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Aramis

Como a Fucucu desestimula o cinéfilo de amanhã

Testemunhamos pessoalmente. 19h47 do dia 7 de fevereiro de 1989, terça-feira de Carnaval. Um adolescente, idade aproximada de 12/13 anos, chega ao cine Groff, na Rua 15 de Novembro, apresenta-se ao bilheteiro, identificando-se como filho de um funcionário da Fundação Cultural de Curitiba/Secretaria Muncipal de Cultura, mostrando o documento de seu pai. Explica: - Eu sei que os funcionários da Fundação têm acesso, uma vez por semana, aos cinemas da Prefeitura. Eu gostaria de assistir ao filme. O porteiro chama o gerente, o simpático Willy Schulmann (também video-maker e superoitista, integrante da Turma do Balão Mágico, há alguns meses gerenciando aquela sala) que é objetivo. - O direito de ingresso é só para seu pai. Para v. não vale. O adolescente tímido, tenta argumentar: - Mas meu pai não gosta de cinema. Por isto cedeu-me o documento para que eu possa aproveitar e assistir aos bons filmes. - Não, responde Schulmann. Só vale para ele. O garoto faz uma última tentativa. - E se eu telefonar para meu pai? Ele poderia confirmar o que eu disse. - Não adianta. Não dá. A ordem que eu tenho é esta. E eu cumpro ordens, diz o gerente. Para justificar sua situação, Schulmann encerra o diálogo: - Nada posso fazer. A ordem vem lá de cima. *** Quem será o "lá de cima" que orientou os gerentes das salas de exibição mantidas pela Prefeitura de Curitiba - ou seja, pelos impostos municipais (a Fucucu custa mais de Cz$ 5 milhões/dia a nossa população) para ser tão implacável? Será um resquício da administração anterior que só via os cinemas como fontes geradoras de lucros? Ou será uma nova determinação dos novos donos do Poder Municipal? Evidentemente que há "explicações" oficiais para a determinação - e nem estranharemos se chegarem até em forma epistolar com o timbre da Secretaria Municipal de Cultura. Naturalmente que a Fucucu - embora mantida pelo povo - não pode abrir suas salas de exibição, gratuitamente, a toda população. A concessão que fez aos funcionários, iniciativa tomada, aliás, já há alguns anos - não deixa de ser simpática, para estimular aos servidores da área cultural a conhecerem os filmes que são exibidos nas quatro salas de projeção. Entretanto, não deixa de ser revoltante que um adolescente, em plena noite de Carnaval, ao preferir assistir a um filme, que poderia enriquecê-lo culturalmente, é proibido de entrar no cinema, porque o benefício só atinge ao seu pai - este, possivelmente idoso, desinteressado - preferindo o conforto da televisão. Talvez o filme em exibição - "Travessia Para o Futuro" (Idaho Transfer, 1973, de Peter Fonda), um science-fiction hermético e numa cópia bastante estragada - nem fosse agradá-lo. Mas o garoto mostrava interesse em ver o filme. Um pouquinho de sensibilidade da parte da administração para contornar casos como estes não iriam trazer nenhum prejuízo ao tesouro municipal - para o qual, acredita-se, seja encaminhada a arrecadação dos cinemas. Afinal, ordem é ordem, mas os cinemas da Fucucu não podem visar unicamente lucros. A exploração dos cinemas - e com eles obter rendimentos - não está, ao que consta, entre os objetivos do município. Se há cinemas oficiais, estes devem ter um filosofia, política e programação especiais - o que, aliás, em Curitiba, nem sempre acontece. Oficialmente, tudo correto. O gerente Willy Schulmann apenas cumpriu as ordens recebidas "lá do alto". Em termos de estímulo cultural, a questão é outra. Um detalhe: a sessão das 20h do cine Groff, no dia 7/2/89 - à qual o garoto não pôde assistir - teve pouquíssimos espectadores. Por pouco não foi suspensa. Portanto, um poltrona ocupada não custaria nada. E, talvez, naquela sessão nascesse um novo cinéfilo. São coisas da cidade e de nossa vida "cultural". *** Em tempo: o prefeito Jaime Lerner é um cinéfilo apaixonado.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
16/02/1989

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