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Aramis

A "love story" eletrônica e (metereológica) em L. A.

"Eu sou profundamente infeliz. Mas eu não sabia disso, pois estava bastante contente todo o tempo" (Harris K. Telemacher, personagem principal de "L. A. Story"). xxx Foi preciso que um inglês (Mick Jackson) viesse da BBC para redescobrir Los Angeles com uma leveza, inteligência e humor/amor próximos a que Woody Allen dedica a "sua" Nova York. Em "Noivo Neurótico, Noiva Nervosa" (Annie Hall, 1977), Allen dizia que odiava L. A. Porque "ali não existem esquinas". Por certo, Woody Allen também jamais pisaria em Brasília. O inglês Mick Jackson, ex-montador da British Broadcasting Corporation, documentarista e com "Threadas" (1984) sobre os efeitos de uma guerra nuclear numa pequena comunidade inglesa, chegou aos EUA via TV precedido de muitas premiações e não decepciona. "L. A. Story" (cine Bristol até quinta-feira) é um filme surpresa, com um ritmo entre o surrealismo, o musical e a comédia - com toques personalíssimos. Uma love story eletrônica e meteorológica, narrada em ritmo de fábula high-tech neste final de década: Harris K. Telemacher (Steve Martin, também autor do roteiro original) é um apresentador de previsões meteorológicas numa televisão de L. A. que usa o estilo Chacrinha para ganhar audiência. Da melhor forma dos personagens de Woody Allen, vive entre indagações existenciais ("O que eu deveria estar realmente fazendo?) e confusões com suas mulheres: sua amante Trudi (Marilia Hunner) o trai há 3 anos com seu agente Frank (Kevin Pollak), uma nova namorada, a espiroqueira San Dee (Sarah Susan Parker), balconista de uma sofisticada loja no Boulevard Santa Monica o faz questionar sua idade e a paixão pela jornalista inglesa (Victoria Tennant), que vem a L. A. para fazer uma reportagem para o "Times" e reencontra o ex-marido, Roland (Richard E. Grant) fica num ata desata por mais de metade do filme. Numa linguagem ágil, moderníssima, Mick Jackson realizou antes de tudo uma celebração a Los Angeles. Se em seus filmes - especialmente "Hannah e suas Irmãs" (86), Allen propunha uma viagem mesmo a nova-iorquinos por uma Manhattan que os olhos turísticos não enxergam, o olhar britânico de Jackson com uma moderna fotografia de Andrew Dunn faz que em 82 diferentes locações o espectador mergulhe numa caleidoscópica sight seeng para sentir melhor L. A. - que em sua extensão de megalopolis (mais de 300 km de extensão) e mesmo sendo a cidade-base da usina dos sonhos (Hollywood, apenas um dos bairros da grande L. A.) e ser, naturalmente, um dos espaços da Terra mais filmados em todos os tempos, poucas vezes foi visto com tanta beleza como consegue este filme. Simplicidade - uma receita que Steve Martin utilizou para desenvolver um roteiro em que o espectador sente o amor espontâneo por uma cidade e que, numa parceria que deu certo, encontrou justamente num inglês (o diretor Jackson) o estilista competente. Há, propositalmente, um tratamento surrealista - como do informativo luminosos na rodovia que passa a oferecer charadas relativas ao futuro da vida do "meteorologista" Harris K. Telemacher - mas o clima também inclui referências coreográficas musicais, marcando, por exemplo, todas as seqüências em que a juventude (San Dee) entre em cena. Em certos momentos - como numa cena de tempestade - há a nítida sensação de que se terá uma homenagem ao clássico "Cantando na Chuva" (Singing in the Rain, 52, de Stanley Donen), mas Jackson evita armadilhas óbvias - preferindo seu próprio ritmo. Rodado em apenas 59 dias - apesar das 82 locações e este filme captura diferentes ambientes de L. A. - do famoso (e hoje fechado) Hotel Ambassador no Boulevard Wilshire a Nicols Beach em Malibu; de uma mansão de US$ 5 milhões em Long Beach (que aparece como o Hotel El Pollo del Mar, no qual o roteiro poderia fazer o quarteto dos amantes infiéis mergulhar numa cena de vaudeville, infelizmente evitada) ao calçadão em Venice; do Country Art Museum (com seqüências de Martin em patins, no melhor estilo de Fred Astaire) ao café Hard Rock, "L. A. Story" é um filme que naturalmente, terá uma empatia maior para quem já tenha vivido - (ou ao menos conhecido mais demoradamente) a Califórnia. Citações de muitos nomes do show bussines - inclusive com algumas participações especiais - dão maior atualidade a este conto de fadas eletrônico, surrealista e meteorológico. Uma trilha sonora das mais agradáveis, coordenada por Peter Melnick mas que tem arranjos bossanovistas do carioca (radicado há 20 anos em L. A.) Oscar Castro Neves - e que abre com um arranjo belíssimo de "La Mer" (Charles Trenet) torna ainda mais obrigatória a visão de "L. A. Story" comédia moderna - sem gargalhadas, mas comportamental e surrealisticamente fascinante - especialmente para quem consiga melhor entender o american way of life destes anos 90. LEGENDA FOTO - Uma celebração high-tech e meteorológica a Los Angeles dos anos 90: "L. A. Story", com Steve Martin e Victória Tennant (foto), um filme surpreendente, agradável e moderno em exibição no Bristol.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
25/02/1992

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