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Cinema

<< Sonhos do Passado >> (Cine Condor, hoje último dia em exibição) é um corte (de navalha) na vida de um empresário de meia idade Harry Storer (Jack Lemmon-foto), acompanhando-o, como uma testemunha, ao longo de 36 horas de sua vida. Da primeira seqüência em que a fotografia de Jim Crabe sai das amarelas flores do jardim ao redor da piscina na mansão de Beveriy Hills, Los Angeles, onde ele reside com a esposa Janet (Patrícia Smith), e penetra na intimidade angustiante de seu pesadelo, até a marcante cena final - em que contempla, como num sonho, a suve e invejável esperança e liberdade dos garotos jogando baiseball num parque da cidade, "Save the Tiger" não tem uma cena que não faça o espectador acompanhar com uma nervosa ternura a sete extraordinário personagem criado pelo roteirista Steve Shagan. "Save the Tiger" é um filme que proporciona as mais diferentes análises, embora seja linear claro e simples em sua linguagem. John G. Avildsen, que anteriormente só havia realizado um longa-metragem ("Joe", inédito no Brasil), demostra nesta produção financiada pelo próprio Lemmon, que o cinema continuará, como o teatro, a ser importante enquanto os reais criadores não temeram o despojamento, o nu dos sentimentos. Pois é isto - e apenas um dos múltiplos aspectos de "Sonhos do Passado" - que o fazem uma obra-prima e, com toda a certeza, um dos melhores filmes de 74: todas as dúvidas e Harry: Storer, sócio de uma fabricação de confecções, ex-soldado na II guerra Mundial (atônito ao ver os biquínis cobrindo a praia de Anzio, onde ele só viu sangue e o desespero de sua Terceira Companha), casado com uma mulher sensível, uma filha, Andrey, estudando na Suíça ("longe da poluição e das drogas" , como otimisticamente pensa sua esposa). Cumpridor da lei e da ordem, dos compromissos e encargos administrativos durante 15 anos, Harry vê, com desespero, a falência ameaçar sua empresa, o que o leva a recorrer a um incendiário profissional ("um técnico não um piro-maniaco" como salienta), que marca encontros num cinema de porno-filmes, "onde há 15 anos eu assistia "Quo-Vadis?", como diz o apavorado sócio de Harry, Phill Greene ( Jack Gilford). Mas por trás do drama econômico que o ameaça em sua sofrida e dura tranqüilidade de consumo )"Você voltaria a ser empregado?", pergunta Harry ao sócio Phill), o mais importante é a duvida existencial de criatura Harry, que como um tigre perdido na selva de asfalto )" Só restam 553 tigres" informa o anôn-mo cidadão, que pede a sua assinatura para a campanha em favor da preservação dos tigres), confunde os anônimos comprades de suas roupas com os companheiros mortos, 30 anos atrás, na Itália e que se angustia ao encontrar a jovem de 20 anos, Myra )Laurie Helneman), que não sabia que os EUA haviam lutado na Itália, confunde Herman Goering (1893-1946), chefe da SS, idealizador da Gestapo e ministro de Luftwaffe, com um cantor pop e declara como projeto existencial de vida, a trilegia paz-amor e passar uma noite com Mick Jagger, o líder dos Relling Stones. É difícil, diria quase impossível, destacar em "Save The Tiger", qual a seqüência mais importante, o diálogo de maior significado. Se tivesse que selecionar três, arriscaria pela asfixiante cena em que Harry Stoner tenta falar aos compradores de roupa, na grande convenção e só vê os seus companheiros da Itália; o encontro com Myra e o jogo dos nomes conhecidos, estabelecendo a união de duas gerações - ele citando as personalidades de sua adolescência, quando tocava bateria num clube de estudantes, eles falando dos ídolos da música pop em 1972 (ano de produção do filme), e, obviamente, a última seqüência, que o espectador guarda na retina, com Harry observando o jogo de beiseboll dos garotos e sonhando em voltar em uma infância distante (referencia também ao diálogo no restaurante chinês, quando Phil Greene diz: "As crianças dormem com ratos e nós fotografamos a lua"). Social, político, psicológico, dramático, com um humor amargo, flash de "american way of life" , qualquer edjetivação em torno de "Sonho do Passado" é pequena para explicar esta obra-prima do jovem cineasta Avildsen "Save the Tiger" tem que ser visto e consumido como um dos últimos grandes momentos do cinema pessoal a, paradoxalmente, realizado por um jovem. Desconheço o trabalho dos outros atores indicados ao Oscar-74 mas se os membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas não darem as douradas e Lemmon e Gilford, como melhor ator e melhor coadjuvante, estarão fazendo a mais clamorosa das injustiças. E no elenco de suporte, a auspiciosa estréia de Laurie Heineman; Norman Burton como Fred Mirrel, Tayer David na expressiva criação do incendiário Charlie Robbins e, muito especialmente, Willian Hansen como Meyer, o velho russo, excelente cortador de roupas em turras com o homossexual Rico, refugiado cubano e representante de um novo pensamento com o qual ele não concorda. Para Parker como a prostituta "Margo" também tem uma seqüência marcante. Na trilha sonora, Marvin Hamlisch, que há 5 anos, noutro filme estrelado por Lemmon ("Um Dia em Duas Vidas" de Stuart Rosenberg), já revelava sua sensibilidade-criatividade, realizou um trabalho apropriado, que nos faz desejar ver a trilha sonora em lp: ao lado dos próprios temas, a perfeita utilização de "Air Mail Special" de Jimmy Mundy, Benny Goodman e Charlie Christian (1916-1942); "Stomplana`t the Savoy" de Goodman, Chick Webb (1909-1939) e Edgar Sampson e "I Can`t Get Started" de Vernon Duke e Ira Gershwin - dão aos 100 minutos de "Save the Tiger" o som perfeito para fazer com que a nostalgia de Harry Stoner seja ainda mais intensamente sentida, entre a poluição-irritação do "zoológico", e no qual as referências ecológicas e dos animais - lembradas pelo idealista "salvador de tigres" em seu anônimo movimento na rua ou por Myra, ajudam, mesmo a parcela mais insensível do público, a sentir profundamente todos os significados deste "tigre" que Harry procura desesperadamente quando era um rapaz, segurar pela cauda. Mas que como todos os sonhos de sua época também morreu. (Aramis Millarch).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Cinema
1
22/03/1974

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