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Internacional Gismonti vem explicar sua "Alma"

1987 começa com uma visita especial: Egberto Gismonti. Dando exemplo de humildade que falta a tantos (falsos) superstars, ele faz questão de, pessoalmente, acompanhar o lançamento de cada um de seus novos discos. Assim, nesta semana, Gismonti chega a Curitiba para falar com a imprensa, comparecer a emissoras - mesmo aquelas que nunca divulgam sua música - e autografar "Alma" - título de seu novo álbum - no stand fonográfico da Livraria Curitiba (Praça Santos Andrade). Hoje o multiinstrumentista/compositor brasileiro de maior trânsito internacional, com mais de 30 álbuns gravados - a maioria já lançada em laser (compact-disc) em dezenas de países e com uma agenda de compromissos que o leva anualmente aos mais distantes países, Gismonti não deixa de ser essencialmente brasileiro. No ano passado, Gismonti voltou-se a Heitor Villa-Lobos, antecipando-se, assim, às comemorações que, neste ano, marcarão o centenário de nascimento de nosso compositor mais importante. Agora, Gismonti voltou-se a uma releitura de sua própria obra, dando novas interpretações a temas que, embora já conhecidos, adquirem em sua sensibilidade nos teclados uma dimensão especial. Com um justo orgulho, Gismonti diz que neste disco, gravado já em processo digital, com os técnicos criando planos de gravação onde cada instrumento transpunha sua dissonância com magia, valorizando cada nota, "descobrir, também, que essa coisa de fazer um disco melhor que o outro tem muito a ver com o prazer de se fazer música. À medida que não tenho a obrigação de fazer um disco com prazo estipulado, procuro combinar o prazer com outras coisas que envolvem a criação. E acabei descobrindo essas outras coisas, depois do mergulho que fiz na obra de Villa-Lobos. Foi mais fácil usar a música para falar de outras coisas." Assim como se apresenta nos mais elegantes teatros do mundo, Gismonti também sempre se volta à simplicidade e à natureza. Foi, por exemplo, o primeiro compositor a procurar ouvir e entender a música dos índios no Parque Nacional do Xingu, palco que escolheu para sua participação no documentário "Projeto Trindade", de Tânia Quaresma - um filme belíssimo, com um mapeamento sonoro do Brasil mas que até hoje permanece inédito nos circuitos comerciais. A vivência de Brasil reflete-se na obra de Gismonti. Ele próprio vai explicar isto, nas entrevistas que estará dando durante sua passagem por Curitiba nesta semana: - "Em 'Alma' sinto que, se não tivesse ido ao Xingu, à Europa, nem mergulhado na parafernália tecnológica, o disco não seria o que é. Mas, apesar disso tudo que falei, 'Alma' não tem índio, nem tecnologia, nem orquestra, nem canto. O que tem mais importância é a música." xxx Faz falta a presença, ao vivo, da música de Gismonti em nosso palcos. Devido sua agenda internacional e compromissos inadiáveis, ele não tem podido organizar-se para excursões nacionais. Dentro da seriedade com que se dedica aos projetos musicais, Egberto não admite improvisações. Em seus concertos - seja em solo, em duo com o percussionista Naná Vasconcelos (seu habitual acompanhante na Europa, Estados Unidos e mesmo Ásia), com um grupo instrumental ou em trio com os violonistas Nando Carneiro e André Gerassai (ambos, lançados em elepês-solos, através da Carmo, sua etiqueta), Gismonti apresenta sempre um som novo e renovador. Afinal, assim ele explica sua relação com o seu trabalho - "Música para mim é vida". xxx Casado com a atriz Rejane Medeiros, dois filhos, Gismonti, quando no Brasil, gosta de curtir as coisas simples e espontâneas. Fluminense da divisa do Rio de Janeiro com Minas, é quase mineiro - a começar pelos "uais" que marcam suas frases. Por certo, no contato com os jornalistas e radialistas da cidade, nesta semana, começará lembrando que dia destes acordou com uma vontade enorme de morar no Carmo, "saber como vão indo as coisas e se as formigas estão estragando minha horta..." - Faz uns nove ou dez meses que estou fazendo shows, discos e divulgando meu trabalho. Me lembrei de um frase de Ferreira Gullar que dizia: "Eu estava andando e os ventos passavam na minha cabeça". Não é interessante isso? xxx Já com 45 mil cópias vendidas antecipadamente, "Alma" (EMI/Odeon), - o disco vem embalado por uma capa de cores neutras, envolvendo a palavra-título, que permite diversas leituras, "dependendo do momento que atravessa o ouvinte" como acentuou o jornalista Dilson Osugi, do "Jornal da Tarde". Dentro do álbum, uma imagem holográfica de Gismonti realça sua aura e suas formas. Há também partituras computadorizadas das nove faixas que compõem o disco e fotos dos filhos Alexandre (o "Branquinho") e Bianca. Gismonti, aos 42 anos - completados no último dia 5 de dezembro - é um exemplo de criador musical, que consagrado mundialmente, com uma obra especial, conserva a humildade e simplicidade dos reais talentos. Percorrendo cidades, repetindo, pacientemente, seu pensamento musical, falando com sinceridade de sua vida e sua música, é um artista que conserva a grandeza e pureza, num universo normalmente dominado pela vaidade e prepotência de tantas mediocridades.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
06/01/1987

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