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Leminski ganha música na vanguarda de Itamar

Não há dúvida que o curitibano Paulo Leminski conseguiu enturmar-se com bom marketing entre a vanguarda paulista. A mídia impressa foi generosa na cobertura do evento No Canto da Palavra, iniciativa da Brasiliense Promoções Culturias que, por quatro noites no Dama Xoc realizou uma espécie de parcerias, juntando pessoal da música de vários estilos - e que se encerrou sábado, 17, com Leminski, Renato Russo e a cantora Fortuna falando de música pop e rock. Paulo até cantou e pelo visto vai acabar, em greve [breve], fazendo um disco. xxx Um dos amigos vanguardistas de Leminski, seu parceiro também, Itamar o homenageia citando-o nominalmente na letra de "Pesquisa de mercado", que, simultaneamente, tem duas gravações: com o autor ("Intercontinental! Quem diria! Era só o que faltava!!", Continental) e com a afinada Fortuna "Só", produção independente. xxx Depois do londrinense Arrigo Barnabé - agora mais preocupado em fazer cinema (com seu amigo Chico Botelho desenvolve a pré-produção de um novo filme, a ser rodado em Curitiba e na Serra do Mar), é Itamar Assumpção, paulista de Tietê, mas de muita quilometragem londrinense - e alguma passagem por Curitiba (aqui continua a residir o seu irmão mais velho, jornalista e Tv-man Narciso Assumpção), está hoje entre os criadores de maior voltagem de novas propostas musicais - o que garantiu que seu quarto elepê - e o primeiro a sair por uma grande gravadora (os três primeiros foram independentes, hoje raridades) ganhasse espaço nobre na imprensa nacional. xxx Naturalmente foi Leminski o escolhido por Itamar para fazer o texto do encarte de seu disco (Por Itamares nunca dantes navegados") e o poeta-publicitário-professor-agitador cultural (e até letrista e compositor) curitibano, enaltece a marginalidade assumida por Itamar, a partir de seu primeiro sucesso ("Nego Dito") e na própria designação de sua banda (Isca de Polícia), salientando que a "marginalidade de músico - sobretudo - de músico de vanguarda, de uma vanguarda onde a extrema criatividade nunca esteve afastada da mais ampla e funda capacidade de comunicação, uma vanguarda popular". Independente em suas produções. Irascível - que digam os empresários, produtores e mesmo jornalistas que não façam parte de sua patota - Itamar faz uma música muito própria, geralmente acumulando também a letra - embora tenha encontrado na publicitária/poeta Alice Ruiz (ex-Leminski), uma parceira ajustada, presente aqui na mais bela faixa, "Ouça-me", que teve aliás um de seus versos espalhados em out-doors, em Curitiba, no ano passado, em promoção do Conselho dos Direitos da Mulher. "De tanto não poder dizer Meus olhos deram de falar Só falta você ouvir" Itamar tem outros parceiros - como Ricardo Guará ("Sexto Sentido"), o jornalista Itamar Ademir Assunção (que não é seu parente) ("Ausência"); Paulo Tovar Hummel ("Espírito que canta"), Régis Bouvicino ("Não há saídas"), Wally Salomão ("Zé Pelintra"), e o velho amigo Arrigo Barnabé ("Período nas Estrelas"). Paulo Leminski é o autor (letra e música) de "Filho de Santa Maria", com uma estrofe na qual mostra sua habilidade com as palavras ("Se dona Maria soubesse que o filho/ Pecava e pecava tão lindo/Pecava o pecado deixava de lado/E fazia da terra uma estrela sorrindo"). Assim como Arrigo sempre soube valorizar vozes em excelentes vocalistas de vanguardistas - lançando Tetê Espíndola e Vânia Bastos, entre outras, Itamar recorre também a Tetê, sua irmã Alzira e mais a ótima Neusa Pinheiro