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Aramis

As lições de Millôr

Millor Fernandes confirmou em sua passagem por Curitiba - e especialmente em sua participação na "Parceria", segunda-feira, no Paiol, uma velha verdade: quanto mais talento tem o artista, mais humilde, simpático e atencioso é em pessoa. O mais consagrado dos humoristas brasileiros, dramaturgo, artista plástico, tradutor e (ex)editor entre vários outros títulos, mostrou-se antes de tudo um homem simples, sem verdades absolutas, longe de "ismos" radicais e confessando suas dúvidas em relação ao mundo, aos homens e aos fatos. Em suma: um ser humano tão grandiosos quanto o é o artista que nele habita. E se não falou mais de seu humor, de seu teatro, de sua experiência como tradutor, foi porque, infelizmente, o público que passou a dialogar na última parte do encontro, instituiu em colocações maniqueistas, perguntas supérfluas e de modismos ("o que você acha de Gabeira?", "Voce acredita em Deus?" e outras colocações perfeitamente dignas de débeis mentais). Pacientemente e com uma tolerância que poucos teriam, Millôr procurou responder às supérfluas perguntas, sempre, naturalmente com seu espirito de humor que o Brasil admira há quase 30 anos, pelas páginas do "Pif Paf", que nasceu na finada "O Cruzeiro", teve uma tímida tentativa autônoma (1964, oito números históricos) e hoje, apenas com o título de "Millor" ocupa as duas páginas de maior leitura da revista "Veja". Yllen Kerr, jornalista ligado aos esportes, responsável pela divulgação da pesca submarina há alguns anos e hoje adepto da corrida, ligado inclusive a uma fábrica de calçados especiais a adeptos do "Cooper", falou longamente sobre sua especialidade. Lúcido e comunicativo, fez muitas colocações interessantes e ao lembrar que a política interfere em todos os esportes, Millôr não deixou de dar uma frase apropriada: - A política é que não tem espírito esportivo. Para Keller, as duas coisas que deformam o esporte, em todas suas variantes, são os clubes e o governo. E, em seu ponto de vista, só na iniciativa privada pode resultar a salvação dos esportes, citando como exemplo o que ocorre na Itália, onde as grandes indústrias mantem equipes de futebol que disputam um dos campeonatos mais populares do pais. "Em compensação, no Brasil, as olimpíadas estudantis, que custam fábulas em recursos só servem para a vaidade de políticos e governadores", acrescentou. Poucas vezes o Paiol esteve tão lotado como na segunda-feira. Afinal, Millor Fernandes é um nome nacional, respeitado e admirado - embora grande parte do tempo tenha sido utilizado por Kerr, autor de "Corra para Viver", onde defende suas teorias a favor da importância do "Cooper" para uma boa saúde. Fausto Wolff, que ainda amarga sua participação ao lado de Elomar Figueira de Mello (uma das maiores expressões da criação musical brasileira) há alguns meses, chegou no sábado a Curitiba, apenas para rever alguns amigos (e amigas) que aqui deixou. Mas presente na primeira fila do Paiol, não deixou de interferir nos debates, fazendo inclusive colocações em torno da imprensa alternativa & terrorismo. Ocasião em que Millôr recordou sua experiência na direção do "Pasquim", de onde se afastou em 1975, após equilibrar as finanças. E refrescou a memória: "O Pasquim", que começou a sair em julho de 1969, chegou a vender 225 mil exemplares, mas com a repressão da censura caiu para 60 mil. Hoje vende pouco mais de 40 mil exemplares semanais e, em sua opinião, se não existir um forte apoio dos leitores, através de assinaturas, o irreverente semanário tende a desaparecer, já que as explosões de bombas conseguiram assustar os vendedores de jornais e revistas e estão provocando a redução nas vendas. Millor também lembrou sua saída de "O Cruzeiro", em 1963, quando a publicação de "A verdadeira historia da criação" provocou protestos de radicais religiosos e levou Assis Chateaubriand a demiti-lo. Não só o demitiram - numa covarde atitude, como publicaram um editorial criticando-o, "redigido por um moço chamado Adirson de Barros", como contou, a pedido de Fausto Wolff. E Millor acrescentou que qualquer tema que provoque setores religiosos tem conseqüências violentas, já que são extremamente radicais. Sua experiência não ficou apenas em 1963: ainda recentemente, sofreu nova carga de chumbo por uma pequena referencia feita ao Papa, só publicada algumas semanas após a visita do Sumo Pontífice ao Brasil. A "Parceria" de segunda-feira não teve música e, em comparação a muitos encontros anteriores, foi bastante produtiva. Só Millor ou só Yllen poderiam desenvolver melhor "o pensamento vivo" de Vão Gogo. Um grande brasileiro, consciente, coerente mas com a humildade dos talentos reais. E em novembro, na primeira segunda-feira, um encontro de flechas & arcos: o cacique Juruna e o cineasta Zelito Viana, irmão de Chico Anísio e realizador do excelente documentário "Terra de Índios". LEGENDA FOTO 1 - Millôr: genial e simples. LEGENDA FOTO 2 - Kerr: pesca & caminhada.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
9
15/10/1980

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