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Aramis

Encontro marcado com o jazz de Fernando Sabino

Os cariocas ainda não descobriram. Ainda bem! Se já tivesse tornado modismo, as jam-sessions da happy hour dominical do Gula Bar, no Marina Palace Hotel, no Leblon, RJ, não teriam a tranqüilidade e clima de encontro de amigos com quem vem sendo caracterizada há dois meses. Em pouco tempo, seus 60 lugares passariam a ser tão disputados quanto são os do Michael´s Pub, em Nova York, às segundas-feiras, quando ali se apresenta um clarinetista chamado Woody Allen, também cineasta. Os Ramblers Traditional Jazz Band, um grupo de jazz tradicional, foi formado há temnpos mas tem um convidado especial aos domingos: Fernando Sabino, 63 anos, jornalista, escritor, globetrotter e, sobretudo, um apaixonado por jazz ("até os anos 40", friza). Retomando uma paixão de seus tempos de adolescente em Belo Horizonte - a bateria -, o autor de "O Encontro Marcado", mostra nas baquetas o mesmo equilíbrio e suavidade que ao pilotar as teclas de su computador produz os mais delicados textos da crônica brasileira. Tanto é que Marcos Spilzman, o rigoroso band-leader da Rio Jazz Orquestra, o teve como destaque em apresentações feitas na casa Laura Alvim e, hoje, os amigos do Ramblers Traditional Jazz Band ficam felizes ao vê-lo chegar, ao lado de sua linda Lígia, trazendo as baquetas na mão e participando de dois ou três sets. - "Só tem um problema. Eles não me deixam ensaiar e assim eu sento frente à bateria e tenho que entrar no ritmo". Não faz feio. Ao contrário, a paixão pelo jazz que o acompanha desde a juventude, a freqüência aos melhores momentos internacionais ao longo de suas andanças pelo mundo - que lhe possibilitou se aproximar de inúmeros grandes mitos jazzísticos - e um bom gosto extraordinário, faz com que Sabino possa mostrar também seu talento musical, embora, modestamente, não tenha a menor pretensão, ironizando inclusive as suas performances - mas não escondendo a satisfação quando seus solos merecem aplausos entusiásticos como ao executar o belíssimo "Down By the Riverside" ou o envolvente "Tin Roof Blues". Os Ramblers são Márcio Cintra, na clarineta; Pedro Otero, no trompete; Fritz Maia, no trombone; Zezinho Dias no washboard; Adilson Lopes da Silva, numa imensa tuba, que esconde-o durante todo o tempo e o "vovô" Sidney Moniz, no banjo - aos 82 anos, firme como um rocha e que sentado durante todo o tempo, merece sempre a respeitosa admiração de todos os seus companheiros. Agora, as participações de Sabino nas jam-sessions dominicais se tornarão mais eventuais: além de uma série de compromissos para noites de autógrafos de seu novo livro, "A Volta por Cima" (206 páginas, Record) - que poderá inclusive trazê-lo a Curitiba nas próximas semanas - já tem agendado nova viagem aos Estados Unidos, "claro que para ouvir muito jazz", diz. Em muitas crônicas, Sabino já falou de sua paixão pelo jazz e, especialmente em "Gente" (Record, 1979, 3a. edição), descreve, deliciosamente, a primeira viagem que fez a Nova York, com Vinícius de Moraes e que teve uma estréia de muita sorte: na mesma noite conheceu Duke Ellington e Gene Krupa, seu ídolo na bateria. Em "A Volta por Cima" - como sempre uma delícia -, reunindo textos, reais ou ficcionados, de várias partes do mundo, Sabido dedica justamente a crônica de abertura à sua paixão pelo jazz e pela bateria: "A Alma da Música", na qual recorda: "Tudo começou quando eu tinha 18 anos e ainda morava em Belo Horizonte. Um dia Chico Lobo propôs: - Vamos aprender a tocar um troço? O troço era um instrumento musical qualquer. Passávamos o dia ouvindo discos de jazz. Tommy Dorsey, Fats Waller, Benny Goodman. E Gene Krupa, naturalmente. Era chegada a hora de tocar alguma coisa. De acordo, mas o quê? Sax? Trombone? Clarinete? Tinha de ser instrumento de sopro que já sabíamos imitar de boca. - Você tem cara de saxofone - decretei. - Eu no sax e você no trombone - disse ele. A conversa ficou nisso. Até que um dia, entre um disco e outro, ele me informou em displente: - Está para chegar. - O quê? - A bateria. Mandei vir de São Paulo. Estava doido e tão jovem ainda. - É mais fácil de tocar. Basta um pouco de ritmo. E isso a gente tem. Uma semana depois ele apareceu em minha casa no seu carrinho conversível, trazendo no banco de trás um bumbo, dois tambores, pratos, várias peças de metal. - Vou ter de guardar com você. Mamãe não me deixou entrar". xxx A crônica prossegue neste tom delicioso, mas quem quiser conhecer o final que compre o livro - que aliás vale o que custa. O fato é que Chico Lobo nunca pegou as baquetas e Fernando acabou apaixonando-se pelo instrumento - paixão que manteve em seus primeiros anos no Rio, quando morava no Edifício Elisabeth, em Copacabana, e, com a boa vontade dos vizinhos, em plena madrugada, tocava seu instrumento. "Anos mais tarde, encontrei em Los Angeles um brasileiro que me contou que havia se mudado do Rio: - No meu prédio morava um sujeito que tocava bateria... Pelo endereço, o sujeito era eu. Foi a única evidência que jamais tive alguém na calada da noite que me escutasse. Não sei como não fui abatido a tiros". LEGENDA FOTO - Sabino na bateria em charge de Cláudio Duarte
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
28/11/1990

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