Login do usuário

Aramis

Guerrilheiros do samba, com humor e romantismo

Podemos sorrir Nada mais nos impede Não dá pra fugir desta coisa de pele Sentida por nós, desatando os nós Sabemos agora Nem tudo que é bom vem de fora ("Coisa De Pele", Jorge Aragão / Acyr Marques) Sabíamos. Muitos e muitos sabem: nem tudo que é bom vem de fora. Especialmente a música. Mas como está difícil de encontrar bons sambas, bons discos de MPB neste boom de rock brasileiro (brasileiro?), desde que os "gerentes de produtos" substituíram os diretores artísticos sensíveis de décadas passadas. Elton Medeiros, 56 anos, acabou não fazendo o seu tão aguardado disco dentro do projeto "Bom Tempo", da Copacabana, que após um primeiro e estimulante pacote, acabou ficando apenas, na segunda etapa, com o muito elogiado - mas até agora desconhecido entre nós - elepê de Vânia Bastos, uma das grandes vozes da nova geração. Paulinho da Viola está há 4 anos sem gravar. E a Divina Eliseth Cardoso só fez um disco maravilhoso no ano passado porque a Arca, pequena etiqueta, pertencente a um apaixonado ela MPB, o empresário-jornalista-editor Ary de Carvalho, buscou o melhor produtor "elisethano", o poeta Hermínio Bello de Carvalho. Estão faltando, realmente, bons discos de nossa melhor MPB, dentro do programa de massificação musical. Por isto, salve, salve a RGE, que mesmo ligada a Sigla/Globo - especializada em produtos-marketing - traz um pacote de bons discos de samba: "Samba Lá De Casa", o ótimo elepê de Jorge Aragão e mesmo uma reedição de um dos discos de dona Ivone Lara. De quebra, a Polygram distribui "Pagode Esperto", com o ótimo grupo Arte Final. PAGODEIROS - O grande acontecimento em favor da MPB em 1986 foi a valorização do pagode. A visão empresarial do músico e produtor Milton Manhães, responsável pela introdução da linha pagodeira na RGE, fez com que ascendessem entre os artistas de maior vendagem, compositores e intérpretes até então esquecidos da chamada "grande mídia" - como Almir Guineto (mas há anos fornecedor de muitos sucessos de Beth Carvalho) e aparecesse o conjunto Fundo de Quintal, ao lado de novos talentos como Zeca Pagodinho (Jessé Gomes da Silva Filho, RJ, 1959), Jovelina Pérola Negra, Elaine Machado, entre tantos que, já em sua estréia, ultrapassaram a barreira das 50 mil cópias e, em alguns casos - como Guineto - chegaram ao Disco de Ouro. Sem chegar a ser um gênero musical - mas mais um lugar e um comportamento como definiu o músico, compositor e pesquisador Ney Lopes, em "Pagode, O Samba Guerrilheiro Do Rio" (incluído no livro "Notas Musicais Cariocas", Editora Vozes), o pagode - que em termos tradicionais significava um lugar público, uma espécie de botequim ou tendinha, no qual se faz música informalmente - passou a designar um momento sonoro. Independente do fato do aspecto musical, deste estilo sempre ter existido - e aí estão pioneiros como Martinho da Vila e Bezerra da Silva (campeões de vendas na RCA), o fato é que graças ao impulso dado por sambistas sensíveis e inteligentes como Beth Carvalho - que sempre soube valorizar os autores anônimos e impulsionou o grupo Fundo de Quintal - o importante é que os pagodeiros ganham seus espaços. Espaços ainda pequenos dentro da rádio, frente a ditadura do Ibope, a concorrência do lixo internacional mas assim mesmo numa reação que justificou atenção da grande imprensa. Sem ter atingido um boom perigoso - como aquele que, entre 1976/77 marcou o do chorinho (e que depois o esvaziou), o pagode se mantém discretamente - e o fato da mesma RGE trazer novos discos, produzidos por Hélio Eduardo Costa Manso, mostra que mesmo com a crise do vinil, o setor continua estimulante. O grupo Samba Lá De Casa neste "Tarda Mas Não Falha" - caracteriza-se por sambas críticos e irônicos, uma das características da música realmente surgida nas camadas mais populares. Em "Cadê, Cadê", Bené Alves faz um retrato deste Brasil pós-Cruzado, tão documental como eram, no passado, os sambinhas e marchinhas carnavalescos. Cadê o pão, cadê o leite Cadê o cheirinho de carne Até couro pra fazer sapato Disseram acabou - disseram acabou Você liga e ouve o noticiário na rádio E percebe que a nossa vida está numa de horror - o repórter falou. E com bossa e balanço, o samba prossegue falando do frustrado Cruzado I, do congelamento de preços e termina com fé ainda na agricultura ("Meu povo tem muita esperança / Em Deus nós temos devoção / O que falta são os homens da terra / Darem as mãos"). Em "Salaminho", Zeca Pagodinho e Ratinho falam do malandro que chega de manhã em casa, mas que espera abrir a padaria para comprar "um pão fresquinho / um litro de leite e manteiga / Cem gramas de salaminho / Pra agradar a minha nêga" que já anda desconfiada enquanto ele passa as noites "com a cara encostada no bojo do meu cavaquinho". Falando assim das coisas do cotidiano, mas também emocionalmente mostrando o lado romântico, os ótimos pagodeiros reunidos neste elepê oferecem um momento significativo da música realmente de raízes populares - sem esquecer de homenagear Clara Nunes ( "Estrela Lá No Céu", de Odair Madeira e Pedro Paulo), num sambas no qual falam também de outros que já se foram - de Silas e Paulo da Portela até Nelson Cavaquinho, "que partiu / Para não mais voltar / Mas deixou seu cavaquinho / Seu samba e sua melodia / Tão boa de se lembrar".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
7
26/04/1987

Enviar novo comentário

O conteúdo deste campo é privado não será exibido publicamente.
CAPTCHA
Esta questão é para verificar se você é um humano e para prevenir dos spams automáticos.
Image CAPTCHA
Digite os caracteres que aparecem na imagem.
© 1996-2016. tabloide digital - 35 anos de jornalismo sob a ótica de Aramis Millarch - Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por Altermedia.com.br