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Aramis

Canto Negro

Sem qualquer discriminação, sempre houve uma definição musical em torno da música negra. Mesmo o liberal Sérgio Porto (o Stanislau Ponte Preta, 1923-1968), insistia em destacar as cantoras negras das brancas, sempre reconhecendo que as criolas eram insuperáveis nas interpretações dos "blues". Na música brasileira, a questão racial não deve ser colocada, embora não se possa negar que, muitas vezes, as "colored" batem facilmente as brancas, se não em quantidade, ao menos em qualidade. Quatro recentes edições colocam vozes negras em evid6encia. De princípio, temos praticamente o reaparecimento de Elza Soares (Rio de Janeiro, 23/6/1937), cantora de origens humildes filha de uma lavadeira e um operário, ex-favelada e ex-operária de uma fábrica de sabào, que, há 20 anos passados, após uma longa luta, explodiria nacionalmente ao gravar "Se acaso você chegasse" ( Lupicínio Rodrigues/Felisberto Martins), numa linguagem nova, que muitos comparavam a Ella Ftizgerald. Lembro-me que, na época, entrevistando-a, ela se irritou com a comparação: "Quem, como eu, cresceu numa favela e sempre trabalhou de sol a sol, nunca teve tempo para "curtir" jazz. Canto assim porque canto..." Elza teve uma fase de sucesso na Odeon, fazendo vários lps e programas de televisão. Depois, quase que paralelamente ao seu desastrado envolvimento com o craque Garrincha, sua carreira entrou em baixa: passou pela Tapecar, sem sucesso, mas agora, um elepe ("Elza Negra", CBS, 138184) faz reencontrar com seu público fiel. Para isso contou com a competência do produtor João de Aquino, que junto a Gerson Alves e Eduardo Lages, selecionou um repertório que lhe possibilita mostrar "todo o seu talento aliado à garra de quem sabe que a música é sua vida e seu alimento", como diz o release da gravadora. Realmente desta vez Elza acertou, gravando músicas como "Cobra Caianana" (Aquino/Hermínio Bello de Carvalho), "Como Lutei"(Wilson Moreira/Nei Lopes), regravando o antigo "O Porteiro Me Enganou" (Haroldo Lobo/Milton de Oliveira) e até surpreendendo ao revisitar um clássico da Bossa Nova ("Fim de Noite", Chico Feitosa/Ronaldo Boscoli). Gerson Alves é autor de várias faixas ("Oração de Duas Raças", "Artinhama", "Capitão do Mato"), além de ter adaptado um tema do folclore africano ("Samba do Mirerê").Equilibrada, suave mesmo (e a prova está em Fim de Noite"), "Elza Negra" nos devolve uma interprete que fazia falta... Cantriz consagrada em poucos anos de carreira especialmente após "Xica da Silva" (1974, de Cacá Diegues), Zezé Motta encontra um caminha definitivamente brasileiro em seu último lp ("Dengo", WEA), produção de Sérgio Cabral e que é lançado simultaneamente ao seu novo show que após 15 dias no Teatro Casa Grande, será levado a várias capitais, Zezé é uma interprete de rara força dificilemente igualado por qualquer outra cantora. Em "Dengo", Zezé aparece até como autora, dividindo "Caís Escuro", com Paulo Feital. Aliás, o repertório que Sérgio Cabral buscou selecionar para o elepe não poderia ser melhor: abre a face A com "Remendos" (Joanna/ Sarah Benchimol), prossegue com "Feiticeira" (Gilberto Gil), lembra Caymmi ("O Dengo Que a Nega Tem"), inclui Milton Nascimento/Fernando Brant ("Bola de Meia-Bola de Gude") e termina com "Caís Escuro". No lado B, duas regravações com sabor de novidade: "Oxum" (Johnny Alf) e "Fez Bobagem"( Assis Valente), ao qual acrescenta "Sete Faces" (Gonzaguinha), "Sem Essa" (Jards Macalé/ Duda) e "Poço Fundo"( Gilberto Gil). Em cada faixa, arranjos e regência perfeita de Perinho Albuquerque, que convocou um conjunto do mais alto nível para participar das sessões: Túlio Mourão (piano), Cláudio Guimarães (violão/guitarra), Luizão (baixo), Enéas (bateria), Bira (percussão), Jorginho (flauta), sax-tenor (Juarez Araújo) e Chiquinho (acordeon). Como Zezé, Vilma Nascimento também é mineira. De Juiz de Fora, prima-irmã de Milton Nascimento, sobrinha distante de Monsueto, sempre transou com facilidade com o canto e a música. Aos 6 anos já fazia programa de calouro, de brincadeira, com duas irmãs, mas um dia foi no programa "Tio Teteco", da PRB-3, de Juiz de Fora. E a partir dali não parou mais. Há 11 anos no Rio, estudou canto com a professorra Clarice Stukart, integrou o grupo Opinião (com João do Vale/Paulo Guimarães) no show "Se eu tivesse meu mundo", e depois de viajar a Salvador e Recife, ficou 3 anos em São Paulo, onde dividiu shows com vários artistas, especialmenteLuiz Melodia (seu grande amigo e a quem dedica seu lp) e Gilberto Gil (com quem excursionou pelo Brasil). Em 1978, no Rio, participou com Antonio Adolfo da série "Seis e Meia Noite" e, em 1979, da "Série Meia Noite", tendo ainda feito shows com Melodia. Até que pelas mãos de Durval Ferreira, acabou conseguindo fazer seu primeiro lp, "Conquistado", na Top Tape, que o lança agora. Arranjos de Wagner Tiso, Perinho Sant'Ana e George Leibovitz valorizam as dez faixas: "De Panelas e Canelas", música que o primo Milton lhe dedicou (letra de Fernando Brandt); "Paraiso", recriação de uma composição de Silvio Silva; "Era Nova", de Gil; "Labaredas", de Gerson Lopes; "Lamento Africano", adaptação de Gil de um tema afro; "Nancy Porta-Bandeira", de Sueli Costa/João Medeiros Filho; "No Vai-da-Valsa", de Nelson Angelo/Cacaso; "Big Black Mania", de Luciana Morais filha do inesquecível Vinicius. Enfim, um repertório marcante para a estréia de uma importante cantora. Uma prova de que Minas tem muitas potencialidades sonoras, mais uma cantora das alterosas: Rosa Maria (Batista/de Sousa), da cidade de Machado, Sul daquele estado. Em São Paulo desde 8 anos, aos 18 já atuava na rádio Tupi e era contratada para o programa "Hoje é dia de brotos", de Rossini Pinto. Na carreira de Rosa Maria se sucederam vários programas de rádio e televisão, sendo que em 1964 já gravava seu primeiro disco, um compacto duplo, na Odeon. Entretanto, 16 anos depois, ainda não tem a popularidade que mereceria. É bem verdade que nesse período fez teatro e ficou longo tempo no México. Nos últimos 6 anos, de volta ao Brasilm passou a se dedicar ao jazz, cantando no Opus 2004 e se firmando como "blues singer" - só em 1977, fazendo uma das faixas ("Minha Fé [...} lp "Mudança de Tempo" do conjunto o Terço. Agora, finalmente, Rosa Maria faz um belíssimo elepe ("Vagando", Estúdio Eldorado), o que confirma aquilo que disse a seu respeito o crítico Vladimir Soares, do "Jornal da Tarde"; "quando canta, Rosa Maria transforma os sons em poemas, criando música sempre com um apuramento de quem desconhece a opalavra concessão. Ouça-se, por exemplo, a sua recriação de antigos sucessos de Angela Maria e Dalva de Oliveira. A sensação é que ela está cantando uma música inédita. "Kalu", num andamento mais lento, está distante do baião que Dalva de Oliveira gravou. O melhor disso é que a comparação é dispensável. A versão original é um clássico. A atual é simplesmente original". A seleção do disco é das mais diversificadas: "Borboleta Amarela" (Irene Portela), "Dancing Cassino" (Fátima Guedes), "Romeros" (Djavan), "Coração de Strass" (Paulinho Zezinho Nogueira), ao lado de novos autores Vicente Barreto ("Poeira nos Olhos"), Paulinho Pedra Azul "Vagando"), Herman Torres/Salgado Maranhão ("Quem Me Abandona"), contribuindo para fazer deste, um disco importantíssimo. Em suma, Rosa é explosiva e contagiante, como bem disse Soares. LEGENDA FOTO 1 Zezé e Rosa Maria.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Nenhum
Jornal da Música
28
10/08/1980

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