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Aramis

Festival de Gramado - A beleza da simplicidade em filme de sabor caipira

GRAMADO - Como há dois anos a Comissão Organizadora do Festival de Cinema decidiu manter em sigilo, até às 23 horas da noite do encerramento, os resultados do júri de premiação, as especulações sobre os vencedores, nas diferentes categorias, crescem a partir de quinta-feira, quando começam a se definir os melhores filmes em exibição. Este ano, não foi diferente. Após dois filmes recebidos com frieza - "Ela e os Homens", de Schubert Magalhães (cineasta mineiro falecido em 1983), e "A Noite", de Gilberto Loureiro, o Festival cresceu a partir de "Estrela Nua", da dupla Ícaro Martins e José Antônio Garcia e confirmou o talento da bela Carla Camuratti premiada, há 3 anos, como melhor coadjuvante, por "O Olho Mágico do Amor" (filme de estréia de Ícaro e Garcia), que já vinha lhe valendo comentários de que iria receber o Kikito de melhor atriz. Com a projeção de "A Marvada Carne", surgiu a favorita do festival: Fernanda Torres, interpretando com graça, ternura e notável competência a caipirinha "Carula", arrancou espontâneos aplausos da platéia, várias vezes, durante a projeção, para alegria de seus famosos pais, Fernando Torres e Fernanda Montenegro, que vieram a Gramado assistir o filme, totalmente inédito, já que essa primeira cópia ficou pronta há apenas 20 dias, a tempo de sua inscrição. Mesmo com uma possível surpresa, por parte do júri (no ano passado, houve um azarão com a premiação de "O Baiano Fantasma", do paulista Denoy de Oliveira, que o Cine Groff lançará no final de abril), é certo que "A Marvada Carne" estará entre os filmes premiados, nesta madrugada de sábado, 31. SABOR CAIPIRA Obra de um cineasta estreante, André Klotzel, 29 anos, "A Marvada Carne" encanta pelo sabor de brasilidade, resgatando uma temática interiorana, com o humor do caipira, e, na beleza e pureza de sua estória e de imagens lembrando os mais sinceros filmes de Humberto Mauro. Partindo basicamente da idéia que A. C. Soffiarti desenvolveu, no premiado espetáculo "A Carreira do Divino", encenada com muito sucesso pelo grupo O Pessoal do Vitor, "A Marvada Carne" é nas palavras do próprio diretor, a odisséia cabocla de Quim (Adirsom de Barros, excelente atuação, candidato forte ao Kikito), do fundo da roça até a grande cidade, na busca de um sonho ingênuo: comer carne de boi. Alguns diálogos de "A Carreira do Divino", como os da Cabocla Carula fazendo orações a Santo Antônio, pedindo sua intervenção para conseguir um marido - são basicamente do texto original, mas valorizadas por um inteligente uso de imagem do santo patrono das donzelas casamenteiras, que provoca cenas hilariantes. Também fábulas do anedotário caipira do grande folclorista Cornélio Pires foram utilizadas no inteligente roteiro que capta, com extrema felicidade, usos, crendices, costumes, enfim todo o universo real e imaginário do caipira paulistano. A esperteza do Caboclo Quim, que faz o curupira fumar do cano de sua espingarda pica-pau e engana a mulher-diabo (uma curta mas ótima aparição de Regina Casé), as personagens simples de um mundo brasileiro raramente aproveitado no cinema, transmitem uma empatia que emociona o espectador. A belíssima fotografia de Pedro Farkas, captando todo o encanto ecológico e verde de uma região interiorana, a perfeita cenografia de Adrian Cooper (também excelente fotógrafo, já premiado por seu documentário "Os Chapeleiros", nos festivais de Brasília-83/Gramado-84) e, principalmente, a trilha sonora de Rogério Duprat são outros elementos que fizeram com que "A Marvada Carne" ficasse entre os filmes favoritos desta 13ª edição do Festival do Cinema Brasileiro de Gramado. SABOR POLÍTICO O curta-metragem mais aplaudido no Festival foi "Frei Tito", documentário que a atriz e diretora Marlene França realizou há mais de dois anos sobre o calvário do frei