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Aramis

Blues por Bessie no 50º aniversário de sua morte

Quem melhor cantou o blues clássico fora as mulheres. Ma Rainey, Bessie Smith e as demais - Billie Holliday, Mahalia Jackson - vieram do canto do blues como profissionais, e todas elas em idade comparativamente precoce. Ma Rainey iniciou aos 14 anos e Bessie Smith antes dos 15. Negras, vindas das camadas mais humildes, sofreram preconceitos e tiveram morte dramática - ainda jovens. Billie Holliday (1915-1959) morreu vítima de drogas e do álcool, praticamente na prisão. Quando morreu, alguém perguntou a causa e a resposta foi lacônica da parte de um de seus amigos: - "Ela morreu de tudo!" Vinte e dois anos antes - no dia 26 de setembro de 1937 - quem morria era Bessie Smith, a Imperatriz do Blues - para muitos a maior cantora americana de todos os tempos. Também morreu de forma dramática. Foi num desastre de automóvel, à saída de Clarksdale, no Mississipi. Na estrada principal que vai para Menphis. Os seus biógrafos tem dúvidas sobre o que realmente aconteceu. Parece que lhe negaram entrada num hospital por ser negra, e que morreu a caminho de outro hospital. Nessa segunda viagem, perdeu demasiado sangue. O fato é que morreu numa estrada do Sul, aquela que foi a chamada "Empress of the Blues". A GRANDE ESQUECIDA - Apesar de ter sido uma das maiores cantoras americanas de todos os tempos, Bessie Smith permanecia inédita, em discos, no Brasil, até o ano passado. E só graças a visão artístico-empresarial de Henrique Sverner, do grupo Breno Rossi, é que aqui foram lançados quatro dos cinco álbuns duplos produzidos nos EUA pela CBS na qual está o fundamental das 159 gravações originais que Bessie faz nos anos 20 e 30. Lançados em pequena tiragem, estes quatro álbuns esgotaram-se rapidamente, embora ainda seja possível encontrá-los em algumas lojas. De Billie Holliday e Mahalia Jackson a Janis Joplin, muitas cantoras jamais negaram a influência da lendária Bessie Smith, mas se falava-se muito em Bessie, era difícil ouvir a sua voz, o que faz com que a antologia de seus álbuns duplos (falta o quinto a sair no Brasil) para mostrar a sua voz lamuriosa e gutural. As matrizes dos antigos 78 rpm foram recuperadas e passadas para o vinil com a mesma fidelidade com que foram gravadas. Isso significa que as gravações não apresentam nenhuma sofisticação tecnológica, conservando intacto o seu "ar" antigo e a voz de Bessie Smith comparece em seu estado bruto, sem a lapidação de acréscimos tecnológicos. Como acentuou o jornalista Wladimir Soares, na comparação entre Billie Hollyday e Bessie Smith, percebe-se que a diferença entre elas é apenas a modernidade, já que Bessie Smith, além de pioneira tinha menos recursos tecnológicos a sua disposição. Mas todos são unânimes em ficar com Bessie Smith e sua voz densa, trágica, profundamente triste e molhada de gim, a verdadeira personificação do blues. O CANTO E A VIDA - Há discordâncias em relação a data de nascimento de Bessie Smith. Studs Terkel em "Gigantes do Jazz" (1957) não se atreve a dizer sequer o ano com certeza. Já Leonard Feather, em sua básica "Encyclopedia of Jazz" tenta a precisão: 15 de abril de 1896. O local é seguro: Chattanooga, no Tennesse. Teve uma infância miserável. A cabana em que vivia estava superlotada e a comida era escassa. Mas a menina cresceu, alta, forte, observadora. Tinha uma voz de baixo contralto, rica e potente. Começou a cantar, quase se pode dizer, a partir do momento em que começou a falar. Suas canções falavam da vida que a rodeava, da triste condição dos negros. Eram canções que aprendia com os cantores de rua, que vagueavam de cidade em cidade. Com mulheres velhas, balançando-se à porta de cabanas desmanteladas, chorando a juventude perdida. Com homens tristes e amargos, cujas vozes ouvia através das portas abertas das gafieiras, aprendia palavras ásperas e temas tristes. Tinha 14 anos de idade, quando passou por Chattanooga uma cantora também negra, mas que já era famosa na época: Ma Rainey (Gertrude Malissa, Nix Pridgett, Columbia, 26/04/1886-22/12/1939), historicamente a primeira das grandes blues singers (até hoje rigorosamente inédita em discos no Brasil), a estrela dos Rabbit Foot Minstrels. Aconteceu de Rainey conhecer e se afeiçoar a menina Bessie. Gostou de sua voz e a convidou para acompanhar o seu grupo. Foi viajando de cidade em cidade, com Ma e os Rabbit Foot Minstrels, que Bessie começou sua carreira aprendendo e amadurecendo a arte dos Blues. Ma Rainey procurava lhe transmitir toda a emoção e sinceridade desta música basicamente