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Aramis

Carlitos e Chaplin

O homenzinho de calças largas, andar desengonçado, olhar melancólico, com um pequeno bigode, uma bengala e minúsculo chapéu côco reaparecerá ainda muitas vezes na tela, cheio de poesia, ingenuidade, riso e verdade. Reaparecerá também como um grande descoberta para as crianças e uma boa lembrança para os adultos. Para o cinema, ele está estático, definitivo, como gênio. Charles Chaplin, aos 88 anos, morre de uma maneira lenta e contrária a sua obra, a sua vida, a seu personagem, que pelo movimento, agilidade e inteligência dominou o homem e criticou a sociedade da maneira mais simples e humana. Carlitos, sua mais famosa criação, nasceu inspirado num velho cocheiro londrino, ébrio, de andar oscilante. Nasceu humilde, do povo, e se não fosse a tela o aproximar dos homens, ficaria assim, anônimo para sempre. Mas não ficou e até mesmo transpôs seu criador, ou melhor, igualou-se a ele, e passou a ser a mesma pessoa: puros, imensos, imortais. Nas últimas fotos de Chaplin, um homem gordo de cabeça branca, fica somente nos olhos a imagem do homenzinho mágico que retornará às telas somente através de reprises, mas que continuará ainda vivo em todos que ainda sonham e mantém a esperança nas coisas ingênuas e verdadeiras. Embora não tenha sido esta a infância de Chaplin, um raquítico menino, e o que é pior, asmático. Sua mãe era louca e seu pai um ator teatral sem qualquer prestígio, que teve como único mérito inicial seu filho no mundo das artes. Mas Chaplin, a princípio, não se deu bem com a vida teatral, optando por ser garçom, assoprador de vidros e outras profissões humildes. Foi quando começou a representar para o público das cidades do Interior de Londres, que se decidiu realmente pelo teatro. Começou então a excursionar nos Estados Unidos com o grupo que participava, chegando até a Califórnia. Lá, apareceu em um filme, como coadjuvante de um comediante famoso. Foi então notado pelo diretor, que pediu a ele que a criasse um tipo diferente. Chaplin atendeu a solicitação e caracterizou-se com um paletó apertadinho, calças demasiadamente largas para seu pequeno tamanho, e sapatos também desproporcionais. Para completar, um chapeuzinho côco e uma bengalinha. Para destonar ainda mais dentro daquelas roupas ridículas, ele assumiu um ar sério, quase aristocrático. Um tipo de difícil definição, como um Quixote, meio cavalheiro, meio justiceiro, meio palhaço. Esta então pronto o Carlito, um tipo que o celebrizaria o que o tornaria imortal. Era então 1914 e Chaplin, aproveitando os cochilos dos diretores, Sennet e Lerman, improvisava seus próprios números, iniciando na direção. Nesta época, porém, como definiu um de seus biógrafos "ele queria transformar o mundo num jogo de massacre que vingasse anarquicamente a sua miséria suas desgraças, sua horrenda infância". Foi em 1915, ao filmar "O Vagabundo" que transformou-se realmente no Carlitos, que deixou de ser o vagabundo que corria nas estradas sem saber porque. Ele continuou correndo sim, mas sabendo para onde: para denunciar a miséria, satirizar a sociedade, a imponente resignação das pessoas pobres. Em 1917 faz "Rua da Paz", quando inicia a tentativa de unir a elite e a multidão, utilizando-se da arte clássica e de elementos do povo. A partir deste filme, inicia sua grande fase, criando "Vida de Cão" , "Ombro Armas!", "O Garoto", e "O Peregrino". Pela crítica que seus filmes encerravam, começaram a haver manifestações contrárias a sua idéias. A essas pessoas, Chaplin respondeu certa ocasião, com dignidade: "O que faço e o que farei para provar minha dedicação à causa da democracia não foi nem nunca será explorado para minha publicidade ou para publicidade dos outros". Começam então as perseguições. Ele é apresentado como um devasso, um anarquista, portador de taras ignóbeis. Seis Estados proíbem a exibição dos filmes de Carlitos. Ao mesmo tempo em que isso ocorria nos Estados Unidos, sua fama crescia na Europa . a lista de seus filmes cresce com "Em busca do ouro", "Casamento ou luxo?", "Luzes da Cidade" e "Tempos Modernos". Com este último trabalho, passada a emoção provocada pela beleza do filme, os ódios voltaram-se novamente para Chaplin. Desta vez, foi taxado de comunista, agitador social, conspirador da segurança nacional, inimigo das famílias e das instituições. No Departamento de Estado, teve início um trabalho subterrâneo para expulsá-lo do território americano, sob a acusação de imortalidade e subversão. E foi esta campanha que despertou o criador de Carlitos para uma questão: ele era um judeu. Até então, o problema racial pouco lhe afetava, mas quando Hitler começou a transformar a Europa num imenso forno crematório ele assumiu seu papel como judeu e lançou "O Grande Ditador", o que provocou cólera em Hitler, que não admitiu que um "judeuzinho sujo" ridicularizasse as idéias do "salvador das raças arianas". O representante de Hitler junto à Casa Branca, embaixador Dieckenhof, interdita o filme, que seria liberado apenas um ano e meio depois. Diante destes acontecimentos, Chaplin dá sua maior contribuição dramática ao cinema, com o filme "Moseieu Verdoux", idéia original de Orson Welles. Logo após, cria "Luzes da Ribalta", "Um Rei em Nova Iorque" e "A Condessa de Hong-Kong", sua primeira experiência com a cor. Muitos hoje, pensando em Carlitos, tentam defini-lo, mas tudo o que se disse sobre ele é insuficiente, embora não inútil. Porque razão Charles Chaplin ganhou essa auréola de gênio imortal? O que o diferente de outros artistas, de outras pessoas ? O que têm seus filmes de diferentes? Mas Carlitos realmente existiu? E muitas outras perguntas podem ser feitas, todas com difícil resposta, pois define Carlitos e definir a si mesmo, o que é sempre muito difícil. Melhor que definir, é saudar Carlitos, embora, como disse Carlos Drummond de Andrade, saudá-lo é o mesmo "que um ramo de flores absurdas mandando por via postal ao inventor dos jardins." )Mais Chaplin na página 9). FOTO LEGENDA- Carlitos, um exemplo de poesia.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
1
27/12/1977

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