Login do usuário

Aramis

Lembranças de Vinícius nono aniversário do Paiol

Há nove anos passados, o ambiente em alguns setores da Prefeitura, era de trabalho, expectativa, quase nervosismo. Afinal, havia sido marcada para a (incômoda) data de 27 de dezembro, entre o Nata e o Ano Novo, não só a inauguração de uma sala de espetáculos, mas também um acontecimento tão histórico quanto emocionante: o primeiro show que Vinícius de Moraes faria em Curitiba. E antecedido de uma premiação aos melhores do teatro naquele ano de 1971, escolhidos por uma isenta comissão. Em apenas nove meses, o velho depósito de inflamáveis na antiga Vila Bordignon, construído no início do século, havia sido restaurado num aconchegante teatro de arena, num dos mais felizes projetos do arquiteto Abrão Assad. Uma boa empreiteira executou as obras e houve um astral positivo para conseguir concluir o palco, cadeiras e até parte dos camarins a tempo da data pré-fixada pelo prefeito Jaime Lerner. Vinícius de Moraes há muito era um mito em sua presença física em Curitiba. Várias tentativas haviam sido feitas para trazê-lo até a cidade, todas infrutíferas. Não que o eterno Vinícius não desejasse, mas sempre aconteceram problemas de última hora. Meses antes, Antonio Carlos Kraide havia encenado um espetáculo intitulado "A Benção, Vinícius!", com textos, poemas e canções do poeta, que chegou a prometer sua presença na estréia, mas que não pôde acontecer, na hora h. Assim, não foi sem razão que o então irreverente e cáustico "Show de Jornal" que Jota Jota, Jamur Junior e Laís Mann apresentavam na TV-Iguaçu, ao anunciar a vinda de Vinícius, tivesse feito blague, comparando-a as muitas e anunciadas "temporadas" de Sinatra no Brasil e duvidando de sua presença na cidade, no dia 27. Por isso, quando Vinícius, junto com Toquinho, Marília Medalha e os rapazes do Trio Mocotó, desembarcaram no aeroporto Afonso Pena, na tarde do dia 26, um domingo, todos que cuidavam da promoção respiraram aliviados. E o eterno Poeta, segundo carinhosamente um legítimo Bucanna's na mão direita, boné cobrindo seus cabelos brancos, rosto avermelhado, foi logo perguntando pelo teatro que deveria inaugurar. Sabendo que a festa só seria na noite seguinte, Vinícius brincou: Então dá para a gente tomar um aperitivo antes, bem calmo! E realmente houve não um, mas vários aperitivos, quando deu para se sentir que o poeta era bom de copo, duro na queda - capaz de ficar [lúcido] enquanto os companheiros iam aterrando. Como um capitão de navio, era o último a soçobrar. xxx Teatro totalmente lotado, muita gente brigando por não ter conseguido entrar - e o que houve de telefonemas reclamando não está no gibi - aconteceu a festa. A TV-Paraná, numa transmissão externa cobriu o acontecimento: na primeira parte, a entrega dos prêmios aos melhores do teatro - uma estatueta bolada por Manoel Rosenmann, mais um cheque, e a cada láurea com o nome de uma personalidade do teatro paranaense, já falecida: de Salvador de Ferrante à artista plástica Gilda Belzack, que em sua juventude participou, como cenógrafa, de algumas montagens. Emoção e singeleza numa promoção que, infelizmente, não teve continuidade nos anos seguintes. Após um curto intervalo, Vinícius, Toquinho, Marilia Medalha e o Trio Mocotó entraram em cena e foram quase duas horas de inesquecíveis momentos. Informal e musicalmente, o Poeta conduziu a noite, benzendo o teatro com "o santo uisquinho, que para mim é remédio", como, dois dias depois, Francisco Camargo registraria aqui em O ESTADO. Por mais duas noites, 28 e 29, o espetáculo foi repetido, com sessões superlotadas. Afinal, todos queriam conhecer Vinícius e o novo teatro que a cidade ganhava. Na noite de despedida, uma surpresa: a primeira apresentação de uma música que Vinícius e Toquinho havia composto especialmente em homenagem à ocasião. "Paiol de Pólvora", que dedicaram ao prefeito Jaime Lerner e a este locutor que vos fala. Posteriormente, ao serem convidados para criarem a trilha sonora de "O Bem Amado", primeira