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Aramis

Da ximbica aos anos de ouro da Nacional

Quando a Escola de Samba Embaixadores da Alegria entrou na Marechal Deodoro, já na madrugada do último sábado de Carnaval, muita gente - especialmente os jovens - não entenderam bem o refrão do bonito samba-enredo de Carlos Mattar, falando em "Ximbica/Ximbiquinha/Ximbicão". Afinal, o que essa palavra tinha em comum com o homenageado da escola, seu fundador e dirigente por 22 anos, advogado José Cadilhe de Oliveira? Paranaense de Ponta Grossa, advogado da turma de 1957 da Universidade Federal do Paraná, Cadilhe sempre se dividiu entre sua movimentada banca de Direito e atividades carnavalescas, e, especialmente, esportivas, participando de dezenas de entidades, principalmente a Federação Paranaense de Futebol. Desde a década de 50, em sua forma espontânea de se comunicar, sempre bem humorado, se refere às pessoas, independentemente de idade, sexo e posição social, como "Ximbica, Ximbiquinha ou Ximbicão. E de onde ele foi tirar essa expressão? xxx Na década de 50, um dos programas de maior audiência da Rádio Nacional era o "Edifício Balança mas não Cai", produção de Max Nunes e Castro Barbosa, com quadros popularíssimos. Entre eles, talvez o mais famoso fosse o do primo pobre (Brandão Filho) com o primo rico (Paulo Gracindo), que sempre procurava consolar as tristezas do parente sem dinheiro, na busca de alguma ajuda - nunca dada. E o único patrimônio do primo pobre, ao qual se referia sempre com carinho, era sua galinha Ximbica, que se tornou verdadeiro símbolo nacional, a tal ponto que nas eleições de 1955, conseguiu milhares de votos, no mesmo pleito em que "Cacarecos", rinoceronte do zoológico paulista, recebia sufrágios suficientes para lhe garantir uma cadeira na Câmara Federal. xxx Embora Max Nunes, como tantos outros talentos da Rádio Nacional, ainda esteja em atividade, produzindo scripts de humor, na televisão, a "Ximbica" deixou de ser personagem de programas, mas nem por isso foi esquecida. A prova é que Cadilhe de Oliveira jamais se refere a alguém sem usar essa expressão carinhosa. Recorda, inclusive, que, em 1962, ao acompanhar um grupo de estudantes e religiosas ao corcovado, no Rio de Janeiro, olhou para a estátua do Cristo Redentor e não deixou por menos, comentando: - O Ximbicão é realmente monumental! As religiosas se chocaram com a "heresia" do advogado. Mas bastou cinco minutos de papo com Cadilhe para serem conquistadas pela sua simpatia e, no final, uma das irmãs já havia incorporado a expressão ao seu vocabulário. xxx A força da Rádio Nacional, como veículo de integração nacional, nos anos 40 e 50, há muito fazia com que essa organização merecesse um estudo de profundidade. Embora há 9 anos um de seus famosos locutores e animadores, Renato Murce, tenha recordado muitos aspectos interessantes nos "Bastidores do Rádio" (Imago, 1976) e, igualmente, Mário Lago, um dos nomes famosos de seu elenco de radioteatro, cassado em 1964 (ao ser dedourado por César de Alencar) em "Bagaço de Beira Estrada" (Civilização Brasileira, 1977), também tenha se referido a muito do que ali aconteceu, tratavam-se de memórias esparsas. Míriam Goldfelder, em sua tese "Por Trás das Ondas da Rádio Nacional" (Paz e Terra, 1980), ficou numa linguagem extremamente acadêmica, procurando analisar a penetração e domínio ideológico que a Rádio Nacional exerceu durante quase três décadas, nas quais sua força de comunicação pode se comparar, hoje, às redes nacionais de televisão. xxx Faltava, entretanto, um estudo jornalístico, objetivo, capaz de mostrar a trajetória da Rádio Nacional, sua importância para a música popular brasileira, seus grandes programas, os ídolos de seu auditório, enfim, toda uma época de vida brasileira. Felizmente, dentro do projeto Lúcio Rangel de Monografias, a Rádio Nacional entrou como tema de pesquisa há três anos e o trabalho vencedor, de Luiz Carlos Saroldi e Sônia Virgínia Moreira, acaba de ser lançado em livro ("Rádio Nacional, o Brasil em sintonia", Funarte/CNDA, 126 páginas). Os autores, ambos profissionais da Rádio Jornal do Brasil (Saroldi produz e apresenta, há 10 anos, os programas "Noturnos" e "Especial") realizaram um trabalho fundamental para quem se interessa pela comunicação no Brasil. Tendo um ponto importante de referência, o arquivo do jornalista, advogado, escritor e principal ideólogo e administrador da emissora, Gilberto de Andrade, realizaram um dos mais objetivos livros, sem a linguagem sofisticada e acadêmica que normalmente torna intragáveis teses como a de Míriam Goldfelder. xxx A Rádio Nacional foi fundada pela empresa jornalística "A Noite", quando essa empresa já pertencia à Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande, um dos tentáculos da onipresença, no Brasil, do capitalista norte-americano Percival Farquhar, promotor de empreendimentos tão diversos quanto a construção da Madeira-Mamoré (Ferrovia do Diabo), e concessões de gás, luz e telefones do Rio de Janeiro, ou a exploração do minério de ferro de Itabira. Historicamente, a Rádio nasceu a 18 de maio de 1933, com a inauguração, oficialmente, quatro meses depois, a 12 de setembro, quando se ouviu pela primeira vez o prefixo da emissora, idealizado por Almirante e na execução de Luciano Perrone no vibrafone. Quatro anos depois, quando Getúlio Vargas criou as Empresas Incorporadas ao patrimônio da União (8/5/1940), a Companhia Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande tinha uma dívida superior a três milhões de libras esterlinas para com o governo federal e, por isso, foi federalizada, incluindo o acervo das sociedades "A Noite", "Rio Editora" e Rádio Nacional. E, para sua direção, era designado o advogado e ex-cronista de rádio, Gilberto de Andrade, que dirigia a emissora até março de 1946, estruturando-a como a grande emissora brasileira. Difícil encontrar alguém com mais de 40 anos que não tenha sido ouvinte da Rádio Nacional e não se recorde, com nostalgia, de seus grandes programas. Por exemplo, "Um milhão de melodias", que estreou a 6 de janeiro de 1943 e ficou no ar mais de 20 anos, trazendo a grande orquestra com arranjos do maestro Radamés Gnatalli e vozes como as do Trio Melodia (Paulo Tapajós/Albertinho Fortuna/Nuno Roland). Os grandes programas de auditório - Manoel Barcelos, César de Alencar e Paulo Gracindo; os programas montados de Paulo Tapajós (que foi o profissional de atuação mais constante na emissora) e Almirante. Sem falar que foi na Nacional que nasceu a radionovela, a partir de "Em Busca da Felicidade", do cubano Leandro Blanco, editada por Gilberto Martins. Iniciada em junho de 1941 (segundas, quartas e sextas-feiras, às 10h30min), ficaria em cartaz até maio de 1943. xxx Só a leitura do livro de Luiz Carlos Saroldi e Sônia Virgínia Moreira, em forma atraente e jornalística, pode mostrar o que foram a Rádio Nacional e sua importância, a partir dos anos 30, especialmente nas décadas de 40/50. Uma contribuição nem sempre avaliada em toda a extensão, produzindo maestros, cantores, compositores, produtores, locutores - enfim de toda a programação da PRE-8 para a evolução da música e da cultura brasileira como um todo.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
23/02/1985

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