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Aramis

Mais um documento para resgatar os pianeiros

Ano a ano, o pesquisador e produtor José Silas Xavier vai enriquecendo a discografia brasileira. Claro que se não fosse o apoio da Federação Nacional de Associações Atléticas do Banco do Brasil, o seu esforço e talento não poderiam ter resultado concretos, mas graças à abertura desta instituição, os felizes projetos de Silas são concretizados. No final de 1986, a FENAB lançou "Os Pianeiros", álbum duplo que vem se juntar aos valiosos discos-documentos anteriormente editados dentro da forma especial que a instituição trabalha. Ou seja, vendendo antecipadamente os discos, a preço de custo, a FENAB dispõe dos recursos para realizar produções extremamente bem cuidadas e da maior importância cultural. Quem se interessa por estes álbuns tem que recorrer às regionais da FENAB (em Curitiba, Associação Atlética do Banco do Brasil, Avenida Victor do Amaral, Tarumã) e fazer sua reserva, pois, caso contrário, não consegue os preciosos álbuns. Silas Xavier acredita em trabalho de equipe. Assim, cada novo projeto que desenvolve é fortalecido com apoio de outros pesquisadores do maior know-how - seja o cearense Jairo Severiano, radicado no Rio de Janeiro, sejam o paraense Vicente Salles, o mineiro Claver Filho, o também cearense Miguel Angelo de Azevedo (Nirez), o paulista José Ramos Tinhorão ou o carioca Hermínio Bello de Carvalho, que auxiliaram, direta ou indiretamente, na concepção e criação de "Os Pianeiros". O GRANDE PIANO - Há 46 anos, Antônio Adolfo (Maurity Sabóia, Rio de Janeiro, 1947), pianista, compositor, pioneiro do disco independente no Brasil (seu "Feito em Casa", saiu em 1977 - comemorando-se, assim, agora dez anos desta fórmula de criação/distribuição alternativa) já havia se voltado a valorizar os chamados "Pianeiros", ou seja os artistas que, no início do século, tocavam de ouvido e animavam festas, solenidades, sessões do cinema mudo e mesmo serviam de artistas-propaganda das lojas de música na Rua do Ouvidor. A idéia de buscar na obra dos pianeiros, puros, espontâneos e até ingênuos, o repertório para novas gravações animou também a outra notável pianista, Clara Sverner e, em conseqüência, redescobriu-se, assim, a enorme obra da pioneira Chiquinha Gonzaga (1847-1935), autora não apenas do primeiro sucesso do Carnaval Brasileiro - "Abre Alas" (1899), mas de um sem número de outras músicas, muitas das quais permanecem inéditas fonograficamente. Foi, aliás, sobre temas de Chiquinha Gonzaga, que Antônio Adolfo desenvolveu a emocionante trilha sonora do filme "Sonho Sem Fim" (1986, de Lauro Escorel), bem-humorada e simpática cinebiografia do pioneiro do cinema gaúcho, Eduardo Abelim, exibido, com êxito, há algumas semanas em Curitiba. Sentindo a riqueza da música dos pianeiros, Silas Xavier imaginou um álbum duplo em que não só houvesse a participação de Antônio Adolfo, mas de outros pianistas resgatando obras inéditas ou ao menos esquecidas de mestres que, na Belle Époque, encantavam saraus e tertúlias com valsas, schottischs, polcas, tangos e maxixes. Informado por Hermínio Bello de Carvalho, diretor da divisão de música popular do Instituto Nacional de Música/Funarte, de que a marcante Carolina Cardoso de Menezes continuava em plena forma - embora imerecidamente esquecida das gravadoras e produtores de programas de televisão - Silas não teve dúvidas: através de Jairo Severiano, convidou a pianista a participar ao menos de duas faixas do projeto. Entusiasmada, Carolina - que em 1929, já acompanhava a gravação do histórico "Na Pavuna" com o Bando dos Tangarás - acabou gravando oito faixas, fazendo só por esta participação que "Os Pianeiros" adquira um sentido notável, já que ela é, há quase 50 anos, um dos nomes mais marcantes da música