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Aramis

Líricos atacam no popular e Elly canta nossa garota

Para irritação dos radicais apreciadores do bel-canto - aquela faixa de público que não admite inovações na música lírica, exigindo de intérpretes o mesmo esquema artístico de um século passado, é cada vez maior o número de estrelas do mundo lírico que diversificam seus repertórios com gravações de música popular. Pavarotti, Carreras, Domingos - o tripé da melhor música lírica da atualidade, além de chegarem ao cinema, tanto em transposições de óperas ("La Traviatta" e "Otelo", de Zeffirelli; "Carmen", de Francesco Rossi), como em comédias digestivas ("Uma Voz Para Milhões", de Schaeffner, com Pavarotti), também fazem gravações de canções populares de seus países - ou sucessos do momento - além de revivals de musicais da Broadway, como o excelente álbum duplo "West Side Story", com Carreras e Kiri - produzido no ano passado pela Polygram. Agora, simultaneamente à edição da trilha sonora do penúltimo filme-ópera de Zefirelli - "Pagliacci", a Polygram faz mais duas edições de intérpretes líricos com repertório popular. De princípio, temos a notável soprano Elly Ameling, acompanhada ao piano por Louis Van Dijk - e com a participação de John Clayton no contrabaixo - dando uma nova dimensão a clássicos temas de George & Ira Gershwin ("I've got a crush on you", "But not for me"), Cole Porter ("Beguin the Beguine", "I Get a Kick Out Of You", "Night and Day"); Jerome Kern/Oscar Hammerstein ("All the things you are"), Stephen Sondheim ("Can that boy foxtrott!"), Duke Ellington ("Caravan", "Sophisticated Lady", "Solitude", "I don't mean a thing" e "In a Sentimental Mood"). É particularmente interessante observar como uma voz tecnicamente perfeita, normalmente ouvida apenas em árias líricas, desenvolve temas que já tiveram centenas de gravações. Por exemplo, a abertura do lado B do lp de Elly Emling é nada mais, nada menos, do que com "Garota de Ipanema", na versão para o inglês que Norman Gimbel criou há 24 anos passados ao tema de Tom/Vinícius - que jamais sonhariam com a glória de ver a sua garota nas cordas vocais de uma das mais famosas sopranos do mundo. José Carreras, 38 anos - e que divide com seu conterrâneo Plácido Domingo a glória maior da música lírica na Espanha, já tem vários álbuns com temas populares. A eles acrescenta agora um disco didaticamente importantíssimo, revelando compositores espanhóis que são pouquíssimos conhecidos entre nós - como Federico Mompou, 93 anos e Carlos Guastavino, 84 anos. Como informa o musicólogo Lionel Salter, "a música da Espanha, mais talvez do que a de qualquer outro país europeu, é profundamente enraizada na sua cultura folclórica, o que constitui tanto a sua força, provendo-a de um caráter distinto, quanto a sua franqueza tornando-a previsível. Os compositores espanhóis, embora às vezes decolem rumo a horizontes mais longos, freqüentemente sucumbiram à força centrípeta de seu estilo nativo". E nesta gravação feita em Londres, entre janeiro e julho/84, acompanhado ao piano por Martins Katz, Carreras decidiu homenagear os grandes compositores espanhóis - alguns dos quais de formação erudita, outros com influência mais folclórica, todos, entretanto, importantes dentro do mapa musical europeu. O disco abre com sete canções populares, de origens folclóricas, que tiveram arranjos originais de Manuel de Falla (1876-1946). Protegido de Falla, tendo estudado em Paris, Joaquim Turina (1882-1949) deixou uma obra marcante - da qual Carreras mostra o seu "Poema em forma de canciones", com texto do poeta Campoamor. Mompou, ainda vivo, também estudou em Paris - de origem meio francesa, meio catalã - e sua obra mostra reflexos de Debussy e Satie, com os quais conviveu. Dele, estão neste lp os cantos de "Combat del somni", inspirados nos poemas do catalão José Jané. Quatro anos mais jovem que Mompou, Fernando Obrados (1897-1945) era regente da orquestra, na rádio Barcelona (cidade natal de Carreras) e na Ópera del Liceo. É mais conhecido como arranjador de cantos clássicos e tradicionais especiais. Das peças escolhidas por Carreras para esta gravação a primeira ("Corazón, porqué pasáis") é a adaptação, com motivos pianísticos quase que de guitarra, de textos anônimos do século XVII. A segunda é uma encantadora canção popular recente. O disco ainda inclui dois compositores argentinos - mas cuja obra de raízes ibéricas justifica sua inclusão nesse precioso álbum: Carlos Gustavino, com "La Rosa Y el Sauce" (sobre poema de Francisco Silva) e "Se Equivocó la paloma" (do poema de Rafael Alberti) e, finalmente, Alberto Ginastera, com sua "Canción del arbol del olvido". Um disco precioso, sem dúvida, antologia da obra de seis mestres da canção em espanhol, na voz de um dos virtuoses de nossa época. SIMON ESTES, baixo barítono, estudava medicina em Iowa, quando foi ouvido por Charles Kellys, da faculdade de música, e o convenceu a trocar de carreira. Simon estudou na Julliard School e há 20 anos já era premiado no concurso internacional Tchaikovsky, em Moscou, e desde então não parou mais de se apresentar em teatros de todo o mundo. Até 1984, Estes havia cantado em mais de 90 papéis, participando de eventos históricos - inclusive como solista em "A Free Song", de William Schumann, na inauguração do Kennedy Center, em Washington. Simon não se interessa apenas pelo mundo da ópera. Tem feito discos e apresentações com músicas populares e sua agenda é das mais disputadas. A Polygram edita agora um álbum gravado em Berlim, há dois anos, no qual Simon Estes, coadjuvado por Eva-Maria Bundchunyh (soprano) e o baixo Hein Reeh interpreta trechos de óperas de Richard Wagner (1813-1883). Acompanhado pela Staatskapelle Berlin, regida por Heinz Fricke. xxx Enquanto "Otelo" está em fase de mixagem, "Pagliacci", outro filme-ópera que Franco Zeffirelli realizou com Plácido Domingo e Teresa Stratas, baseado na obra de Rugero Leoncavallo (1857-1919) já está sendo exibido na Europa. O filme ainda não tem data para estrear no Brasil, mas a Polygram lançou em março o álbum duplo com a trilha sonora do filme. Que merecerá comentário detalhado num dos próximos domingos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
2
20/04/1986

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