dominicano Tito Alencar Lima (1945-1974), preso e torturado pelo delegado Sérgio Fleury, no DOI-CODI, de São Paulo, e que, exibido em 1971 (foi um dos libertados em troca da vida do embaixador suíço), acabou suicidando-se, em Lyon, na França. A utilização da belíssima canção "Sentinal" (Milton Nascimento), na trilha sonora, com seqüências rodadas por ocasião do retorno de Frei Tito a São Paulo, a missa na Sé e pronunciamentos políticos, o documentário de Marlene França é de grande força e emoção, e, mesmo que não venha a ser premiado, teve um exibição de grande importância neste festival. Aliás, ao contrário do que aconteceu em 1984, quando a maioria dos longa-metragem tinha, direta ou indiretamente, uma relação político-social, este ano não houve, na parte dos filmes concorrentes, uma preocupação tão marcante pelo aspecto político. A fita mais política é, evidentemente, a "Patriamada", de Tizuka Yamazaki, mas que, documentando a campanha das diretas e a eleição do presidente Tancredo Neves, tem um aspecto up to date de cine jornal, uma das críticas, aliás, feitas a esse filme, já lançado no Rio e São Paulo, e cuja estréia, em Curitiba, acontecerá nos próximos dias. CRÍTICAS E JÚRIS Tizuka Yamazaki, uma freqüentadora de festivais de cinema, tem participado ativamente dos debates sobre o futuro do cinema brasileiro na televisão e procurado aparecer bastante. Tizuka não gosta quando os críticos escrevem negativamente sobre seus filmes. Em Brasília, há dois anos, protestou pelo fato de um dos membros do júri crítico do "Correio Brasiliense" ter feito observações ao seu "Parahyba Mulher Macho". No Rio, há poucas semanas, protestou devido a que Sérgio Augusto, um dos críticos mais respeitados e competentes deste País, também ofereceu uma análise rigorosa de "Patriamada". Sérgio Augusto participa do júri de premiação dos longas-metragens, do qual fazem parte a romancista Lygia Fagundes Teles, o cineasta João Batista de Andrade, o ator Carlos Vereza, a atriz-deputada Bete Mendes, o roteirista Leopoldo Serran, o crítico Hiron Goidanich e o fotógrafo Lauro Escorel. Para os curtas-metragens - divididos em duas categorias, os nacionais e os gaúchos - há outro júri, do qual faz parte o diretor Walter Hugo Khouri, veterano freqüentador de Gramado, mas que não quis colocar em competição neste ano seu último filme, "Amor Voraz", até agora somente (mal) lançado em São Paulo. MATURIDADE Perdendo muito de seu aspecto mundano (traduzido, inclusive, na descrição das atrizes presentes e na ausência de aspectos que alimentem os gossips do colunismo), o Festival mostra seriedade nos debates que se sucedem por longas horas. Na quinta-feira, o assunto mais debatido foi a chamada "Lei Sarney", que proíbe a presença de empresas estrangeiras na área da distribuição e exibição no Brasil. Embora convidado a vir explicar detalhes do projeto, sancionado, quarta-feira, pelo presidente José Sarney, o deputado Sarney Filho desculpou-se por não poder sair de Brasília. Em compensação, em contato telefônico com o produtor Aníbal Massaini Neto, indicado para a presidência do Concine, o deputado Ulysses Guimarães, presidente da Câmara, prometeu um encontro de dirigentes das entidades de classe ligadas ao cinema com o ministro José Aparecido, da Cultura, na próxima semana. A Lei Sarney, que traz, de princípio, aspectos positivos, em termos de uma proteção ainda maior ao cinema brasileiro, oferece também riscos à própria Embrafilme, que sobrevive graças a recursos advindos do pagamento de taxas e impostos dos filmes estrangeiros que entram no Brasil, os quais poderão deixar de ser importados, se o governo aplicar a lei agora aprovada e que praticamente desestimulará as empresas cinematográficas norte-americanas (e a francesa Gaumont) a permanecer no Brasil. A curto prazo, isso significará o esvaziamento dos filmes que mantêm os circuitos de exibição e apressará o fechamento dos cinemas comerciais, que, aliás, há