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Aramis

Milton: "Agora quero escrever os roteiros"

Tablóide - De todos os seus discos "Txai" é o mais densamente brasileiro. Até que ponto este regionalismo permitirá que platéias internacionais o absorvam, já que está previsto sua edição no Japão e Europa? Milton - Eu falo de um tema universal - a preservação do planeta. E não há nada nele mais comunicativo do que isto neste momento. Assim, independente das palavras, há o sentimento. Tablóide - O título é meio estranho, até difícil de guardar a primeira vista. O que significa? Tablóide [Milton] - Eu também fiquei um pouco grilado no início quando ouvi a expressão entre alguns seringueiros. Mas quando me disseram o que significava, em sua expressão maior, entendo que era a palavra certa: amigo, ou mais ainda - a outra metade de mim. Tablóide - Amizade, aliás, é uma das constantes em suas canções. Qual a dimensão desta preocupação? Milton - Imensa. Inclusive porque a amizade ainda não foi compreendida em toda a sua totalidade. Tablóide - Então, o importante é cantar a amizade sempre? Milton - Sim. Não se esgota jamais e há uma reciclagem, um reviver necessário. E eu sempre farei isto, com ajuda de meus parceiros. Tablóide - E a carreira cada vez mais internacional de Milton Nascimento... Milton - Ela está acontecendo naturalmente. Agora, no dia 7, inicio uma rápida Tournée por Porto Rico e Estados Unidos. Em agosto, farei as principais cidades brasileiras. Acho que o trabalho tem que ser dividido na fase de criação, da produção (gravação do disco, preparo do show) e finalmente - o mais gratificante - chegar ao público, razão de viver e sentir. Tablóide - Em cada ano, há um Milton mais fascinante, mais humanamente preocupado com o país, com todos. E a política atual? Milton - Não posso fazer nada. Como é que vou falar alguma coisa de uma coisa que eu não estou entendendo? Tablóide - E a criação musical caminha para outros caminhos? Milton - Sim. Há canções prontas que não entraram no LP. Há músicas para sair em vozes de outros intérpretes. Por exemplo, a Selma Reis está gravando uma nova música, com letra do poeta Ferreira Gular, que ainda não tem nem título. Mas que fala de coisas importantes. Tablóide - Mas você não tem ficado apenas na música, na sua canção. Tem feito trabalhos mais amplos? Milton - Sim. Acabo de preparar um novo trabalho para o grupo de David Parsons e para meus amigos do Ballet Corpo, de Belo Horizonte, e o Rainer Viana, tenho outros projetos. Com o Ballet Corpo é algo muito forte, já que eles foram os primeiros a levar minha música na dança, com o "O Último Trem" e "Maria, Maria". Tablóide - E o cinema? Não há apenas o Milton autor de trilhas e ator bissexto, mas... Milton - ...Sim, há também um Milton que deseja partir para escrever roteiros. Já tenho, inclusive, as primeiras idéias. A direção, entretanto, não me atrai. Tablóide - E dos trabalhos feitos até agora no cinema, o que mais lhe trouxe satisfação? Milton - Embora seja difícil destacar, lembro com prazer minha participação, como ator e autor de músicas em "Os Nus e os Mortos", de Ruy Guerra. "Fitzcarraldo", de Werner Herzog, também foi uma boa experiência. Ah! Fiz também a trilha para "A Queda", outro filme de Ruy Guerra, de grande emoção. Tablóide - E falando de "Txai", como você o definiria? Milton - Cada novo projeto, cada novo disco, tem uma unidade. Mas pela unidade, lembra-me a "Missa dos Quilombos", que foi também uma realização muito afetiva. Tablóide - A idéia de gravar com os índios, como foi realizada? Milton - Só poderia ser feita ao vivo, onde vivem os próprios índios. Foi um trabalho imenso deslocar os estúdios, geradores, toda uma equipe mas altamente gratificante. Tablóide - E a música dos índios? Qual a sua riqueza? Milton - Incalculável. Imensa. Só com o passar do tempo, com uma profunda reflexão se terá uma dimensão de toda esta riqueza ainda virgem. A costura de minha música com o canto dos índios foi algo incrível... Tablóide - O ator River Phoenix, a quem você já havia dedicado uma bela canção em seu lp "Mil Tons" (1989), participou lendo um texto de sentido ecológico. Você sabia desta preocupação dele também com a ecologia? Milton - No inicio, o vi apenas como um ator admirável, que desde a primeira imagem que refletiu seu olhar em "Conte Comigo" mostrava ter algo mais para dizer. Depois, vi seus outros filmes, "A Costa do Mosquito", inédito no Brasil, "Espiões Sem Rosto" etc. Mas não nos conhecemos pessoalmente. Ele mora na Flórida com os pais missionários e quatro irmãos. Temos falado apenas por telefone e talvez nesta viagem a gente se encontre pela primeira vez.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
02/06/1990

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