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Aramis

Mais um filme na base do amor e economia

Há algumas semanas, quando Ozualdo Candeias esteve em Curitiba orientando um curso prático de cinema, que incluiu a rodagem de um curta metragem (interrompido devido a falta de filme virgem), os dois alunos mais interessados eram os irmãos Mauro e Fabiano Faccioni. Praticamente grudaram-se ao diretor de "A Margem" e o acompanharam em todos os momentos, absorvendo tudo que o rebelde realizador poderia ensinar. Tamanho entusiasmo dos dois jovens discípulos se justificava. Afinal, eles vieram de Florianópolis, onde residem, para aprender com Candeias a arte de fazer cinema com poucos recursos. Na prática, os irmãos Faccioni já fazem cinema. E sem recursos. Provam isto, a partir desta terça-feira, exibindo seu último filme na Cinemateca do Museu Guido Viaro: "Jesus É Traído Na Cruz". xxx Em estréia nacional - até agora, houve apenas projeções especiais, inclusive na IX Jornada de Cinema e Vídeo do Maranhão e na XV Jornada de Cinema da Bahia - "Jesus É Traído Na Cruz" foi escolhido pelo ex-seminarista Francisco Alves dos Santos para ter uma semana de projeção (até domingo, 22, 20:30 horas), em complemento "A Infância De Ivan", filme que o cineasta russo Andrey Tarkovicz (falecido em dezembro último, realizador de premiado "O Sacrifício", ainda inédito nos cinemas, mas já a disposição em vídeo), realizou há 21 anos. Sem dúvida, que tratando-se de um filme de importante cineasta russo, premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1986 (por "O Sacrifício"), haverá interesse especial do público que realmente deseja informar-se cinematograficamente. E, com isto, o filme de Mauro Faccioni Filho terá um público especial. De carona. xxx Paranaense de Maringá, 25 anos, engenheiro elétrico da turma de 1984, radicado em Florianópolis - onde dirige uma firma de instalações e manutenção de eletricidade, Mauro e Fabiano, 22 anos, seu irmão caçula querem mesmo é fazer cinema. Identificados e agora ligados cultural e fraternalmente com uma nova geração de cineastas que há três anos vem tentando fazer cinema em Curitiba e que se autodenomina de "A Turma do Balão Mágico". Em 1983, os irmãos Faccioni faziam sua primeira tentativa em super 8: "Conflito", 10 minutos. Em 1984, realizariam uma experiência em cinema de animação, com apenas três minutos: "Em Casa". Em 1985 iniciariam "Jesus É Traído Na Cruz", já em 16 milímetros, mas com produção arrastou-se por muitos meses. Neste período, entusiasmado com as possibilidades econômicas e de agilização de vídeo, Mauro realizou um longa de ficção, 85 minutos, intitulado "Loba", que, no ano passado teve seu lançamento nacional também na Cinemateca do Museu Guido Viaro. Cada vez mais voltado ao cinema - ao qual pretende abraçar em termos profissionais, "tão logo haja condições financeiras para tanto", Mauro Faccioni já realizou nos dois primeiros meses de 1987 nada menos que dois outros filmes em 16mm: "Eis", documentário/experimental, 3 minutos e "Família", também de 3 minutos - ambos com a parceria de outro entusiasta cinemaníaco, Charles Silva. Agora, entusiasmado por ter obtido financiamento da Embrafilmes para uma média metragem, em 16mm ("Bruxas") - "embora com o orçamento já defasado, pois os Cz$ 80 mil solicitados em 1986 terão que ser corrigidos", Mauro tem em preparação, para abril, um vídeo com ficção infantil, "Deende", que terá aproximadamente 45 minutos. xxx O entusiasmo, amor e idealismo com que Mauro Faccioni se lança ao cinema faz com que se admire o seu trabalho - independente de apreciações estéticas. Com boa base cultural, atualizadíssimos em termos de cinema e sabendo ver o que há de importante, Mauro desenvolveu tanto em "Loba" como neste "Jesus É Traído Na Cruz" roteiros complexos, com propostas de colocar na tela muitas de suas indagações - aliás, uma das características de quem começa fazendo cinema e procura exorcizar seus demônios em imagens. Explica que em "Jesus É Traído Na Cruz", apresenta basicamente pessoas que se amam, "mas os seus interesses em relação à vida começam a ser conflitantes". São dois homens. "Um deles - diz - aceita a vida como ela é, acha que nada se pode fazer senão aceitá-la e vivê-la da melhor maneira possível, pois as coisas não podem ser mudadas. O outro é insatisfeito, pensa através das utopias, seus desejos são ativos, querem mudar de lugar. Nesta relação aquele que aceita julgar está certo e dentro de si não guarda conflitos. O outro, no entanto, só enxerga os conflitos, as desavenças, a opressão. E aí se estabelece uma relação paternalista, dentro do amor, onde o 'tranqüilo' quer submeter o inconformado, o herege. No exercício da submissão, trai seu amante pois o amante só se submete quando aniquilado. Neste ponto se explica a metáfora do título do filme". Mauro Faccioni diz que seu filme não tem a amarra do tempo, "pois onde não há uma narração que possa medir o tempo da ação dos personagens e muito menos uma interpretação/ação realista. Sua desestrutura é a sua unidade. Seus símbolos o seu discurso". xxx "Jesus É Traído Na Cruz" foi realizado entre 1985/86, com a utilização de negativos vencidos - "o que explica, haver sequências com excesso de iluminação e outras escuras", diz Mauro, com aproveitamento de todo material filmado (quando o normal é rodar dez ou até vinte fotogramas para aproveitar de um a dois). Mauro fez a direção, o roteiro, produziu e montou. Seu irmão, Fabiano Faccioni, é o ator principal, ao lado de amigos que se entusiasmaram com o projeto: Aldy Maingue, Sérgio Zuco, Riva de Souza, Rato, Zeca, Márlio, Djenane, Evandra e Borba. A fotografia é de Cido Marques, 30 anos, um entusiasta cinegrafista, funcionário da Cinemateca do Museu Guido Viaro e que tem realizado vários trabalhos com a Turma do Balão Mágico, como "A Guerra Do Pente", de Nivaldo Lopes e "O Poeta E A Rainha" de Willy Schumann. Mauro Faccioni diz que seu filme, "independente, pobre, experimental em sua linguagem e temática", é o trabalho suado de quem se propõe a colocar "a criatividade no sentido de ultrapassar as várias barreiras técnicas e econômicas, sempre existentes em produções à margem da produção publicitária e comercial".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
15
17/03/1987

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