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Aramis

A Melodia que volta

A volta não poderia ser mais badalada: generosos espaços na imprensa nacional, elogios mesmo de críticos costumeiramente azedos e as perspectivas de um retorno artístico profissional. Isto está acontecendo com Luis Melodia (Luis Carlos dos Santos, Rio de Janeiro, 7/1/1951), que mesmo tendo sucessos nas vozes de Gal Costa ("Pérola Negra", 1972) e Maria Bethânia ("Drama Anjo Exterminado", 1972), jogou pela janela uma carreira regular devido ao seu complexo temperamento. A partir de 1973 quando fez "Pérola Negra" (Philips), fez mais quatro elepês em gravadoras diferentes, pois em todas deu trabalho. Aliás, há dois anos, Guta Graça Melo, da Sigla/Som Livre (onde ele fez o belo "Maravilhas Contemporâneas"), nos contava que as confusões armadas por Melodia - e que obrigavam os executivos daquela etiqueta a intervir - foi uma das razões que fez João Araujo acabar suspendendo os contratos com a maioria dos artistas que havia arregimentado, preferindo a linha de montagens de sucessos - como faz a etiqueta atualmente. A Continental, desejosa de refazer um bom elenco, correu o risco e trouxe novamente Luís Melodia para as lojas, com um elepê, no mínimo ótimo. Afinadíssimo, o filho de Osvaldo Melodia - também um bamba musical do morro de São Carlos, no bairro do Estácio, Zona Norte do Rio, onde nasceu e cresceu - Melodia não canta apenas samba ("Sou mestiço em todas as minhas decisões", diz). Como observou Apoenam Rodrigues ("Isto é", 27/5/87), mistura blues, soul e também samba, "às vezes com jeito moleque que lembra a infância, quando pegava bonde de graça e levava surras homéricas por não ter nenhuma identificação com trabalho ou estudo". Melodia é, pela sua própria instabilidade pessoal, falta de direção na carreira, mas talento vigoroso, uma reedição dos anos 70/80, daquilo que foram, nos anos 40/50, os lendários (e hoje valorizados, na época desprezados), Wilson Baptista (1913-1968) e Geraldo Pereira (1918-1955). As dez faixas deste "Claro" (Continental, maio/87) fluem tranqüilamente, numa produção esmerada, com ótimos arranjos e instrumentistas, nas quais há um encontro do melhor choro, "Malandrando", parceria com o baiano Perinho Santana e o cineasta Silvio Lama, autor de um curta-metragem homônimo, para o qual este belíssimo tema foi criado. A gravação é valorizada no arranjo de Armandinho (também no bandolim), com a participação de Didi Gomes (baixo), Sergio Mello (pandeiro) e, especialmente, o sempre esplêndido violão de Rafael Rebello. Com exceção de "Que Loucura" (Sérgio Sampaio, compositor-intérprete há anos esquecido), "Verão Tropical" (Pappa Kid-Indiano), "Saco Cheio" (Tony Marinho) e o ingênuo rock "Broto no Jacaré" (Erasmo-Roberto Carlos), dos tempos da Jovem Guarda, as demais músicas são de Luís Melodia ("Que é Que é Isso", "Menino", "Seja Amar", "Decisão"). Hugo Fattoruso, tecladista e arranjador, uruguaio com larga quilometragem americana - onde trabalhou com Airto Moreira, produtor de alguns de seus discos - valoriza as faixas que participa. Os arranjos foram, aliás, divididos por vários profissionais - incluindo o grupo Os Capone ("Broto no Jacaré"), Perinho Santana (da melhor turma dos baianos dos anos 60) Luiz Avelar e até o próprio Melodia. A voz de Melodia flue tranqüila, harmoniosa, neste elepê sweet, numa linha sonora que é uma forma redonda de transmitir a própria adjetivação que Melodia gosta - a de "o gato", tanto é que seu último elepê (Ariola, 1983) chamou-se "Felino" - na época em que a classificação de seu "Ébano" no festival Abertura (Rede Globo) e, posteriormente, a inclusão de "Juventude Transviada" na trilha sonora da telenovela "Pecado Capital", abria, mais uma vez as portas do sucesso - que não soube (ou não quis) adentrar. Agora, seu talento faz a indústria fonográfica lhe dar uma nova oportunidade, com um dos mais bonitos discos da MPB neste semestre. Vamos ver como Melodia vai aproveitar a chance reaberta.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
7
07/06/1987

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