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Aramis

A luta de Beltrão contra a burocracia

Ao receber o título de Homem de Visão - 1980, segunda-feira, à noite, no Maksoud Plaza Hotel, em São Paulo, o ministro Hélio Beltrão, da Desburocratização, repetiu muitas de suas formulações que vem colocando desde que há, quase dois anos, assumiu esta pasta especial para tentar tornar mais fácil a vida dos brasileiros. Mas nunca antes falou perante um número tão grande [de] pessoas com poder de decisão - de forma ou indiretamente, que tornaram pequeno o amplo super-restaurante do mais luxuoso hotel do Brasil. Do vice-presidente Aureliano Chaves as maiores fortunas do País, passando por governadores, secretários de Estado - Wilson Deconto, da administração, velho amigo de Beltrão, representando o governador Ney Braga - executivos de empresas de economias mistas e privadas, políticos, enfim um verdadeiro "who's" who" da vida empresarial e administrativa do Brasil. Como o Homem de Visão - 79, Roberto Marinho, não pode comparecer sofreu uma queda na prática de hipismo - seu irmão, Rogério, o representou, e falou sobre a personalidade de Beltrão. O presidente do grupo Visão, Henri Maksoud, fez colocações corajosas na relação burocracia-democracia-Estado, justificando as razões da escolha de Beltrão, 63 anos, ex-ministro do Planejamento do governo Costa e Silva - quando através do decreto-lei 200 (Reforma Administrativa) iniciou sua luta contra a papelada inútil. Um discurso de 14 páginas datilografadas - e que se estendeu por 45 minutos, não provocou cansaço. Ao contrário, Beltrão foi tão preciso em suas colocações - [unindo] o humor à coragem e fluidez do raciocínio, que transformou o agradecimento num verdadeiro pronunciamento capaz de fazer com que se anime aquele que, há décadas, sofrem com a estupidez da burocracia inútil e cansativa. Não deixou de ser, no mínimo, pitoresca a lembrança feita pelo ministro Beltrão de que "o Brasil já nasce rigorosamente centralizado e regulamentado. Desde o primeiro instante, tudo aqui aconteceu de cima para baixo e de trás para diante. Quando Tomé de Souza desembarcou na Bahia em 1549, nomeado Governador Geral pelo regime absolutista e centralizador vigente em Portugal, já trouxe consigo um "Regimento" pronto e acabado, elaborado em Lisboa, que representou na verdade a primeira constituição do Brasil. Ainda não havia povo nem sociedade, mas já existia, pré-fabricado e imposto, do alto e de longe, o arcabouço administrativo que deveria amoldar a ambos. Esse modelo passou a prevalecer. A estrutura burocrática sempre precedeu e condicionou a organização social". Citando fatos históricos, o ministro Beltrão lembrou que no Brasil a tradição formalística, a burocracia é escrita: sempre obedeceu a leis, decretos, regulamentos e portarias, em que tudo está expressa e minuciosamente regulado. Para o ministro, desburocratizar implica em modificar a própria estrutura do poder e a forma por que ele é exercido dentro da administração. Pressupõe, por isso mesmo a existência de uma vontade política, claramente manifestada por quem possa fazê-lo. E há de forçosamente efetivar-se pela via do poder, uma vez que significa convencer e, em muitos casos, compelir os detentores da autoridade a abrir mão do poder de decidir, transferindo-o para a periferia da administração. Só assim será possível abreviar a solução dos assuntos de interesse público. Mais do que um simples programa administrativo, a desburocratização "se inscreve, por inteiro, no processo de abertura democrática em curso no País", lembrou Beltrão, pois constitui-se naquilo que se pode chamar de pequena liberdade, do pequeno direito humano, "valores que são diariamente negados ao cidadãos na humilhação das filas, na tortura das longas esperas, na frieza com que é tratado nos balcões de atendimento. Nosso Programa ocupa-se deste importante aspecto do processo de abertura, que se poderia denominar de "varejo da liberdade e dos direitos humanos". À semelhança da abertura política, o programa representa um processo de liberação: Não basta proteger o cidadão contra a opressão do Estado e o arbítrio do poder político. É preciso, por igual, protegê-lo contra a opressão burocrática. A experiência nos ensina que é sobretudo nas filas, nos balcões e nos guichês que o governo é julgado diariamente pelo povo. Não e pode esperar que o homem comum tenha qualquer respeito ou apreço pelo Estado, como instituição, quando é diariamente desrespeitado em seus direitos e em sua dignidade; quando é forçado a esperar meses a fio por uma decisão que lhe parece muito simples, ou a permanecer horas inteiras de pé numa fila, à espera de um simples documento que lhe parece absurdo". Risos e palmas marcaram o momento que Hélio Beltrão repetiu uma frase já colocada em ocasiões anteriores, mas sempre da maior atualidade: "O Brasil acostumou-se a substituir a aplicação do Código Penal - que pune com prisão o crime de falsidade - pela exigência prévia de atestados e certidões negativas. Por outras palavras, em vez de se colocar o falsário na cadeia, exige-se de todos os honestos que comprovem com documentos que não são desonestos. Com isso o único prejudicado é o honesto, e o verdadeiro beneficiado é o falsário, que não se assusta com a exigência de documentos, pela simples razão de que é especialista em falsificá-los. Assim como o corrupto, o falsário se alimenta da complicação documental, que constitui um controle ilusório. Não há controle documental capaz de impedir a fraude. O que cabe é puni-la, exemplarmente, uma vez descoberta". O ministro da Desburocratização lembrou também um fato sobre o qual, alguns minutos do início da solenidade, o secretário Wilson Deconto empenhando numa cruzada semelhante a nível local, comentava: uma das dificuldades do Programa consiste na absorção desse conceito por parte dos escalões administrativos responsáveis pela sua aplicação. Dominados pela histórica observação de impedir a fraude, sua reação natural é imaginar que o mundo vai acabar se forem eliminados os documentos e controles formais que se habituaram a encarar como fundamentais. Leva algum tempo até que se consiga despertar sua atenção para o fato socialmente muito mais importante de que a alimentação vai facilitar a vida de 98% dos interessados, que não têm a menor intenção de enganar a Administração. E para a circunstância de que é ineficaz e ilusório tentar evitar a fraude através da sistemática exigência de documentos, de precária autenticidade". xxx A luta contra a papelada inútil tem o significado mais amplo do que se pode perceber. E o reconhecimento público a Hélio Beltrão por esta cruzada é meritório. Mas exemplos de imbecilidade burocrática continuam a existir. Como que o jornalista Enock de Lima Pereira publicou há algumas semanas em sua coluna dominical de O ESTADO: o "Diário Oficial" do Estado do Paraná na edição de 17/11/80 publica a Resolução 213 da Casa Civil do Governo do Estado, pela qual Jorge Luiz Weinhardt, João de Paula Cabral e Levy Moro Redeschi são designados, sob a presidência do primeiro, para constituir uma comissão com a finalidade de zelar pela conservação de um mimeógrafo, marca Geha Automat 500, registrado no patrimônio da Casa Civil sob o número 2.645, que se encontra em desuso. É para atender a estes e outros casos que o ministro Hélio Beltrão deveria criar, urgentemente, uma jaculatória desburocratizante.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
8
11/12/1980

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