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Aramis

"Imagens do Inconsciente", a viagem ao mundo do imaginário

No total, o público que assistiu a "Imagens do Inconsciente" (Cine Luz, em três semanas) foi reduzido. Louve-se, portanto, desta vez, a Francisco Alves, que teve não só o bom senso de programar as três partes do documentário de Leon Hirszman separadamente, como cumprir as sessões - mesmo quando era mínimo o número de espectadores. O que funcionou para que uma platéia especial assistisse esta que é a obra póstuma do diretor de "Eles não usam black tie", foi a recomendação boca-a-boca: quem viu a primeira parte ("Em busca do espaço cotidiano"), na qual é apresentado o trabalho realizado pela psiquiatra Nise da Silveira no Museu do Inconsciente, ligado ao Centro Psiquiátrico Pedro II (bairro de Engenho de Dentro, RJ), enfocando o caso de Fernando Diniz, procurou recomendá-lo para psiquiatras, psicólogos, estudantes destas áreas e mesmo artistas plásticos de melhor QI cultural. Assim, pouco a pouco, o público cresceu - embora de forma insignificante considerando a importância dese documentário sério, profundo e original em seu enfoque. Infelizmente, a sessão especial, que havia sido realizada duas semanas antes da estréia do filme, agrupando as três partes, não funcionou: a inconviniência do horário e a metragem de 209 minutos, de uma obra densa e pesada, totalmente narrada com textos repletos de informação científica, desafia mesmo o mais interessado espectador. Há um natural cansaço na apreciação global de um filme que Hirszman, pouco antes de morrer em 16 de setembro de 1987 - há um ano portanto - recomendava que fossem projetados separadamente, "se possível com uma discussão entre um e outro". Infelizmente, as projeções em Curitiba foram em seco, sem qualquer discussão a respeito - o que facilitaria a sua compreensão. Nesta semana, encerra-se o ciclo com "A barca do sol" (70 minutos), que mergulha no universo mítico de Carlos Pertuis (1910-1977), internado no Centro Psiquiátrico Pedro II desde os 29 anos e que realizou mais de 20 mil obras - entre desenhos, óleos, modelagens e mesmo textos. com isto, se tornou um nome internacional: alguns de seus quadros chegaram a ser analisados por Jung, no II Congresso Mundial de Psiquiatria (Zurich, 1957). Entre tantos aspectos que fazem "Imagens do Inconsciente" ser uma obra admirável (hoje e amanhã, em 5 sessões no Luz, últimas sessões do episódio "A barca do Sol"), está na forma científica com que Hirszman desenvolveu o filme, que se pode classificar com uma obra de co-realização com a psiquiatra Nise da Silveira, alagoana de Maceió, formada em medicina pela Universidade da Bahia, e que há mais de 40 anos se dedica ao ramo da psiquiatria. Dirigiu a secção de terapia ocupacional (1946/74) no Centro Psiquiátrico Pedro II e ali fundou, em 1952, o Museu de Imagens do Inconsciente, centro de estudos e pesquisas sobre a terapia desenvolvida com os internos através das artes plásticas. Em 1956, Nise fundou com um grupo de pessoas, animadas pelas mesmas idéias, a Casa das Palmeiras, clínica destinada ao tratamento, em regime de externato, de egressos de instituições psiquiátircas, onde atividades expressivas são realizadas livremente. Formou o grupo de estudos C. C. Jung, do qual é presidente desde 1968. Há 20 anos, Hirszman, que foi um dos mais importantes cineastas brasileiros, documentarista notável ("Maioria absoluta", "Ecologia, megalópolis", "ABC da greve" etc.), conheceu Nise e o projeto de fazer um documentário sobre três casos dos mais representativos começou a ser desenvolvido - mas só pôde ser concluído no ano passado, quando Leon, aos 50 anos, já se encontrava gravemente enfermo. Assim, este seu documentário ficou como uma obra-testamento, trabalho de fundo científico que só se concluiu com o patrocínio da Fundação Roberto Marinho/ Banespa/ Caixa Econômica de São Paulo/ Copene/ Prodespe. Entre milhares de internos que desenvolveram trabalhos terapêuticos no Museu do Inconsciente, Nise e Hirszman escolheram três exemplos mais significativos - o de Fernando Diniz ("Em busca do espaço cotidiano"), Adelina Gomes ("No reino das mães") e Carlos Pertuis ("A barca do sol"). Através dos anos, em milhares de desenhos, quadros e esculturas, traça-se a visão de cada um, em termos psiquiátricos, com uma mostra das relações na loucura e do imaginário - resultando num trabalho impressionante, aos leigos, de como três pessoas ignorantes (todos vindos das camadas mais humildes) puderam realizar uma obra que, na interpretação dos psiquiatras, reflete tantas informações - com seus símbolos, signos, mitos e imagens - que permitem as mais diferentes visões. Não é num simples registro de jornal, que uma obra da dimensão de "Imagens do Inconsciente" pode ser sintetizada (ou mesmo explicada), mas aqui fica, mais uma vez, a lembrança: independente de se ter ou não visto as duas partes anteriores, que as platéias (especiais) a que esta obra se destina, procurem conhecê-la. E que as instituições - cursos, faculdades, museus de artes plásticas etc., procurem, futuramente, promover sessões especiais deste filme-tese, sem dúvida entre as realizações mais importantes no campo do cinema-ciência-informação.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
06/09/1988

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