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Aramis

Mercedes Sosa, para consumo da burguesia

Ao final da apresentação de Mercedes Sosa, terça-feira a noite, no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, a cantora se fechou no camarim e seus "assessores" transmitiram ordens expressas: ninguém poderia ter acesso aos bastidores. O secretário René Dotti, da Cultura, numa demonstração de elegância e humildade, não invocou sua condição de autoridade cultural, que desejava cumprimentar a grande cantora argentina e ficou, anonimamente, do lado de fora. Ao seu lado, além da esposa Rosarita, estava a soprano Elsa Praguer Coelho, que havia retardado em um dia o seu retorno ao Rio de Janeiro, especialmente para assistir Mercedes Sosa. Só mais tarde, no coffe-shop do Araucária Palace Hotel, quando ali fazia um lanche, é que Elsa - cantora internacional, violonista exímia e que por 20 anos foi esposa de Andres Segovia - pode conversar, tranquilamente com Mercedes Sosa, que também estava hospedada no mesmo hotel. xxx Há mais de dez anos, quando passou pelo aeroporto do Galeão, no Rio, Mercedes Sosa foi proibida de sair da sala VIP, onde foram vê-la seus amigos Milton Nascimento e Chico Buarque, entre outros. Na época, seu nome constava na relação dos indesejáveis da ditadura militar que dominava o Brasil. Mais tarde, quando, finalmente, obteve autorização para fazer sua primeira excursão pelo Brasil, a temporada foi tensa. Em Curitiba, menos de meia casa com espectadores, especialmente estudantes - que se identificavam com sua música de protesto, suas posições políticas corajosas e dignas. Na terça-feira, um público diferente foi o que pagou Cz$ 1.900,00 por ingresso para assisti-lo. A começar pelo ex-governador - e o homem mais rico do Paraná - Jayme Canet Júnior, que, quando na chefia do Estado, e Mercedes aqui veio pela primeira vez, jamais teria se animado a ir ao Guaíra para assisti-la. Numa das filas, um dos espectadores mais entusiastas pela apresentação de Mercedes, era o Sr. Osvaldo Gozoni, ilustre cônsul honorário no Paraná do governo do ditador Augusto Pinochet, do Chile. xxx Nada como o tempo para fazer as devidas colocações. Símbolo da resistência política, dos direitos humanos, da contestação as ditaduras latino-americanas nos anos 60 e 70, Mercedes Sosa não mudou. Continua a grande cantora e compositora - íntegra artista que, sempre, corajosamente, denunciou as violências dos medíocres e sanguinários ditadores do Cone Sul. Entretanto, ela, que era perseguida, boicotada e cuja presença assustava a tantos canalhas, hoje é adulada por um público que, sem dificuldades, pode pagar Cz$ 1.900,00 por ingresso para ouvi-la, num espetáculo de menos de duas horas. Como sempre faz, a Polygram aproveita as excursões de Mercedes Sosa ao Brasil para lançar seus novos discos. Há um público fiel, que garante às suas gravações uma ótima vendagem. Nesta nova gravação, Mercedes traz algumas novidades - o que aliás é necessário, pois com todo respeito a sua obra, a repetição das mesmas temáticas e interpretações há muito vem cansando. Desta vez, Mercedes convocou os compositores de músicas novas a dividirem as gravações: o cubano Pablo Milanes em "El Tiempo", em "Implacable", "El Que Puso"; Teresa Parido no chamamé "Pedro Canoeiro"; Tito Paez em "Parte Del Aire"; Victor Heredia em "Marcar Quila".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
29/04/1988

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