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Em outubro de 1972, o poeta Vinícius de Moraes escrevia na contracapa do elepê de retorno de Nora Ney ("Tire seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor", Som Livre, SSIG 1020), que a ouvindo na casa de samba "Feitiço da Vila", que ela e seu companheiro, Jorge Goulart, teve por algum tempo em Belo Horizonte, reabrindo-a depois no Rio de Janeiro, observou que as moças que se encontravam em sua mesa - "e havia algumas super prá-frente" - choraram" sem remissão ao calor de sua voz suja de vida e de mundo: seu timbre sensual e rascante; seu fraseado bem esdondindo, cheio de misteriosas pausas onde parecem se esconder todas as mágoas, todos os dilemas, todas as retaliações, todas as distâncias, todas as esperas, todas as frustrações e todos os êxtases a que está sujeita uma mulher que se dá por inteiro ao amor". De todos os volumes produzidos por João Luiz Ferrete para a básica e indispensável série "Ídolos MPB" da Continental, por onde já saíram básicas reedições, talvez um dos mais importantes seja este número 19, dedicado a Nora Ney. Pois, somando-se ao elepe da Som Livre e uma reedição feita pela Camdem, possibilita assim aos ouvintes mais jovens, conhecer em sua primeira fase fonográfica - que marcaria os anos 50, em especial na primeira parte, como uma das mais sensíveis cantores da MPB. Nora Ney, na verdade Iracema de Souza Ferreira (Rio de Janeiro, bairro da Olara, 20 de março de 1922), começou a cantar ainda menina, quando fazia curso de técnica em contabilidade no Instituto Rui Barbosa, profissão que abandonaria quando o locutor Osvaldo Elias, da Rádio Tupi (o famoso "Dr. Enfezolino") a apresentou ao diretor Sergio Vasconcelos, que lhe deu a primeira oportunidade no rádio. Naquele tempo, como lembra Vinícius de Moraes, "Franck Sinatra de lá e Dick Farney de cá eram absolutos e nada mais natural que a moça, que começava a dar o recado em festinhas se empenhasse a fundo nas atividades de um fã-clube que tinham fundado: o "Sinatra-Farney onde, em pequenos shows, o que se mandava ver mesmo era o repertório desses ídolos (...) Nada mais natural, também que a moça Iracema - cujo nome artístico era agora Nora Ney, condizente com o repertório das cantoras americanas que ela mais gostava de interpretar - Ella Fitzgerald e Sarah Vaughn - acabasse na mira desse descobridor contumaz que é Haroldo Barbosa, e por ele levada para a Rádio Tupi com a emissão de cantar Noel Rosa durante as férias de Araci de Almeida, já então monstro sagrado. Até que um dia uma fanzoca de Teofoli Otôni, numa carta que lhe escreveu, chamou-a (por assim lhe soava o nome no rádio) de Nora Ney. E Nora Ney ficou". Em maio de 1952, Nora gravaria o seu primeiro 78rpm. De um lado o samba-canção "Menino Grande", de um jornalista e radialista pernambucano, com uma boa quilometragem baiana, que também se lançava como compositor: Antonio Maria (Araujo de Morais, 1921-1964). Do outro lado, o samba-canção (era a grande época!) intitulado "Quanto tempo faz", de dois nomes que dispensam maiores adjetivos: Paulinho Soledade e Fernando Lôbo. O sucesso foi imediato e "Menino Grande" seria uma marca permanente na carreira de Nora Ney, que voltaria a lançar outros antológicos sambas-canções de Antonio Maria, como "Preconceito" (Parceria de Fernando Lobo), "Ninguém Me Ama" (idem) e "Se Eu Morresse Amanhã". Somando-se a isso a gravação do samba "De Cigarro em Cigarro" de Luiz Bonfá, do leve samba-choro "É Tão Gostoso "Seu Moço" (Mário Lago - Chocolate), Nora se firmaria nos anos 50 como uma grande cantora - embora com um estilo intimista, bastante diferente da forma rebolante de Marlene e Emilinha, os grandes ídolos populares da época. Desquitada do primeiro marido, mãe de dois filhos (Vera Lucia foi Miss Brasil há 13 anos passados), esposa de Jorge Goulart desde 1952, Nora Ney apareceu em muitos filmes nos anos 50 e nos seis anos que permaneceu gravando na Continental ali fez 18 discos de 78rpm e um lp ("Eu Sou Nora Ney", LLP 57, dez polegadas), passando depois para a RCA Victor. A partir de 1958, Nora e Goulart viajaram bastante ao Exterior e a frente de caravanas artísticas ou isoladamente chegaram a atuar em 50 países diferentes. Na década de 60, apesar de integrada a Bossa Nova - pois no depoimento do próprio Vinícius, "criadora de um estilo peculiaríssimo, pela emissão e pelo timbre, e sob muitos aspectos, precursora do modo de cantar que a turma da bossa nova mais iria curtir" - Nora afastou-se um pouco. Dedicou-se a sua filha, que chegou a ser Miss Guanabara e Miss Brasil, e ao filho Hélio, hoje estudando na França. Durante algum tempo viveu em Belo Horizonte, onde junto com Jorge tinha a casa de samba "Feitiço da Vila", depois transferida para o Rio de Janeiro. Em 19972 voltou a gravar, na Som Livre, mostrando a mesma categoria e sensibilidade - que hoje mostra no show "Ritmos do Brasil", no Hotel Nacional, todas as noites. Com a merecida homenagem que merece agora na Continental, pode-se ouvir uma grande cantora, com um repertório excelente, arranjos primorosos do maestro Gnatalli, cantando músicas como "Aves Daninhas" (Lupicinio Rodrigues), "Ciuminho Grande" (Carioca), "Meu Lamento" (Ataulfo Alves - Jacob Bittencourt, carnaval/65) e o antológico de "O Casarão". E o disco encerra com "Cansei de Rock" (Moacir Falcão - Armando Cavalcanti), um samba-sáritra que, lançado em maio de 1961, lembra outra deliciosa gravação de Nora Ney, "Zé da Silva" (Geni Marcondes/ Augusto Boal), que lançado em 1962, em compacto simples, é até hoje um dos mais raros discos de sua carreira.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Música
26
25/07/1976

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