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Aramis

Emoção e nostalgia com Baden muito à vontade

Baden Powell começou com uma confissão nostálgica. Estava feliz por voltar a Curitiba, "pois foi aqui, há 40 anos , que fiz uma de minhas primeiras apresentações". Voz clara, violão nas mãos, no palco do auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, o nosso maior violonista foi recordando: - Eu tinha 9 anos. E já acompanhava aquele pessoal todo da Rádio Nacional e Atlântida - Cyl Farney, Eliana, Renato Murce, Adelaide Chiozzo. E lembro-me que foi aqui, em Curitiba, que fiz uma de minhas primeiras apresentações. O violão era maior do que eu... E com uma nova - e maravilhosa canção, parceria com seu letrista Paulo César Pinheiro, "Cabelos Brancos", na qual fala em voltar (e que Elizeth Cardoso acaba de gravar maravilhosamente bem no lp "Luz e Esplendor"). Baden iniciou um dos mais emocionantes recitais que já aplaudimos em nossos palcos. Baden, dois violões usados alternadamente, uma discreta luz branca - no imenso palco do Guaíra, frente a um público atento, no mais respeitoso silêncio, acompanhando, emotivamente aquele mágico duende que consegue transmitir uma imensa dose de verdade, amor e sinceridade em cada momento, da sua arte. xxx Poderia-se, até, dizer que Vinícius de Moraes desceu no corpo de Baden Powell neste último recital que fez nesta sua temporada brasileira, coincidentemente no mesmo palco onde Vinícius esteve tantas vezes. Baden cantou afinadamente algumas de suas músicas mais conhecidas, conversou bastante e sobretudo transmitiu um clima de paz interior e segurança artística que poucos artistas conseguem dar num recital-solo. Usando alternadamente dois violões acústicos, dando-se ao luxo inclusive de afinar um deles antes de fazer um solo mais delicado, Baden Powell demonstrou, mais uma vez, porque é há mais de 20 anos um dos recitalistas mais prestigiados internacionalmente, com uma agenda internacional de compromissos que o faz, contra a sua vontade, espaçar seus retornos ao Brasil. Horas depois do recital, tomando uma gelada Antártica no bar do hotel Araucária, conversando com alguns poucos amigos, Powell dizia, entusiasmado, da satisfação que havia sentido em poder ter feito uma apresentação tão liberta e que saiu tão espontaneamente: - "Hoje, me sinto mais brasileiro do que nunca. Moro há 3 anos em Baden-Baden, na Alemanha, de onde saio somente para fazer apresentações profissionais. Entretanto, esta viagem pelo Brasil - e que na qual tenho feito concertos e mais concertos, fez sentir-me ainda mais preso às raízes de minha terra". Uma decisão, já tomada há tempos, mas agora definitiva: - "Seja onde for que vá me apresentar, meu repertório só é de música brasileira. E se tiver clássicos, terá que ser de também autores brasileiros". Sem esquecer Villa-Lobos, Baden Powell não esconde sua admiração maior por um compositor, maestro e arranjador que, entre nós, não tem tido o reconhecimento devido: César Guerra Peixe, fluminense de Petrópolis, 72 anos. Há alguns meses quando o maestro Leonard Berstein, motivado palo seu assistente brasileiro Flávio Chamiê, lhe telefonou consultando-o sobre a idéia de um concerto com a filarmônica de Viena, interpretando choros brasileiros, Baden foi preciso: para isto, Berstein deveria conhecer Guerra Peixe. Como o autor de "West Side Story" veio ao Rio de Janeiro no último carnaval, aproveitou a sugestão de Baden (que não o conhece pessoalmente): foi procurar Guerra Peixe, que teve a maior surpresa de sua vida ao receber tão ilustre visita. Baden Powell comenta: - "Eles passaram um dia juntos. Bebendo caipirinha, trocando idéas, Berstein não quis falar com mais ninguém ligado a música na Brasil. O encontro com Guerra foi o suficiente". A idéia de um concerto da Sinfônica de Viena, regida por Berstein, com choros brasileiros - naturalmente, muitas peças de Guerra Peixe - e tendo como solista Baden Powell é um dos muitos projetos para 1987. Calmo, sem pressa, Baden é hoje um artista tranqüilo. Casado há 11 anos com uma mulher maravilhosa, a bela morena Silvia Eugênia, dois filhos - Phillippe, 8 anos e Louis Marcel, 4 anos ("afilhado de meu parceiro Billy Blanco"), Baden gosta de falar sobre a cultura oriental, sua admiração pelo Japão - onde já esteve em três ocasiões diferentes e onde Silvia viveu um ano, antes de conhecê-lo. Um dos violões que Baden Powell usa atualmente foi fabricado, "com madeira brasileira", por um japonês fantástico, que morava na Alemanha, chamado de Naniki. - É de uma sonoridade incrível. O instrumento mais fantástico que já conheci". Mais um gole de cerveja, muitos cigarros de filtro e o papo continua. Baden e Silvia falam da vida na Alemanha neste ano, do terror de contaminação provocado pelo acidente de Chernobyl, das conseqüências imprevisíveis que a tragédia nuclear pode ainda ocasionar. Faz uma revelação captada de alguns amigos bem informados. - Dizem que pode levar 1.500 anos para desaparecer da atmosfera os efeitos da radiação. Em Hiroshima, faltam só 70 anos... Com 51 elepês lançados na Europa, nem Baden, nem Silvia - que além de esposa-companheira, administra sua carreira - tem uma discografia correta. Há reedições não atualizadas, remontagens e, nos últimos anos, edições de laser. Baden não se preocupa com novas gravações. Convites não faltam é claro! O último é um vídeo-tape didático - projeto para ser desenvolvido no Japão, onde deve voltar em breve. Sabe do entusiasmo dos japoneses pela música brasileira, enaltece a competência com que os nipônicos realizam tudo aquilo que se propõe. Em relação ao mercado fonográfico europeu, entretanto, mostra-se pessimista. .- As multinacionais dominam pelo consumismo, pelo mau gosto. Por isto há tanto rock. Os Estados Unidos também não o atraem. Para quem já tocou com os maiores nomes do jazz - uma época, percorreu várias cidades japonesas fazendo shows com o pianista Thelonious Monk - Baden Powell hoje tem palavras duras em relação ao jazz. Duras e corajosa: - O jazz é repetitivo e burro. Ao passo que a música brasileira é harmoniosa. Nem Stan Getz, outro companheiro de muitas andanças, não escapa de algumas sinceras observações musicais. Baden volta-se cada vez mais a hamonia, a música em si. Por isto que há muitos anos abandonou projetos de grupos musicais, preferindo um trabalho solo, "mas não solitário" acrescenta Silvia - atenta, preocupada com que Baden Powell suba para descansar um pouco. O concerto do Guaíra acabou há quase 4 horas. Pela manhã, embarcam para o Rio, de onde, dentro de quatro dias, retornam à Alemanha. Mas Baden, terno e camisa branca, eufórico, não mostra cansaço. Ao contrário, uma imensa alegria interior e um otimismo brilhante. Repete, referindo-se mais uma vez aos seus tempos de garoto, aluno do violonista Meira, quando fazia suas primeiras apresentações em público. - Que bom ter voltado a tocar em Curitiba! Despeço-me de Baden com um longo abraço. A sensação é de que estava abraçando também a Vinícius de Moraes - pois ambos, naquele momento, estavam em um só encontro de música e luz.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
2
14/09/1986

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