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Aramis

A Curitiba de Nireu e seus amigos na corrida do tempo

Do bar do Botafogo ao Bar Vilariño, gerações embriagam-se de poesia, ternura e nostalgia. De Ernest Hemingway à anônimos cronistas e poetas amadores cada um procura saudar e cantar os bares de suas juventudes. Ao redor de mesas em que tudo era permitido, especialmente sonhar, amar e viver intensamente. Coincidentemente, três livros - um lançado nacionalmente ("A Mesa do Vilariño", de Fernando Lobo), outro feito à revelia de seu autor ("Espeto Corrido", de Nireu Teixeira) e outro um projeto de [marketing] cultural, feito com muitos colaboradores ("O Rio é o Mar, Curitiba é o Bar", patrocinado pela Brahma, lançamento dia 30, hotel [Bourbon]) identificam-se num aspecto: o referencial é o bar, ponto de ancoragem obrigatória de homens (e algumas mulheres em determinados períodos da vida, que, passados 30 ou 40 anos, retornam com aquela dorzinha que se chama Saudade. xxx Definida como "uma conspiração de amigos", a reunião de crônicas que Nireu Teixeira, 63 anos a serem completados no próximo dia 11 de abril, é a realização de uma idéia que há muito cobrávamos em nossas colunas: a reunião das afetivas crônicas que Nireu, advogado, jornalista, boêmio da velha escola, o melhor executante de caixinha-de-fósforos para acompanhar um bom violão (*), e que há duas décadas tem sido o anjo-de-guarda protetor de Jaime Lerner em suas andanças político-administrativas. Nireu sabe contar estórias e acrescentar a cada uma delas um toque muito especial. Melhor ainda: sabe escrever com leveza, o que fez por mais de 25 anos em diferentes redações, especialmente no antigo "Correio de Notícias", na Rua XV de Novembro, quando Luiz Renato Ribas - o inesquecível Renatão, ali comandava uma geração de profissionais da melhor estirpe. Também neste "Almanaque", mais recentemente, Nireu publicou suas crônicas, já com o título de "Espeto Corrido", que anteriormente, enriqueciam o "correio de Notícias". Crônicas em que Nireu fala principalmente de seus amigos - publicitários, colegas de jornalismo, alguns companheiros de toda uma vida como Luiz Fernando Arzua, irmão de copo e de sonhos, com os quais tem uma longa quilometragem de noites curitibanas. Sem fixar-se estritamente num único endereço etílico-gastronômico, os textos de Nireu, em grande parte, originam-se dos encontros ao redor do copo e do prato, na informalidade das conversas sem compromissos, quando não existia a tirania do relógio ponto, da gravata, dos compromissos oficiais. O próprio Nireu, hoje circunspecto Secretário Municipal de Governo, após ter sido o chefe-de-gabinete de seu amigo Lerner desde seu primeiro dia na administração de Curitiba, em março de 1971, já não tem mais podido viver aquela liberdade boêmia enriquecedora. As responsabilidades do cargo, a idade - a saúde que tem que ser vigiada - são barreiras difíceis de transpor, mas a maior delas é que os próprios bares e restaurantes da Curitiba dos anos 40 a 60 já são também saudade. Com raras exceções (Stuart, Botafogo, Palácio), entre outros, já descaracterizados, os endereços de uma época da vida curitibana desapareceram. E, infelizmente, com eles, também o universo humano que o povoava com suas estórias, seu humor, seus porres... As crônicas de Nireu, quase todas minimalistas, falam de pessoas que com ele convivem ou [conviveram], principalmente do publicitário Sergio Mercer (que foi coordenador deste afetivo projeto editorial), Caio Soares, Luis Fernando Arzua, Renato Schaitza, Erailto Thiele, Atilio Cômdo (Tilico) e, de um amigo que desde julho de 1990 já não está mais entre nós: Osires de Brito. Advogado como Nireu, seu amigo de juventude, Osires, que foi secretário particular do governador Moyses Lupion, participou intensamente da vida noturna e deixou grandes estórias, é hoje o patrono de uma fundação cultural espontânea, sem estatutos e registros legais (ao menos até agora), mas que é a razão jurídica para esta edição financiada com ajuda da Tipograf, Editora Posigraf, Estúdio Gráfico Fotolitos Ltda e que teve direção de arte de Henrique Brodhage. Poty Lazarotto fez, graciosamente, belas ilustrações e a capa, com seus traços tão curitibanos quanto as carrocinhas de polacas que marcavam a paisagem urbana antes das vias expressas. As crônicas de Nireu não tem título. Apenas as primeiras palavras de cada texto ganham caixa alta para identificá-las, o que faz com que os nomes de seus amigos-personagens se destaquem em dezenas delas. Um livro afetivo, de estórias totalmente locais, a que pode inclusive limitar o seu entendimento e absorção por quem não conheça muito bem as pessoas e os ambientes de que Nireu fala. O que faz com que esta edição cuidadosa mereça apenas uma restrição: ficaria completa se tivesse sido acrescentado um minidicionário e mesmo "mapa humano" curitibano explicando alguma coisa sobre personagens e locais citados repetidamente. "Mas isto fica para a 2a. edição", promete Mercer, confiante de que os 2 mil exemplares (CR$ 25 mil cada), estarão esgotados em breve. Sem dúvida! Nireu Teixeira tem pelo menos 3 vezes mais de amigos feitos ao longo de uma vida feliz, bem humorada e curitibana como poucos. Notas (*) Gupertino Amaral, 61 anos, advogado, também um boêmio histórico e exímio executante de caixa-de-fósforos, não concorda quando atribuem a Nireu o mérito de ser o melhor "executante" deste original instrumento: "Eu sou o melhor, o Nireu é o segundo". Mas o melhor mesmo foi Mestre André da escola de Samba Mocidade Independente Cupertino, aliás, foi um dos poucos amigos que Nireu esquece de mencionar em suas crônicas, embora companheiros de muitas noitadas musicais. LEGENDA FOTO: Gente na mesa do bar Vilariño ouvindo Antônio Maria falar: Dircinha Batista, Odorico Tavares, Aracy de Almeida, o fotógrafo e cinegrafista José Medeiros, Iolanda Garcez e Linda Batista. Diz Lobo: "A noite era grande e nela cabíamos todos".
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
22/03/1992

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