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Aramis

Crise de público não tira o otimismo do nosso cinema

Mesmo que exista uma crise real em termos de espectadores do cinema brasileiro - e da própria política da Embrafilme - não há, ao menos aparentemente, pessimismo. Ao contrário do ano passado, quando o então presidente da Embrafilme só se limitou a vir no terceiro dia do festival, aqui permanecendo menos de 12 horas (afinal, um estranho no ninho, sentiu mesmo que não havia clima para a sua detestada presença). Este ano, Roberto Farias e Afonso Beatto foram os primeiros a chegar. Farias, 52 anos, 35 de cinema - em 1982, depois de ter deixado a presidência da Embrafilme (para a qual foi conduzido pelo então ministro Ney Braga, da Educação e Cultura) provocou o maior choque político da história do festival de Gramado, aqui fazendo a primeira exibição do contundente "Pra Frente, Brasil" no qual, na melhor forma do cinema de Costa-Gavras, denunciava o regime militar. Apesar da abertura do governo Geisel, a força de suas imagens (que puderam ser revistas na sexta-feira, com a exibição do filme na Globo (também à disposição em vídeo selado), o filme irritou os donos do poder: o SNI pressionou o júri, que assim mesmo concedeu dois Kikitos ao filme (melhor filme; melhor montagem), mas só 10 meses depois "Pra Frente, Brasil" foi liberado. Hoje, Roberto Farias preside o Concine e está preocupado em combater a pirataria do vídeo e fazer cumprir a lei que garante aos filmes brasileiros 144 dias de exibição obrigatória por ano (há duas semanas, o Condor foi fechado por um dia porque não vinha cumprindo a lei). Farias retardou o projeto de fazer um novo filme político - "O Caso Marli" (sobre a coragem de uma humilde mulher que enfrenta a corrupta polícia militar carioca em busca de justiça para os assassinos de seu irmão) e vê seus filhos fazendo filmes: Lui, depois do êxito que foi "Com licença, eu vou à luta" (aqui premiado há 2 anos), prepara "Lili Carabina", com roteiro de Aguinaldo Silva; Maurício, que fez o elogiado curta "À espera", roteiriza "Corpo vivo", de Adonias Filho. Afonso Beatto, um dos mais importantes fotógrafos do cinema brasileiro, longa vivência nos EUA, preside hoje a Fundação Brasileira de Cinema, e aqui chegou no sábado, com sua esposa Suzana de Moraes, filha do poeta Vinícius, e que está em pré-produção de seu primeiro longa, com o título de "1.001". A presença de cineastas e executivos como Farias e Beatto, na abertura do festival - e que estiveram na reabertura do cine Embaixador, representou o prestigiamento maior ao trabalho que uma grande equipe que, comandada pelo vice-prefeito Enoir Zorzanello, vem realizando para fazer de Gramado um festival cada vez de maior importância. Há 6 anos na direção executiva do festival, hoje conhecido nacionalmente, Zorzanello fez o festival ter sua consolidação maior - e agora, candidato a prefeito nas próximas eleições (com amplas chances de vitória), sabe que, tal como mostras internacionais (Cannes, Berlim, Veneza), Gramado não pode mais ter seu festival interrompido por razões políticas e, economicamente, mesmo com a inflação e custo de muitos milhões, é hoje um dos projetos mais rentáveis, não só em termos promocionais, mas no que representa para a cidade. Uma centena de filmes foram inscritos nas várias categorias e os 7 concorrentes na categoria de longa-metragem, todos de nível, representam uma prova de que o cinema brasileiro tem problemas mas não pela falta de talentos. Ao contrário, há longas de estreantes como Roberto Gervitz ("Feliz Ano Velho", que abriu o festival), Rodolfo Brandão ("Dedé Mamata") e norma Bengell ("Eternamente Pagu"), filmes intimistas como "A menina do Lado", de Alberto Salvá (programado para quinta-feira) e "sonhos de Menina Moça", de Tereza Trautman (exibido segunda-feira), um filme-noir como "A Dama do Cine Shangai", do paulista Guilherme Prado, ou a superprodução "Luzia Homem", de Fabio Barreto - rodado no Ceará, Estado natal do produtor Luiz Carlos Barreto - são exemplos de obras realizadas com alto nível de profissionalização e que buscam não apenas o mercado nacional reconhecidamente incapaz de remunerar os custos de produção - mas têm pretensões internacionais. Ao lado dos longas, curtas (em 16mm e 35) e médias, programados em sessões paralelas, além de uma amostragem do vigoroso cinema gaúcho (hoje o 3o. pólo de produção do país), fazem com que, com toda razão, a imprensa nacional abra o maior espaço para esta 16a. edição do Festival de Gramado. Que tem um detalhe: embora ao contrário dos anos passados, não aconteça o seminário "A mulher e o cinema", a presença do segundo sexo se faz sentir atrás das câmaras: dos 32 filmes concorrentes - inclusive dois longas - "Pagu", de Norma Bengell, e "Sonhos de Menina Moça", segundo longa de Tereza Trautman que traz no elenco a gaúcha Tônia Carrero, que há 13 anos não fazia cinema. LEGENDA FOTO: "Sonhos de menina-moça", de Tereza Trautman.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
21/06/1988

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