telenovela a cores da Rede Globo, incluíram o "Paiol de Pólvora", como um dos temas, gravando-o inclusive no elepê da Sigla. Mas a repressão era grande e como a censura viu em "Paiol de Pólvora" conotações com a realidade brasileira, a canção foi proibida de ser divulgada. Entretanto, a expressão Paiol agradou tanto a Vinícius que solicitou ao prefeito Lerner, que denominasse o espaço como Teatro do Paiol - aprovada na hora e esquecendo-se assim outros nomes em cogitação para o local, inclusive o de Sérgio Porto (1923-1968), como Jaime havia pensado originalmente. xxx Assim, o eterno Vinícius - uma das tantas imensas pessoas que este trágico e cruel 1980 levou para o time lá de cima - por certo não gostaria de ver mudado o nome do teatro que aqui inaugurou há 9 anos. Mas também não seria justo que o seu nome não ficasse ligado a um espaço musical, que graças aos seus bons fluídos (e Vina sempre foi um espiritualista no fundo) se transformou num dos mais movimentados teatros do País. Assim, ao chamar aquele espaço de "Sala Vinícius de Moraes", se consegue uma dupla finalidade: perpetuar a lembrança do Poeta, sem alterar a designação oficial. Para o aniversário de amanhã à noite, se pensou em várias formas: reunir os parceiros do Poeta (Edu, Baden, Lyra, Hime, Toquinho, Tom, etc.), mas que seria quase impossível. Produzir um espetáculo especial sobre Vinícius, o que seria redundante. Afinal, se encontrou uma fórmula prática e, espera-se, que alcance bons resultados: o encontro de um dos parceiros mais queridos, Carlinhos Lyra, com a Camerata Antiqua, grupo dedicado à música do passado mas que, graças à sensibilidade, competência e bom gosto de seu dirigente e fundador, o cravista Roberto de Regina, vem fazendo um trabalho que a aproxima, cada vez mais, de um público jovem e que vai descobrindo a beleza da música medieval e renascentista. xxx Carlinhos Lyra, 48 anos, com quem Vinícius dividiu no mínimo três obras-primas ("Primavera", "Minha Namorada" e "Marcha da Quarta-Feira de Cinzas") vai surpreender com duas peças inéditas: um "Auto de São Jorge Guerreiro", letra de Paulo Cesar Pinheiro e "Fuenteivejuna"~, cuja letra Carlinhos foi buscar num texto de Lope de la Veja (1895-1932). A Camerata Antiqua, por sua vez, esmerou-se em alguns arranjos especiais para músicas marcantes da obra de Vinícius, como "Rancho das Flores", onde o parceiro foi nada mais, nada menos, do que um cidadão nascido na Alemanha chamado Johann Sebastian Bach (1685-1750). xxx Nestes 9 anos, o Teatro do Paiol apresentou uma intensa programação: shows musicais, peças de teatro, conferências, curso, eventos destinados à infância e, nos últimos dois anos, numa bolação da jornalista Lucia Camargo, diretora executiva da Fundação Cultural, a série "Parcerias", inicialmente previstas como "impossíveis", mas que, em muitos casos foram até óbvias. De qualquer forma, se tratou de uma promoção significativa, que trouxe a Curitiba alguns dos nomes mais representativos de vários setores - política, comunicação, cinema, música, esportes, etc. Gravados na íntegra, os registros destes encontros - muitos dos quais informais e polêmicos, oferecerão excelente material para que se melhor entenda, no futuro, esta nossa época. Em 1981, as "Parcerias" deverão prosseguir, embora devidamente recicladas. xxx Na informalidade que a caracteriza, a jornalista e atriz Tonica (Antonia Eliana Chagas), que há dois anos dinamiza o Paiol, ao anunciar o aniversário , humildemente agradece a colaboração da imprensa, dizendo: "Sinceramente, esta batalha não daria em nada se não fosse a valiosa parcela de contribuição de vocês, companheiros da imprensa. Por todos os lides, sublides, intertítulos, chamadas, por toda a força que vocês nos deram neste ano (e que, por favor, continuem nos dando), este pequeno Paiol agradece, retribuindo a vocês todos os aplausos que já ouviu na sua platéia".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
9
25/12/1980

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br