço musical e há 55 anos fazia seu primeiro 78rpm (na Odeon, "Erere" e "Rei da Umbanda", dois pontos de macumba) e em meio século de carreira passou por diferentes emissoras, fez inúmeras gravações e chegou até a participar de um filme em Portugal ("A Varanda dos Rouxinóis", 1939, de Leitão de Barros). Entretanto, teria sido apenas mais um cantor de rádio se não procurasse uma linha própria de interpretação. E isto aconteceu a partir de 1937, quando em "Jogo Proibido" (Tancredo Silva/Davi Silva/Ribeiro Cunha) improvisou nos intervalos dos versos frases repletas de gíria, o que repetiria em outras interpretações e marcaria o chamado samba de breque - estilo do qual foi o pioneiro, e que teve, inúmeros seguidores mas poucos bem sucedidos entre eles o paulista Germano Mathias ou o baiano Cyro Aguiar, seu admirador e parceiro - inclusive nesta "Idade Não é Documento", uma espécie de breque-apresentação no qual o veterano artista afirma estar em forma. O surpreendente neste "Cheguei e Vou Dar Trabalho" não é só (re)encontrar Moreira da Silva forte e rejuvenescido, com um repertório dos mais agradáveis. É verificar que ao lado do estilo irônico e humorístico que sempre marcou suas músicas estamos com um cantor de suavidade e emoção, valorizando quatro belíssimos clássicos da MPB: "Último Desejo" (Noel Rosa), "Jura de Cabocla" (Cândido das Neves), "As Rosas Não Falam" (Cartola) - neste apenas acompanhado ao violão por Sebastião Clóvis - e até "A Volta do Boêmio" (Adelino Moreira). O Moreira da Silva irônico e atual reaparece com temas contemporâneos como BNH em "Inadimplente" ou no dilacerante samba-dor-de-cotovelo ("Cálice Amargo"), no interessante "Já Não Posso Andar na Rua" (parceria com J. Cristiano enquanto que de seu amigo Braguinha (Carlos Alberto Ferreira Braga, RJ, 29/3/1907), com a própria participação do autor, uma deliciosa marchinha ("Tomara que Caia"), falando em modas e gatinhas, mostrando que os setuagenários Moreira e Braguinha continuam em forma física. Não poderiam faltar clássicos no repertório, e assim Moreira regravou o seu magnífico "Na Subida do Morro", "Amigo Urso" (Henrique Gonçalves, 1938), "Acertei no Milhar" (Wilson Batista/Geraldo Pereira, 1938), "Fui a Paris" (sua parceria com Ribeiro Cunha, 1942), dois dos mais felizes sambas-de-breque do compositor e jinglista Miguel Gustavo (Werneck de Souza Martins, RJ, 1922-1972) - "O Rei do Gatilho" (1962) e "Último dos Moicanos" (1963), além de "Tudo Bem" (do próprio Moreira), "Garota de Copacabana" (Zilda do Zé) e "José e João", uma parceria de Moreira com Anderson Ferrari. Produção cuidadosa de Ney Marques, com arranjos "piramidais" - como diria o próprio Moreira - do maestro Nelsinho - foram convocados mais de 30 excelentes músicos, inclusive uma grande secção de cordas e ótimos solistas (como Dino 7 Cordas, Luizão do baixo, etc.), dando um emolduramento sonoro à altura do talento do cantor.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
3
15/06/1986

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