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Aramis

Depois do Carnaval

Julinho, o Júlio Cesar Amaral de Souza, 34 anos, dos quais 32 de Carnaval ("aos 2 anos, minha mãe já me levava aos desfiles"), fundador da Escola de Samba Acadêmicos da Sapolândia, hoje dedicando-se, em tempo integral, ao assessoramento das festas populares, na Fundação Cultural de Curitiba, defende, com unhas e dentes, a política de estímulo aos blocos de periferia e fortalecimento das novas escolas de samba. Foi ele e Mário Ferreira, ex-técnico de som do Paiol que fizeram um demorado - mas produtivo - trabalho de estimular a fundação de mais de uma dezena de blocos nos bairros da cidade - que desfilaram já em 1984 e, na noite de terça-feira última, encerraram o Carnaval de rua, em Curitiba. Desses blocos, poderão surgir novas escolas. E o primeiro exemplo é o Deu Zebra no Batuque, dirigido por uma senhora, Lea Dotzin, da Associação Comunitária Santa Efigênia e que foi a grande revelação na abertura dos desfiles das escolas do segundo grupo, na noite de domingo, apresentando um belo enredo, boa bateria, bonito samba-enredo e, principalmente, muita criatividade nas fantasias e adereços. xxx Tanto para as empresas que fizeram a sonorização (Riole) como a iluminação (Tamanduá), o trabalho foi negativo, em termos de lucro, mas positivo, como experiência e qualidade. Eloir Antônio Moro, 33 anos, ex-engenheiro da Copel e que viu tão bem aceitas suas mesas de som que acabou-se demitindo da estatal para se dedicar à sua indústria, recebeu Cr$ 30 milhões para fazer o projeto, instalar o equipamento e cuidar de sua manutenção, nas 4 noites de carnaval. Como a concorrência pública que havia ganho (mesmo com uma proposta maior) foi objeto de interdição judicial, encontrou-se uma solução salomônica: a Brahma repassou Cr$ 30 milhões para a Associação das Escolas de Samba, que pagou a Riole. Calculando o investimento - 31 caixas de som (cada uma valendo mais de Cr$ 1.200.000), cinco mesas de som (duas das quais volantes), fiação, equipe de dez profissionais, Eloir computa em mais de Cr$ 50 milhões seu custo - o que dá um vermelho de Cr$ 20 milhões. Entretanto, não se queixa: -"Meu negócio não é locação de aparelhagem de som. Fiz esse projeto como uma experiência nova e para mostrar a qualidade dos meus produtos. Tanto não quero ficar no ramo de alugar aparelhagens de som que já coloquei à venda as unidades". A sonorização da Avenida Marechal Deodoro foi elogiada. Considerando as dificuldades de jogar o som ao longo de mais de mil metros, Eloir foi feliz no projeto e provou a qualidade das mesas fabricadas: apesar de operadas por mais de 50 horas, não houve necessidade sequer de trocar os fusíveis. Só os cabos é que tiveram problemas, devido ao vandalismo de alguns trombadinhas, que chegaram a cortá-los algumas vezes. xxx Beto Bruel, hoje o profissional mais requisitado para iluminar espetáculos de teatro, estende agora seu konw-how a grandes ambientes, instalando nada menos que 210 refletores (mil watts cada) ao longo da Marechal Deodoro. A Tamanduá, empresa que criou em sociedade com Mário Cordeiro, recebeu Cr$ 16 milhões e gastou cerca de Cr$ 40 para adquirir o material necessário. Só que, a exemplo de Eloir, Bruel também não tem motivos para queixa: o equipamento adquirido terá utilização certa em outros eventos, houve um bom rendimento promocional e o custo de cada refletor aumenta a cada semana. "Assim. É uma questão apenas de se adequar à realidade", explica Bruel, um exemplo de autodidata que deu certo: hoje, entende muito de iluminação e eletricidade, mas jamais fez qualquer curso técnico na área. xxx Vale a pena ser Rei Momo? Reinaldo de Carvalho, o simpático Bola, há 5 anos titular do cetro do Carnaval curitibano, não tem motivos para queixa. Instrutor de percussão do Colégio da Polícia Militar, da Escola Tia Nilza e do Instituto de Assistência ao Menor, com horários flexíveis de trabalho, fatura, mensalmente, quase Cr$ 2 milhões. Para dedicar-se às funções de Rei Momo, a partir de outubro, recebeu uma ajuda de custo mensal de Cr$ 300 mil da Fundação e, agora, mais Cr$ 1 milhão. O Coritiba F. C., para usar sua imagem no "Carnaval do Rei", ofereceu-lhe mais Cr$ 3.500.000, e, por sua simpatia e comunicação, "Bola" já tem vários convites para comerciais. Cada um, obviamente, lhe rendendo algumas centenas de milhares de cruzeiros. No Baile da Ressaca, amanhã, Bola não vai disputar - a exemplo do que aconteceu no ano passado - o concurso que lhe garantiria a manutenção do título. É que, em sua última visita ao Rio de Janeiro, conheceu o carnavalesco e vereador Carlos Imperial que o levou a vários clubes e escolas de samba. Em todos os locais, Bola - um afinado cantor e relações públicas nato - encantou pela