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Délcio explica quem são os "senhores da direita"

O jornalista Délcio Monteiro de Lima, 46 anos, atuante na televisão de Belo Horizonte e correspondente da revista "Visão" em Minas Gerais, é um profissional que gosta de temas polêmicos. Há três anos fez uma ampla pesquisa sobre o comportamento sexual do brasileiro, lançado em livro Francisco Alves, que inclusive lhe financiou o projeto. Nos últimos meses, Délcio Lima viajou por vários Estados, recolhendo dados sobre a ação de entidades extremistas, que se rearticulam, para escrever "Os Senhores da Direita" (Editora Antares, 168 páginas, Cr$ 300,00). Mesmo sem ter vindo ao Paraná - preferiu ficar mais tempo no Rio Grande do Sul, onde levantou inúmeros dados relacionados com os movimentos integralista e neonazista. Délcio Monteiro de Lima faz em seu livro algumas referências ao nosso Estado. Na página 98, por exemplo, diz o jornalista mineiro: "Na estratégia de compensar as perdas sofridas nos antigos quadros mediante a obtenção de novas adesões, o Paraná, segundo levantamento atualizado desponta como o Estado cujo trabalho de aliciamento tem alcançado resultados os mais animadores". Mais adiante, diz que "semelhante situação de favorecimento dos seguidores de Salgado é encontrada em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em ambos, o integralismo desfruta, quando nada, de condições para preservar suas fileiras, tanto pela tranqüilidade para exercer o proselitismo quando pela facilidade de oferecer compensações através dos meios que lhe são postos à disposição pelas administrações regionais. Ressalte-se que essa situação não é nova, prática habitual que tem sido desde 1964, e que os integralistas, com muito espírito prático, souberam aproveitar, não só nos Estados do Sul, mas de forma ampla, a nível nacional". Alguns dados interessantes que - Délcio oferece: de 1932 a 1937, os integralistas organizaram e puseram em funcionamento, no País, mais de 4.000 núcleos entre órgãos de propaganda doutrinária, escolas de alfabetização, bibliotecas, centros culturais, ambulatórios médicos, farmácias, creches, lactários, cursos profissionalizantes, grêmios esportivos etc. Fundaram mais de 100 jornais, dos quais oito diários, e editaram uma revista. E, acredita-se, foi o poder político dessa estrutura gigante que atemorizou e desestimulou Vargas de um confronto direto com os integralistas, levando-o a preferir outra estratégia: atrair Salgado, neutralizá-lo, dando, a seguir, o golpe de 1937, fechando todos os partidos, inclusive a Associação Integralista Brasileira. Assim aconteceu. Hoje, as ambições integralistas não chegam ao ponto de pretender reviver o poderio da antiga AIB. Não acham inatingível, contudo, uma situação análoga à do período compreendido entre 1952 a 1958, época em que conseguiram manter ativas nada menos de 560 entidades culturais no País, através das quais faziam a pregação das idéias de Salgado. Dessa forma, o objetivo primeiro definido pela Associação Brasileira de Cultura foi a revitalização de tais núcleos. Alguns já voltaram a funcionar. Há, de fato, muito entusiasmo pela iniciativa da ABC. O segundo passo do plano integralista, como desdobramento da aglutinação das entidades culturais de pregação das idéias de Salgado, será a constituição de um movimento já com características nitidamente políticas, tipos AIB, talvez até com o mesmo nome, dependendo das circunstâncias. Mas, ainda, simples movimento político. Isso porque há perfeita consciência de que faltam condições objetivas para uma tentativa de organizar uma agremiação partidária nos moldes exigidos pela legislação em vigor, tanto a curto quanto a médio prazo. O tático, portanto, é aguardar para uma oportunidade em que se afigure segura a perspectiva de êxito a criação de um partido que possa subsistir no cenário político nacional. Em outras palavras, a precipitação seria desastrosa, fatal mesmo para a sobrevivência do integralismo brasileiro. Assim, até que se configure aquele estágio, os integralistas estão sendo aconselhados a ingressar no PDS e, também, a disputar mandados de prefeito, vereador e deputado pela legenda situacionista, jogada que lhes permite manter, sem maiores problemas, cargos e postos de governo anteriormente conquistados e que são realmente valiosos do ponto de vista eleitoral. Em relação ao sistema de poder instalado no País, a partir de 1964, os integralistas não escondem suas decepções. Houve época em que só não romperam com a situação dominante por falta de instrumentos formais para uma atitude dessa espécie. Não constituem um partido ou sequer um movimento político organizado. Tudo, assim, além de inócuo, e até ridículo, seria extremamente negativo de ângulo prático. A troco de nada, perderiam os 1.500 cargos e postos conquistados no governo federal e quase outro tanto nos governos estaduais. Não seria inteligente. E o motivo do desapontamento dos integralistas não é diferente do que também inquieta as outras correntes da direita brasileira, porque se liga diretamente às preliminares da abertura política. Depois de analisar o cronograma de atividades previsto pelos integralistas, Délcio dá uma data importante, para o início de um programa agressivo dos integralistas: