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Aramis

Imagens do Inconsciente para visão e reflexões

"A finalidade não é a obtenção do prazer estético que é o objetivo final da arte cinematográfica. Esse filme pretende ser educativo, servir de base a uma discussão embora não exclua o campo da estética". (Leon Hirzmann, em 1986, a propósito de "Imagens do Inconsciente"). xxx Assumidamente, é uma proposta difícil. Um projeto documental para platéias interessadas em ver/aprender o muito que o cinema pode documentar/discutir. O resultado é fantástico. "Imagens do Inconsciente" é o filme mais importante do ano - e, não foi sem razão que para os mais sérios críticos do Rio de Janeiro, mereceu inclusão entre os 10 melhores de 1987: Obra póstuma de Leon Hirzmann (Rio de Janeiro, 22/11/1937-16/9/1987) em termos de conclusão e exibição, dividido em três partes, "Imagens do Inconsciente" abordando sucessivamente três casos de internos do Centro Psiquiátrico Pedro II, no bairro carioca do Engenho de Dentro, RJ, que desenvolveram suas potencialidades criativas nos ateliers do Museu do Inconsciente, foi recomendado pelo realizador que fossem exibidos separadamente, "se possível com uma discussão entre um e outro". Felizmente, Francisco Alves dos Santos, programador das salas da Fucucu, entendeu esta recomendação e assim, até amanhã, estará em exibição no Cine Luz o episódio "Em Busca do Espaço Cotidiano" (80 minutos), que aborda o caso de Fernando Diniz. Pela lógica, quinta-feira deve entrar em projeção "No Reino das Mães" (55 minutos), que aborda o caso Adelina Gomes e, encerrando o ciclo, a partir do dia 1º de setembro, "A Barca do Sol" (70 minutos), sobre Carlos Pertius. Há duas semanas houve uma sessão especial com a projeção conjunta das três partes, num total de três horas e vinte minutos, destinadas a psiquiatras, psicólogos, artistas plásticos, etc. Entretanto, foi mínima a freqüência e tratando-se de um obra extremamente científica, sua visão integral, numa sessão, é esgotante - mesmo para o mais preparado espectador. Vistos, porém, separadamente, os três episódios que constituem "Imagens do Inconsciente" são verdadeiras aulas visuais para um público situado fora do mercado tradicional de cinema e televisão, formado pelas instituições e pessoas interessadas nas questões do inconsciente. Lamentável, portanto, que não tenha havido um trabalho mais direto junto aos cursos de psicologia, hospitais psiquiátricos e mesmo instituições artísticas (a própria diretora do MAC, professora Maria Cecília Noronha, só soube da importância do filme no sábado, pois não havia sido convidada para a sessão especial) de forma que uma obra desta importância chegue ao público certo. Entretanto, ainda há dois dias para que se veja "Em Busca do Espaço Cotidiano", que focaliza Fernando Diniz, um mulato baiano que veio ainda criança para o Rio, com sua mãe, modesta costureira, morando em promíscuos casarões de cômodos. Aos 9 anos foi para um asilo de freiras em Petrópolis, onde ficou durante dois anos. Fez o curso primário e secundário em escolas públicas, freqüentou uma escola profissional e estudou um pouco de taquigrafia. Sensível, teve um desequilíbrio mental que o levaria a ser internado no Centro Psiquiátrico Pedro II quando tinha menos de 20 anos. Em julho de 1949 começou a freqüentar a atelier de pintura da seção de terapêutica ocupacional do Centro Psiquiátrico Pedro II, abrindo-se as portas para uma extraordinária criação em desenhos e óleos. Criado pela médica Nise da Silveira, o Museu de Imagens do Inconsciente é um núcleo que vem apresentando trabalhos impressionantes, que merecem inclusive elogios de C.G. Jung, no II Congresso Internacional de Psiquiatria (Zurique, 1957), no qual Nise levou uma coleção de pinturas dos esquizofrênicos brasileiros. Este trabalho pioneiro - e que chegou a ter também alguns projetos desenvolvidos regionalmente (um deles, feito no Hospital Adauto Botelho, quando dirigido pelo médico Eduardo Camargo, - e que foi mostrado numa das primeiras mostras do MAC, quando dirigido por Fernando Velloso) permanece, entretanto, desconhecido da maioria das pessoas - por suas próprias características de ser desenvolvido por loucos. Ao conhecer Nisa da Silveira em 1968, o cineasta Hirzmann entusiasmou-se e começou a pensar num filme-documento a respeito, que só viria a realizar entre 1983/85, já então consagrado por seus longas "São Bernardo"(1971) e "Eles Não Usam Black Tie" (1981) - premiados mundialmente. Um projeto de grande afetividade, com o texto da própria dra. Nise da Silveira narrado pela atriz Vanda Lacerda e poeta (e crítico de artes plásticas) Ferreira Gullar, "Imagens do Inconsciente" é, em termos cinematográficos, admirável - pois mesmo centrado basicamente nas imagens dos desenhos e quadros tem todo um envolvimento dramático, conduzindo o espectador ao universo em que vivem os internos focalizados. Científico, mas com uma compreensão pelo espectador realmente interessado, com uma trilha sonora perfeira de Edu Lobo (no episódio "Em Busca do Espaço Cotidiano", há longas seqüências apenas narradas - o que faz a música adquirir especial força ao surgir), montagem e fotografia (Luís Carlos Saldanha) que aproveitou ao máximo o material utilizado. Enfim, uma proposta da cinema-tese, para ser vista e reconhecida em qualquer parte do mundo e que nesta exibição em Curitiba, merece ser vista por todos os interessados que apareçam, ao menos!
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
23/08/1988

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