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Aramis

Corações em chama na comédia do casamento

O tema não poderia ser mais tradicional: ciúmes e crises de um casamento. Os cenários são atraentes: Nova Iorque e Washington. O filme começa com uma cerimônia de casamento. Rachel conhece Mark. Algumas taças de champagne depois estão na cama e as habilidades da mulher no amor e na cozinha (afinal, ela prepara um spaghetti que deixa o espectador com água na boca) faz com que a relação caminhe para um inesperado casamento. Mark é jornalista, famoso colunista em Washington e por ele, Rachel abandona seu prosaico trabalho de redatora de culinária numa revista nova-iorquina editada por seu amigo (e apaixonado), Richard (Jeff Daniels). Washington é uma Brasília, mais velha. Uma vida voltada ao lar, aos amigos, com prosaicos programas. E, tal como em nosso Distrito Federal, de muitas infidelidades - ao qual Rachel não aceita, embora sabendo que, antes de casar, Mark Forman já era um heartbraker contumaz. Duas gravidez depois, volta a proteção paternal em Nova Iorque, para a insegurança de sessões de psicanálise e assaltos de ladrões que conhece no metrô. Um roteiro extremamente simples, desenvolvido por Nora Ephron, que há três anos passados contando a história (verídica) da corajosa Karen Silkwood, funcionária de uma usina nuclear que foi morta ao denunciar os riscos que a mesma oferecia ao seu pessoal, ofereceu tema para um notável filme do mesmo Like Nichols - e dando a mesma Meryl Streep oportunidade de criar outro marcante papel em sua carreira. Agora, a trama é muito mais pessoal, íntima. Conflitos conjugais nos quais a ação não transborda para o âmbito profissional - ao passo que de Mark não se sabe sequer o jornal em que trabalha - talvez para evitar problemas legais num processo de Bob Woodward, ex-"Wassington Post", e que se tornou um superstar da imprensa no caso "Watergate" (episódio aliás levado a tela por Alan J. Palula em "Todos os Homens do Presidente", há dez anos passados). Simplicidade. Esta é a receita que faz de "A Difícil Arte de Amar" um filme de empatia universal. Mulheres e homens se identificarão com personagens e situações. Comédia Humana. A comédia das pequenas tragédias. O riso que fica pela metade. A comédia de comportamentos. As situações aparentemente engraçadas. O humor do quotidiano. isto é o que Mike Nichols consegue transmitir em tantos momentos de "Heartburn" - palavra que pode tanto significar coração em chamas, literalmente, como "azia" ou "mal estar". O casamento, a fidelidade - uma temática que tem rendido centenas (milhares, milhões) de romances, peças e filmes, é perfurado mais uma vez. "A Difícil Arte de Amar" é um filme para muitas emoções. Aberto a leituras diferentes e que tal como outra recente presença, por coincidência também interpretada pela mesma Meryl Streep - em "Amor À Primeira Vista" (de Ulu Grosbard) - trazendo a questão das relações conjugais para o aqui e agora - independente da ação se passar nos Estados Unidos. Em "Amor À Primeira Vista" refilmagem do clássico "Desencanto" (Brief Encounter, 45, de David Lean) a relação de uma prosaica (e frustrada) dona-de-casa com um arquiteto casado (Robert De Niro) não chegava a se completar. Em "A Difícil Arte de Amar" a infidelidade é vista do ponto de vista feminino. Nichols não poderia ser mais feminista. Talvez por isto mesmo, a compositora-cantora Carly Simon, ironicamente, tenha usado na trilha sonora até um tango ("Adios Muchachos"), em arranjo moderno, para marcar, logo no primeiro encontro um clima arrastado para um dramalhão que se não fosse a competência dos intérpretes e linguagem dinâmica do diretor, poderia fazer o filme cair em seu andamento. Isto não acontece felizmente! Talvez "A Difícil Arte de Amar" não faça chorar - mas é daquelas fitas que conquista o público. Em estréia nacional, chegando portanto sem maior badalação refletida do eixo Rio-São Paulo, "Heartburn" merece ser vista pelo e espectador que sabe apreciar o cinema up to date e para o fundo do coração.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
18/11/1986

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