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Aramis

As cidades e o meio ambiente nos documentários da Jornada

Salvador - Encerrada a XVIII Jornada Internacional de Cinema da Bahia, com uma programação que incluiu mais de 150 filmes e vídeos - 106 dos quais em competição - uma constatação óbvia: mesmo com todas as limitações que a produção alternativa (e mesmo marginal) que este evento reúne desde 1971, de realizadores de vários países do terceiro mundo - comprova que as imagens possuem uma força de documentação, denúncia e mesmo promoção que nenhum outro veículo garante. Vendo-se filmes e vídeos que discutem a questão urbana, abordagem de problemas como da mulher e infância marginalizada, o colonialismo cultural, folclore, o jornalismo histórico e investigativo, voltando-se para o recente passado de violência policial, política e militar em países como o Chile (que aqui teve mais de uma dezena de documentários sobre os anos de terror Pinochet), e Argentina, entende-se como é necessário que nossas onerosas (e geralmente incompetentes) instituições culturais - voltem a fortalecer projetos que documentem a realidade. Felizmente, a secretária Gilda Poli, mesmo assumindo a pasta da Cultura sem maior experiência na área, está entendendo que o fundamental é que os (poucos) recursos que o Estado dispõe para cinema e vídeo sejam empregados em curtas ou médias, em vídeo ou cinema, que tenham realmente a ver com o Paraná. A competição de quatro curtas de realizadores de Curitiba - "Os Desertos Dias", de Fernando Severo (que obteve uma menção honrosa), "Lápis de Cor e Salteado", de Palito, "O Candidato", de Altevir Silva / Geraldo Pioli e "Vamos Juntos Comer Defunto", de Eloi Pires Ferreira - os dois primeiros financiados pelo Governo do Estado - representou, independente do lado artístico, ao menos uma presença curitibana nesta Jornada onde em anos anteriores, curtas como "Carta ao Sr. Fellini", de Valêncio Xavier e "Póstuma, Cretã", de Ronaldo Duque, mereceram premiações. Ecologia & Meio Ambiente - As entregas dos Tatus de Ouro e Prata a filmes e vídeos ligados ao meio ambiente / ecologia - foram conseqüência natural dentro de um evento que inclui um simpósio sobre estes assuntos em sua relação aos meios audiovisuais / Televisão, numa idéia que, há mais de dois anos, já havíamos sugerido ao nosso ecológico burgomestre Lerner. Embora o prestigiamento aos debates sobre "O Cinema na Defesa do Meio Ambiente" não terem sido o esperado - em Salvador, como em Curitiba, as autoridades (sic) parece que não estão interessadas em ver o assunto em termos de imagens (é bom lembrar que "Césio 137", agora no distante Guarani, foi exibido para raros espectadores no Cine Ritz), a iniciativa de se ver o cinema (e o vídeo) como elementos de documentação do assunto que tanto vem sendo explorado por alguns políticos não deixa de ser válido. Um vídeo oficioso, "Curitiba, Capital Ecológica", de Carlos Deiró - cinegrafista da Secretaria da Comunicação da Prefeitura - foi apresentado em Salvador e oferecido no Mercado de Cinema e Vídeo. Um jovem videasta paraibano, Durval Leal, apresentou o projeto "Ver o Mangue", que, por sua importância merecerá registro mais demorado em próxima coluna. Três dos principais premiados - "A Paisagem Natural" (melhor filme da Jornada), do paraibano Vladimir Carvalho, "Adeus, Rodelas", do baiano Agnaldo Siri Azevedo (melhor curta documental) e "Panthera-Onça", de Sérgio W. Bernardes (melhor vídeo da jornada) foram demonstrações de como se pode tratar temas ecológicos com objetividade, talento e oferecer resultados dos mais agradáveis para o público. Premiados como melhor curta de ficção por "Manhã" - baseado num poema de Drummond - os catarinenses José Henrique Pires e Norberto Depizzolatti levaram também um média sobre um assunto atualíssimo e polêmico - "A Feira do Boi: O Documentário" - e a respeito do qual já falamos há uma semana neste mesmo espaço. Sem a mesma força - mas igualmente válidos - foram os vídeos "Brasilium Pau-Brasil", da baiana Rosa Cabral - uma elegia à arvore que deu nome ao nosso País - e "Pesca Artesanal e Ambiental", de Armando Bulcão e Tânia Montoro, mostrando a dificuldade de sobrevivência dos pescadores artesanais do Rio Grande do Norte. Com um bom acabamento profissional, integrado a série "Estação Ciência", "As Crianças de Chernobyl", de Hélio Doyle, 22 minutos, de Brasília, mostra como estão sendo tratadas 2.280 crianças vítimas do acidente nuclear de Chernobyl (URSS) que se encontram em curta. A Visão Urbana - Em uma dezena de trabalhos em competição se viu também diferentes aspectos ligados ao urbanismo e arquitetura - além do comportamento da população das grandes cidades. A nova consagração (melhor curta, melhor direção) de "Viver a Viva", da Paulista Tata Amaral (premiado anteriormente em Brasília e Gramado) veio mostrar o acerto da chamada geração dos "videastas do Anhangabaú", que se volta a documentar a São Paulo em suas diferentes formas: "Moleque de Rua", de Márcio Ferrai e "Hip Hop SP", de Francisco César Filho (autor também do excelente "Rota ABC", nesta semana sendo apresentado no Lincoln Center, Nova Iorque, em complemento a "Terra em Transe", de Glauber Rocha, na cópia restaurada por Martin Scorcese) complementam um verdadeiro painel que flagra a paulicéia desvairada deste final de milênio. Aplaudindo-se estes curtas criativos, inteligentes e sobretudo comunicativos é de se lamentar que nesta nossa ecológica Curitiba, de tanta badalação oficial e ridículas atividades de uma comissão dos 300 anos (sic), não exista qualquer apoio a um projeto que pudesse oferecer uma documentação visual sobre a cidade, através de propostas originais e inteligentes (ruas, tradições, história, tipos característicos, etc.). Brasília, em suas contradições, mereceu dois vídeos levados a Salvador: "Rodoviária", do jornalista César Mendes, é amargo no que oferece sobre o universo de pessoas que (sub)vive ao redor da rodoviária do Distrito Federal - dos lixeiros aos "marreteiros". Já Mauro Guntini em Braisconospício" preferiu uma linguagem experimental, mostrando a visão do ritmo urbano e os contrastes sociais. Sede da Jornada, Salvador, também esteve na tela. Fosse em termos de arquitetura em "Memória do Liceu I", em que Tânia Quaresma (radicada em Brasília) conta a história do Liceu de Artes e Ofícios da Bahia, seja no sintético "Meus Males de quem Procedem?", no qual Maurício Guimarães, em apenas 4 minutos, faz uma radiografia da Bahia sofrida num depoimento do povo que sofre as conseqüências e pergunta: "quem é que vai pagar por isto?" LEGENDA FOTO 1 - A documentação dos mangues na Paraíba, num projeto de vídeo ecológico, foi levada por um jovem idealizador de João Pessoa, Durval Leal, como interessante contribuição à discussão do meio ambiente em Salvador. LEGENDA FOTO 2 - Cena de "Manhã", curta dos catarinenses José Henrique Nunes Pires e Norberto Depizzolatti, premiado com o Tatu de Prata - melhor curta de ficção na Jornada Internacional de Cinema da Bahia. Baseado em poema de Drummond, fotografado por Cidinho Marques, da Cinemateca do Museu Guido Viaro, este filme tem imagens belíssimas.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
29/09/1991

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