brasileira, tendo, aliás, participado das gravações dos primeiros lps aqui realizados. Assim, Carolina interpreta desde o tango de Eduardo Souto ("Do Sorriso da Mulher Nasceram as Flores") que, por tantos anos, era o prefixo de suas audições nos tempos gloriosos da rádio Nacional, a composições de Ernesto Nazareth (1863-1934), a começar pelo seu mais conhecido tema, "Odeon", referência ao cinema carioca no qual ele fazia apresentações que atraíam um público especial, inclusive Rui Barbosa - um de seus maiores admiradores. (1) Aloysio de Alencar Pinto (Fortaleza, 1912), pianista com uma obra marcante, registrada inclusive em alguns discos, além de pesquisador dos mais sérios da história do piano no Brasil (do que dá mostras em didático texto incluído no álbum), executa temas de pianeiros resgatados nesta produção - como Raimundo Donizetti Gondim (Ceará, 1881-1919), com a valsa "Morrer Sonhando"; José Ribas (?), com a valsa "Coração Que Implora"; José Emygdio de Castro (85 anos de idade, cearense de Fortaleza, o único autor vivo dentre os compositores deste álbum) com o tango "É Café Pequeno". Ernesto Nazareth, por sua própria importância dentro da música para piano, tem quatro de seus tangos (por favor não confundir esta sua música com o tango argentino): "Nene", de 1895, "Turuna", "tango característico" de 1893, "Odeon", de 1910 e "Fon-Fon", de antes de 1913 (com Aloysio de Alencar). Os primeiros gravados pelo próprio Nazareth, na Odeon, foram considerados "prova má" pela gravadora e deixados sem edição: as "chapas" originais, documentos raríssimos, foram agora cedidos para esta gravação. Outro documento que enriquece o álbum é o depoimento de Augusto Teixeira Vasseur (1899-1969), violinista e pianista que fez inúmeras apresentações no Exterior e que, em 1963, foi entrevistado por Ramos Tinhorão, do qual foi extraído um trecho para antecipar o fonograma de "Pianola" (ragtime de Sinhô), faixa do lp "Sala de Espera do Cinema Avenida" (Sinter, 1957). Antônio Adolfo encarregou-se de gravar músicas de diferentes autores: a valsa de Aurélio Cavalcanti (1874-1915), "Muchacha"; a valsa "Subindo ao Céu", de Aristides Borges (1884-1967); o tango "Caboclinho" de A. Chirol (1847/48? - 1910?); o schottisch "Lili" de J.M. Azevedo Lemos (?) e o tango "Alegre-se Viúva" de Chiquinha Gonzaga. Dois outros fonogramas históricos, aproveitados neste álbum: Nonô (Romualdo Peixoto, 1901-1954) interpretando "Uma Farra em Campo Grande", de sua autoria e Tia Amélia (Brandão, 1897-1985) em "Mesquita" (extraído do lp "A Bênção Tia Amélia", Marcus Pereira, 1980). Álbuns como este "Os Pianeiros" adquirem um significado especial dentro da história fonográfica da nossa música. São documentos produzidos com imenso amor e competência, no qual casando-se gravações inéditas com a recuperação de registros históricos e há muito perdidos, preserva-se um pouco da beleza de nossa cultura musical. Um trabalho magnífico, que faz com que, mais uma vez, aplaudamos, em pé, Silas Xavier e também os diretores da FENAB que possibilitam dar continuidade ao seu projeto de memória da cultura brasileira. (Nota) (1) Carolina Cardoso de Menezes gravou também a valsa "Mulher", de Osvaldo Cardoso de Menezes (1893-1935), seu pai, pianeiro carioca que, já entre os 14 e 17 anos atuava numa casa de chope na Rua Visconde do Rio Branco no Rio de Janeiro. A partir de 1912 foi pianista do Kananga do Japão, rancho ao qual outro músico famoso, Sinhô (José Barbosa da Silva, 1888-1930) esteve vinculado na década de 1920. De Sinhô, Carolina gravou neste álbum o samba "Sete Coroas"; de Aurélio Cavalcanti (1874-1915) e "O Maxixe". Também com Carolina é o choro "Tempos que se Foram", de Alberico de Souza (1895-1982).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
7
11/01/1987

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