anos já vêm sendo desativados, devido às dificuldades do setor. Curiosamente, enquanto na quinta-feira, durante o almoço, a Sra. Luci Barreto, esposa do produtor Luís Carlos Barreto (o mais bem sucedido empresário do chamado "Cinemão"), falava de sua estranheza ante essa lei e mostrava preocupação por suas conseqüências, em Brasília, dizendo-se representante do cinema nacional, Barreto era um dos primeiros a externar cumprimentos ao presidente Sarney pela sua aprovação, em seu entender benéfica aos interesses da indústria cinematográfica brasileira. Chegando a Gramado na noite de quinta-feira, Barreto e outros cineastas, produtores e distribuidores importantes (Jean Gabriel Albicoco, diretor-geral da Gaumont, estava sendo aguardado com expectativa) trouxeram mais lenha para a fogueira de debates e exibição cinematográfica. CINEMA E TV Os três painéis realizados no Hotel Serra Azul sobre o futuro do cinema brasileiro na televisão possibilitaram que, pela primeira vez, se colocassem em questão aspectos importantes sobre as razões porque só agora as cadeias nacionais de televisão estão começando a absorver alguns títulos do cinema brasileiro. A palavra mais citada foi "Competência", referindo-se aos aspectos de profissionalismo exigidos pela televisão - acostumados a programar os chamados "enlatados" americanos, medíocres, talvez, em termos artísticos, mas bem realizados tecnicamente. Exemplos inúmeros da aprovação de profissionais do cinema na televisão - como Nelson Pereira dos Santos, Maurício Capovilla, o próprio João Batista de Andrade (candidato forte à presidência da Embrafilme) foram lembrados, mas um aspecto maior que impossibilita o melhor aproveitamento da atual produção cinematográfica brasileira foi, com insistência, destacado: o fato de tratar-se de produções com seqüências eróticas (para não dizer pornográficas), sem condições de apresentação nos horários nobres da televisão. Aspectos técnicos, exemplos e comparações com a televisão americana, depoimentos pessoais de atrizes (especialmente da bela Ana Maria Magalhães, uma das mais atuantes nos debates), explicações dos executivos das cadeias nacionais (Manchete, TVs, Globo e Bandeirantes) etc., ofereceram uma série de dados interessantes para que se conheça melhor a realidade nas relações do cinema e da televisão. OPÇÕES A multiplicidade de promoções paralelas torna difícil a missão de acompanhar o Festival. Assim, poucos jornais compareceram ao hotel onde, pela manhã, foram projetados filmes em Super-8, entre os quais trabalhos interessantes. À tarde, os realizadores e intérpretes dos curtas e longas-metragens participam de acalorados debates, nestes com maciça participação de jovens estudantes de Comunicação Social, especialmente a Unisinos, cuja cadeira de Cinema é dirigida pelo professor Francisco Araújo, um dos maiores especialistas em quadrinhos no Brasil e que já por algumas vezes orientou cursos sobre HQ em Curitiba. Oferecendo Cr$ 65 milhões em prêmios, com uma boa organização administrativa, o Festival de Gramado obteve, nesta 13ª Edição, bons resultados, e que é o evento cinematográfico mais constante. Agora, com a inflação de novos festivais que passa a acontecer - FestRio, Cinema Nacional do Rio (maio próximo), Caxambu, o anunciado Festival de Cinema de Fortaleza (em agosto), começa a ocorrer, naturalmente, uma disputa de filmes e nomes que possam dar a cada uma dessas promoções maior brilho. Gramado tem uma tradição, a experiência e simpatia de seus realizadores, e, especialmente, o fato de que é uma das mais paradisíacas cidades de turismo do Brasil, com seus pinheiros e hortênsias compondo um cenário que nem o mais privilegiado momento da câmara de Claude Lelouch poderia captar. LEGENDA FOTO 1 - Tizuka Yamazaki LEGENDA FOTO 2 - Luís Carlos Barreto
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
18
31/03/1985

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