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Aramis

Com coraçào & razão

O desafio era assustador: uma voz pequena, intimista, quase cameristica contra um auditório de 2.300 lugares. A aparelhagem de som nem sempre funciona e os riscos eram grandes. Mas bastaram os primeiros instantes para o auditório ser iluminado sonoramente por aquela voz doce e suave, que há 16 anos provoca, a revelia de quem a emite, tanta polemica. Nara Leão, uma cantora que tem fugido de rótulos e slogans mas que, mesmo querendo, jamais parou de cantar e, de uma forma muito feliz, participou de tudo que aconteceu de importante na musica popular brasileira a partir de 1962. No inicio, a Bossa Nova - que ela viu nascer, em seu apartamento, na Avenida Atlântica, Rio de Janeiro, e na casa de amigos, na qual seria imposta como "musa" - rotulo que abomina, embora hoje, num distanciamento critico do tempo, interprete, como ninguém clássicos do movimento ("Esse Seu Olhar", "Corcovado", "Desafinado"). Após "Opinião" e "Liberdade, Liberdade", veio a fase dos Festivais da TV Record ("A Banda"; "A Estrada e o Violeiro"), e em seguida a Tropicalia ("Lindoneia"). O casamento (em 1967) com o cineasta Caca Diégues e quase dois anos de vivência em Paris, não a afastaram da música: mesmo cuidando da casa e da primeira filha, Isabel, encontrou tempo para fazer versões de musicas de Georges Moustakis ("José") e gravar, finalmente, um álbum duplo, revisitando o que de melhor houve na Bossa Nova. De volta ao Brasil, apesar de um segundo filho, Francisco, e de um curso universitário - Psicologia, na PUC-RJ, continuou a fazer coisas da música e da arte: atuação no filme "Quando o Carnaval Chegar", os discos "Meus Quinze Anos" e "Meus Amigos São Um Barato", da saudável participação em "Os Saltinbancos". É necessário rememorar, mesmo rapidamente, as diferentes etapas da carreira de Nara Leão para entender um fenômeno curioso: longe da badalativa maquina de promoção, preferindo o lar & a família do que os endereços da moda, ela consegue ter um público cada vez mais fiel e jovem, que estende os aplausos a cada noite, ao final de sua apresentação no Projeto Pixinguinha (hoje e amanhã, Guaíra, 18h30 min, últimas apresentações) por vários minutos. Um publico na faixa de 15/22 anos, que curte realmente o trabalho que mostra agora, ao lado de Dominguinhos, sanfoneiro e amigo, com quem vem desenvolvendo um trabalho seguro e atual. Depois de seis semanas de temporada no Rio, Nara e Dominguinhos ajustaram o show de quase 3 horas para os 90 minutos de duração do Projeto Pixinguinha, levando o encontro da musica nordestina de Dominguinhos/Anastácia, somado ao chorinho do excelente grupo Os Carioquinhas ("Noites Cariocas", "1x0") a canções que mostram a versatilidade de Nara, da Bossa Nova ao frevo ("Pombo Correio", "frevo Novo"), passando por Caetano Veloso ("Tigresa", "A Filha da Chiquita Bacana"), Gilberto Gil ("O Seu Amor") e com um momento maior, no maravilhoso "João e Maria"(Chico/Sivuca), no dueto voz-violão de Nara, acordeão de Dominguinhos. Nara que há 14 anos, na estréia do "Opinião", praticamente lançava o paraibano João do Valle e que depois, em 1973, dava uma grande força ao cearense Raimundo Fagner - com o qual chegou a fazer um belo show no Teatro do Paiol, hoje continua a procurar a extensão de Brasil em sua musica: o encontro com Dominguinhos, mais do que o casual artístico, é uma integração da formação urbana a musica rural. Nara, mulher e artista que sempre soube o que quis e escolheu o que cantou (o que faz de sua discografia, toda na Phonogram, da maior seriedade), jamais aceitou a arte a gratuidade do entretenimento. Cantar, para ela, sempre foi uma ação política, capaz de contribuir para com o seu semelhante. E isto, por certo é que faz há 15 anos ter um publico cada vez maior e mais fiel. O acordeão de Dominguinhos, os violões de Maurício Carrilho e Rafael Sete Cordas (15 anos, um dos maiores talentos surgidos nesta década), o bandolim e flauta de Paulo e o cavaquinho de Luciana, mais o ritmo nordestino de Borel (bumbo), Zezinho (triângulo) e Zé Gomes (pandeiro) se integram em um espetáculo duro e inteligente, criado por Túlio Feliciano, com assistência de Othoniel Serra, que faz com que um publico jovem encontre no palco do Guaíra, momentos da maior dignidade musical e que, a geração dos 30 anos para cima, veja em Nara, a mesma consciência e bom gosto musical que a faz, mais do que a mitológica musa da Bossa Nova, uma presença real, adulta - e as vezes incomoda, para alguns dentro da criação artística dos anos 60/70.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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Tablóide
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20/04/1978

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