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Aramis

Ecletismo de Marisa compensa o marketing

Há quase dois anos, em matéria de página inteira na capa do Caderno B, do Jornal do Brasil, o título já antecipava: "Nasce uma estrela: Marisa Monte". A partir de então, numa das mais bem orquestradas campanhas de lançamento de uma artista, a imprensa nacional passava a dispensar à nova cantora um tratamento de superstar. Assim, de desconhecida de ontem passou a ser um nome famoso - isto sem sair de um restrito circuito carioca e sem gravar seu primeiro LP. O pigmaleão da operação é competente: Nelson Motta. Resultado: agora, ao sair o seu primeiro (e aguardado) elepê (EMI-Odeon, janeiro/89), Marisa Monte chega com a aura e fama que raras cantoras conseguem. É justo um tratamento tão especial e badalativo a uma cantora jovem, famosa antes mesmo, praticamente, de deslanchar profissionalmente sua carreira? Questões como esta, à parte, o fato é que Marisa é bonita, charmosa e canta bem. Eclética, demonstra um repertório (que tem feito seus shows em sofisticadas noites cariocas merecerem aplausos intensos) que vai do samba de Candeia, "Preciso Me Encontrar", à ária de "Porgy and Bess" (Gershwin), na qual teve a particiapação do Nouvelle Cuisine (dividindo os vocais com Carlos Fernando Nogueira) ou "Speak Low" (Ogden Nash/Kurt Weil), numa interpretação intimista, inspirada em João Gilberto - e na qual há um suave arranjo de cordas (12 violinos, 4 violas, 4 cellos), escritas pelo maestro Eduardo Souto. Justamemente foi a diversificação do repertório a fórmula que o sempre astuto Nelsinho Motta encontrou para mostrar que Marisa não é uma invenção de marketing. A moça canta bonito e de forma competente - encantando tanto as faixas jovens - para os quais se destinam faixas como "Comida" (Arnaldo Antunes/Marcelo Frommer/ Sérgio Britto), "Ando Meio Desligado" (Arnaldo Baptista/Sérgio Baptista/Rita Lee) e um "clássico" da pré-Jovem Guarda, "Negro Gato" (Getúlio Cortes). Modestamente, a presença de Nelsinho fica numa faixa, letrando um tema de Pino Daniele, apresentado como "o que há de melhor entre os músicos atuais da Itália, uma espécie de Caetano e Steve Wonder à napolitana": "Bem Que Se Quis". Um clássico baião, "O Xote das Meninas" (Zé Dantas/Luiz Gonzaga) teve um leitura meio reggae, com a citação até do humor de Genival Lacerda, enquanto "Chocolate", de Tim Maia, tem um verso extra - e a participação de um grupo vocal ("The Marilyns"). Outra homenagem nostálgica, esta a Carmem Miranda (1909-1955), com "South American Way" (Al Dublin/Jimmy McHugh), numa saudação às cantoras do rádio. Finalmente um mergulho no mundo do samba-de-enredo com "Lenda das Sereias Rainhas do Mar" (Vicente/Dionel/Veloso), que em 1967 foi o samba-de-enredo da Império Serrano. Eclético, equilibrado e competente. Eis a definição que se aplica a este álbum de estréia de Marisa Monte, provando que merece os aplausos recebidos - embora, para segurar a peteca em seus próximos discos, terá que manter o mesmo nível. Que não seja apenas um estréia auspiciosa. De qualquer forma, como cantora, já é a revelação do ano.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
12
26/02/1989

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