triste. Repetia um conselho: - "Não se limite a cantar simplesmente uma palavra, torne-a "sua". Por exemplo, a palavra "solitária". Você já se tem sentido solitária, não tem? Faça então que esse "Solitária" conte a sua história". Boa aluna, Bessie aprendeu os conselhos de Ma Rainey e aos 17 anos já cantava, sozinha, num cabaré de Selma, no Alabama, quando conheceu uma pessoa que seria fundamental em sua vida: Frank Walker, diretor da Columbia, que a levaria a Nova Iorque, estreando com a gravação de "Down Hearted Blues". O registro foi feito a 17 de fevereiro de 1923, e o disco vendeu mais de um milhão de cópias. Mesmo antes de se tornar uma cantora conhecida nacionalmente pelas gravações, Bessie já fazia sensação no Sul dos EUA. De vez em quando, desempenhava papéis de comédia, vestindo um smoking. Mas era quando cantava blues que o público mais a aplaudia. A indústria fonográfica ainda engatinhava no início dos anos 20. E a voz forte de Bessie foi registrada em vários 78 rpm históricos. Nos primeiros meses de 1925, ela foi acompanhada, em nove gravações notáveis, por um pistonista que há pouco entrara para a orquestra de Fletcher Henderson (1898-1952), de Nova Iorque. Chamava-se Louis Armstrong (1900-1971). Entre os clássicos que juntos fizeram ficaram "St. Louis Blues", "Cold in Hand Blues" e "Careless Love". Mas de todos os (muitos artistas) gigantes do jazz com quem trabalhou, o seu preferido era Joe Smith, pistonista (1902-1937). Era ele que parecia refletir mais fielmente o estilo da cantora. Em 1929, Bessie Smith fez seu único filme: "St. Louis Blues", direção de Dudley Murphy, no qual o autor da canção-tema, William Christopher Handy (1873-1958) foi roteirista e diretor musical. Rodado em Astoria, Long Island, durante junho de 1929, com a participação da orquestra de Fletcher Henderson, as imagens deste filme são preciosas - e foram, posteriormente utilizadas, entre outros, em dois documentários, "Bessie Smith", em 1969, de Charles I. Levine (13 minutos) e "Black Music in America - from the till now" (1971, 25 minutos, de Hugh A. Robertson(. O GIM, A TRISTEZA - Uma mulher alta, gorda e forte, Bessie parecia andar sempre de bom humor mas a tragédia marcava a sua própria vida. Os blues lentos e tristes, que cantava, não falavam apenas do sofrimento de seu povo, mas também de seus próprios troubles - palavra tão presente nas letras de suas canções. Se ganhava muito dinheiro, ela também o gastava. Em seus anos de apogeu (1924/27) chegou a ganhar US$ 2 mil por semana (uma fortuna para a época) mas nunca economizou. Era enganada por muitos e sua generosidade tem histórias fascinantes. Uma vez chegou a alugar um hotel para seus amigos indigentes. Bebia muito. Viciou-se no gim. Começou a faltar compromisso e perder contratos. No final dos anos 20, o gosto musical do público mudava e o blues mais sofisticado, menos direto, menos autêntico, começava a substituir a música que ela fazia. Começaram os anos de decadência de Bessie. O antigo produtor e empresário Walker, afastou-se. Seu marido, Jack Gee, um ex-policial da Filadélfia, tentou substituí-lo. As vendas de seus discos baixaram cada vez mais mas ela continuava a gastar como antes. Em 1929 - ano do crack de Wall Street - Bessie era obrigada a cantar em lugares indignos, fantasiada como Mammy - isto é, lembrando uma velha escrava - numa fantasia indigna para quem havia sido a "imperatriz" do blues. Em 1929, portanto, ao gravar "Nobody Knows You When You're Down an Out", a letra transmitia sua imensa tristeza. Mas desta fase dramática ficaram gravações históricas, como os discos com o pianista James P. Johnson e o trombonista Big Charlie Green. A última gravação que fez em novembro de 1933, organizada por John Hammond, famoso crítico de jazz, foi magnífica. Entre os músicos que a acompanhavam, estavam Jack Teargarden (trombone) e Benny Goodman (Clarinete). Embora já estivesse em decadência, todos os seus colegas respeitavam sua majestosa figura. Em 1963, um ano antes de sua morte, suas canções passaram a serem valorizadas pelos estúdios de jazz. Hammond, acreditava que Bessie poderia reaparecer. Preparava-se para ir ao Mississipi, para trazer Bessie a Nova Iorque e cuidar de seu reaparecimento. Foi quando veio a notícia: ela havia morrido num acidente de automóvel. Foi a 26 de setembro de 1937. Há exatamente 50 anos. LEGENDA FOTO - No dia 26 de setembro de 1937, morria Bessie Smith, a "Imperatriz do Blues". Para muitos, a maior cantora americana de todos os tempos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
18
27/09/1987

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