a 7 de outubro de 1981, haverá um ato público de apresentação de uma plataforma lastreada no ideário de Plínio Salgado (1885-1972). A data escolhida tem um significado: 49º aniversário do lançamento do manifesto de criação do integralismo, praticamente meio século de presença de idéias que insistem desesperadamente em permanecer vivas nas indefinidas dimensões do espaço político brasileiro. xxx Bom repórter, preocupado em oferecer uma análise imparcial em "Os Senhores da Direita", Délcio Monteiro de Lima procurou mostrar o comportamento dos vários segmentos extremistas - Integralistas; Tradição, Família e Propriedade e o Neonazismo. No capítulo referente ao renascimento do Nazismo ("Uma Saudade Muito Louca"), Délcio recolheu muitos dados que (com) provam a atividade de grupos ativos especialmente no Rio Grande do Sul. Do Paraná, onde tem se registrado alguns pichamentos nazistas em muros e atentados ao cemitério israelita, há poucas referências. Délcio cita apenas um fato histórico, dos anos 30: "Em Curitiba, o "Auslandsdeutsche" (Alemão no Exterior), manual nacional-socialista, era rigoroso na exigência das normas de germanização: "Zelai para que vossos filhos falem e pensem em alemão. Zelai para que em vossos lares e nas reuniões de vossas sociedades se fale alemão entre alemães"2. Hoje os neonazistas do Sul voltaram a insistir nessa prática. São os mesmos que estão ressuscitando as palavras "judeu", "negro" e "mulato", que andavam desaparecidas do vocabulário nos núcleos de colonização". xxx Quase no final de seu livro, Délcio lembra outra entidade da extrema-direita: o "Convívio" - Sociedade Brasileira de Cultura", que aglutina a chamada intelligentsia da direita radical, com sede em São Paulo, dirigida por Adolpho Crippa, 50 anos, gaúcho de Caxias do Sul, filósofo e teólogo, ex-sacerdote ordenado em Roma, professor afastado da PUC por divergências com o grupo ligado ao cardeal Arns, autor de várias obras sobre filosofia e antropologia filosófica, entre as quais "Mito e Cultura", ganhador do Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro (1979) pela publicação dos 3 volumes da "História das Idéias Filosóficas do Brasil". Em Curitiba, a Convívio tem um ativo núcleo, especialmente concentrando professores universitários, alguns da Universidade Federal do Paraná, famosos por seus radicalismos. A "Convívio" domina a Agência de Notícias Planalto (Plana) e uma editora e mantém em São Paulo a Escola de Cultura, Centro de Pesquisas e o Centro de Estudos do Desenvolvimento. Fundada em 1961, caracteriza-se como núcleo de elaboração ideológica e não de prática política. Seu trabalho é basicamente de doutrinação e cerca de 68 mil pessoas já passaram pelas diversas modalidades de cursos de formação política que organizou, ministrados em vários Estados - e para os quais há um intercâmbio de professores, inclusive os do núcleo de Curitiba. A Agência de Notícias Planalto alimenta 1.200 jornais e emissoras de rádio com duas remessas semanais de material jornalístico constituído de informação e análise, inteiramente gratuito. Já a revista bimensal "Convivium", editada desde 1963, tem uma boa circulação. Pergunta Délcio: quem paga a festa do "Convívio? E ele próprio responde: é a UNAP, "espécie de fundação organizada em 1963 pelo próprio "Convívio", para arregimentar recursos destinados à manutenção de suas atividades". A exemplo da TFP, as contribuições em dinheiro para essa União Nacional de Amparo à Pesquisa provêm de empresários de todo o País, especialmente de São Paulo, Rio e Minas Gerais. Em menor escala, também a apoiam financeiramente outros órgãos privados e governamentais, como a Fundação MUDES (Movimento Universitário de Desenvolvimento Econômico e Social), Rio de Janeiro, o Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação (FNDE) e o Conselho Federal de Cultura, ambos subordinados ao MEC e a Secretaria da Cultura do governo de São Paulo. Ultimamente a "Convívio" vem provocando ciúmes em áreas da própria direita. "Estranho, mas absolutamente verdadeiro" diz o jornalista mineiro: "Há como que uma frente de restrições ao comportamento da entidade. As queixas são antigas. Ganharam, porém, maior consistência depois que a Editora Convívio publicou "As Idéias Políticas do Brasil", volume II, obra que, em meio a artigos sobre o autoritarismo, socialismo, neoliberalismo e trabalhismo, teve inseridos estudos com duras críticas ao integralismo, tradicionalismo católico (TFP) e doutrina de segurança nacional (ESG). xxx No final, conclui Délcio Monteiro de Lima, após analisar o comportamento das entidades conservadoras radicais do País: "a direita brasileira não passa de um ajuntamento de direitistas unidos por objetivos comuns, definidos e imediatos, com o apoio de sentimentos anticomunistas generalizados no [testamento] militar e algum tempero doutrinário dos que se consideram ideólogos do sistema do poder. Sua maior sustentação, contudo, está na tendência natural ao conservadorismo muito própria da gente brasileira, característica, aliás, que praticamente inviabiliza uma confrontação esquerda-direita no País e, muito mais, uma luta de classes".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Tablóide
10
28/12/1980

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