comunicabilidade. Resultado: é candidato forte a Rei Momo do Rio de Janeiro para o Carnaval de 1986. Assim, qualquer comprometimento com o Carnaval curitibano para o próximo anos pode prejudicar sua carreira de soberano da folia. xxx Andréa, uma loira sensual, de olhares e gestos insinuantes, acabou abandonando o séquito real na primeira noite do Carnaval. Na sexta-feira, ainda foi ao baile da sociedade D. Pedro II, para receber a coroa de 2ª princesa, mas, desgostosa, por ter perdido para a paulista Silmara, o título principal, acabou preferindo o título e o prêmio de "Garota Sensação", no baile do Operário. Só que assim teve que devolver o prêmio em dinheiro (Cr$ 500 mil), jóias, roupas, sapatos e bijuterias que havia recebido da Prefeitura. E sua renúncia beneficiou a quarta colocada, a tímida Nilda Vasconcelos, que, a partir de domingo, integrou-se ao séquito real. Andréa é bailarina enquanto a rainha, Silmara, é uma das paulistas que o cantor Wilson Roberto trouxe para reforçar o plantel das atrações da Viva Maria, uma das novas boates da cidade - instalada num casarão da Rua Cruz Machado. xxx Observação bem-humorada do veterano carnavalesco e advogado Cupertino Amaral, que julgou o item mestre-sala e porta-bandeira - quando caía a forte chuva de sábado, na Marechal: - O público que vem aplaudir as escolas de samba na avenida merecia ingresso de graça, passagens de ida-e-volta, e, ainda, uma dose de conhaque para enfrentar o frio. xxx O batalhão feminino da Polícia Militar reúne, hoje, algumas das mais bonitas e elegantes mulheres da cidade. Altas, esguias, aspectos dos mais saudáveis, as loiras, morenas e mulatas que formam essa tropa de elite da corporação impressionam a todos. Durante o Carnaval, em duplas, as jovens policiais entusiasmavam pela classe com que se comportavam. Tão bonitas, que um jornalista chegou a comentar: - "Quando olho essas policiais, não escondo meu lado feminino: estou apaixonado por um sargento!" xxx Julinho Souza pode se tornar uma espécie de Sebastião Nery carnavalesco, se completar um projeto que idealizou há anos: reunir as estórias pitorescas do carnaval curitibano. Afinal, há 30 anos acompanhando nosso Carnaval e frequentando todas as quadras de ensaio, o fundador da Acadêmicos da Sapolândia tem um rol de estórias engraçadíssimas. Para que a emoção da homenagem da Garotos Unidos ao Cidadão Samba, Chocolate (Mansuedem dos Santos Prudente, 1933-1984), não transformasse a festa num vale de lágrimas (até o Rei Momo chorou bastante), Julinho lembrou uma estória sobre o espírito gaiato do inesquecível fundador da Ideais do Ritmo. Há alguns anos, visitando a indústria de um velho amigo, para conseguir uma grana, Chocolate foi logo apelando: - Morreu o Bentinho, passista dos bons. Preciso de uma ajuda para ajudar seu enterro. O amigo lhe deu uma boa importância, mas em tom de brincadeira, comentou: - Chocolate, este ano sua escola não vai sair no Carnaval. Não é? - Vai. Porque não sairia? - respondeu Mansuedem. - Mas este é o 18º sambista que você enterra. E estamos em agosto. xxx Foi tão ridícula ajuda (sic) oferecida pela Secretaria da Cultura e do Esporte (?) ao Carnaval - Cr$ 5 milhões - que a comissão organizadora nem quis estudar sua redistribuição entre as escolas e blocos. Afinal, daria pouco mais de Cr$ 100 mil a cada um, o que de nada adiantaria. O curioso - comenta um veterano carnavalesco - é que a Secretaria ainda procurou fazer média política, distribuindo releases "justificando" essa insignificante participação. Mas, tratando-se dessa decadente Pasta, tudo é possível. xxx Prova dos tempos bicudos: somente às 23h30min de domingo, na arquibancada reservada a autoridades e imprensa, um folião atirou um solitário rolo de serpentina na avenida. Se, nos anos 50 e 60, o asfalto das avenidas e ruas do centro da cidade ficava recoberto de confetes ("pedacinhos coloridos de saudade") e serpentina, hoje são raros os que se dispõem a adquirir esses produtos carnavalescos. Aliás, nem lojas que comercializam tais artigos existem mais... xxx Ernani Ribas do Valle, o estimado maitre do Madalosso, satisfez uma antiga vontade: sair como destaque de Escola de Samba. Como a Dom Pedro escolheu o gastronômico bairro para tema, Ernani reuniu uma equipe de garçons e formou uma das alas - pratos na mão, distribuindo polenta ao longo do percurso da Marechal. Pena que nenhum fabricante de vinho da Colônia tenha colaborado com a Dom Pedro para dar um toque mais etílico à apresentação dessa escola do primeiro grupo, que apresentou um bonito samba-de-enredo, defendido pela autora - a crioula Orminda Rosa. Uma voz forte, que pode se destacar profissionalmente.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
14
22/02/1985

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