além da irmã, cantora e atriz Denise Assumpção - que juntos com instrumentistas inovadores, garantem a todas as faixas uma boa qualidade. Sem ser digestivo, exigindo atenção, Itamar não deixa de ser inquietamente um pulso de renovação - tão vigoroso que a gente esquece que sua voz não é bonita e, muitas vezes, tem que se ler/ouvir, atentamente letra/música para entender suas propostas. Ná Ozetti (Maria Cristina), 29 anos, há pelos menos quatro vem sendo enaltecida como a grande revelação vocal, desde seus tempos de trabalho com o irreverente Grupo Rumo, no qual o cantar falado, irônico, era uma marca registrada (presente nos discos feitos pelo conjunto na fase do Lira Paulistano). Só este ano, chega ao seu primeiro elepê (Continental), credenciando-a fortemente ao prêmio Sharp na categoria de revelação-88. José Miguel Wisnik, professor, teórico e cada vez mais assumindo o lado de compositor (e mesmo músico) - e que por três vezes já esteve em Curitiba, orientando cursos no SESC da Esquina - é autor de algumas das melhores canções do disco, como "A olhos nus" e "Libra", mas resvala ao fazer uma homenagem "populista-patética" (como disse Ricardo Soares, do "Estadão") a Sócrates, com versos como este: "Com destino e elegância dançarino pensador/ Sócio da filosofia da cerveja e do suor/ Ao tocar de calcanhar o nosso fraco a nossa dor/ Viu um lance no vazio herói civilizador/ O doutor". Em compensação de Luiz Tatit, do Rumo, é o delicioso "Ah!", enquanto Itamar Assumpção/ Paulo Le Petit assinam "Cardápio barra pesada". O irmão Date - também violonista, pianista - comparece com "Diva" e, numa referência respeitosa, Ná dá novas leituras ao adocicado "Dio come ti amo" (Domenico Modugno) e à parceira Ary Barroso-Lamartine Babo ("No rancho fundo"), com o charme de uma vanguarda criativa. xxx Fortuna é outra cantora desta novíssima safra, que busca a vanguarda sem desprezar os antigos. No passado, chegou até a integrar o trio vocal que acompanhava os shows de Toquinho e hoje tenta shows-solo e, às próprias custas, chega a um elepê independente (solicitações pelo fone 011-67-1556) que inclui nada menos que cinco composições de Itamar Assumpção ("De onde vem este som?", "Pesquisa de mercado", "Prezadíssimos ouvintes", "Que fique claro" e "Convite ao amor"). No repertório vanguardista, inclui também Arnaldo Black ("Vertigem"), reverencia Tim Maia ("Não pode ficar"), grava uma jóia de Tetê Espíndola ("Amarelando"), a música-título do disco é de Luiz Melodia e, como fez Ná Ozetti, também mostra respeito ao passado, gravando com suavidade, acompanhada por Ítalo Peron no violão e arranjo de Itamar - o clássico "Caminhemos" (Herivelto Martins) Dentro dos caminhos buscados por uma nova geração de intérpretes e compositores - que se pode classificar de herdeiros de Arrigo Barnabé - Itamar, Ná Ozetti e Fortuna, para só citar três exemplos [que] são nomes a serem anotados. Ao vivo, com mais força, possam [apresentar] melhor suas propostas - nem sempre bem colocadas nestas primeiras gravações - mas que representam um salutar sopro de renovação em nossa MPB, tão arteresclerosada devido ao comercialismo e que, infelizmente, ainda vive da saudade do que de melhor se fez, há 30 anos passados - quando a Bossa Nova foi inaugurada. LEGENDA FOTO 1 - Fortuna: voz de boa cotação LEGENDA FOTO 2 - Itamar, entre Denise, Alzira, Tetê, Le Petit e Giganti: uma geração de vanguardistas LEGENDA FOTO 3 - Ná Ozetti - grande revelação
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
22/09/1988

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