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Aramis

Blues, o canto dos sentimentos

"Das margens barrentas do Mississipi - em menos de cem anos - o blues partiu para colorir virtualmente a música do mundo inteiro. De Gershwin à discoteca, do boogie ao rock, da Broadway à bossa nova, esta forma de raízes folclóricas marcou profundamente a cultura musical do século. Por se tratar de uma manifestação inicialmente rural, a história do blues é bastante nebulosa e pouco documentada - no fundo, a melhor crônica do blues é a própria música e a riqueza de comentários encerrada em sua letra". (Roberto Muggiati, "A História do Blues") A própria palavra blue tem uma força múltipla. Desde a cor (azul) até um melancólico estado de alma - que, genericamente, pode até significar "na fossa". Como a palavra jazz, a origem da palavra blue é nebulosa. Muggiati, 46 anos, jornalista curitibano, editor da revista Manchete e autor de inúmeros estudos sobre música americana, pesquisou o uso da palavra blues e localizou que a mesma já aparecia há 500 anos passados, na época pós-elisabetana. Entretanto, em termos musicais, a maioria dos historiadores dá 1912 como o ano em que blues apareceu pela primeira vez numa partitura - a de "Memphis Blues", de W.C. Handy. Já "The Jelly Roll Blues", composta por Jelly Roll Morton em 1905, mas só publicada em 1915, em Chicago, é considerada a primeira partitura de jazz. O fato é que até hoje, quase 80 anos depois, o Blues é ainda confundido como gênero musical - e pouco conhecido. Empregado erroneamente em certos casos, adjetivando certos estilos e, a partir dos anos 60 - integrado até à linguagem pop - quando o chamado Rhythm & Blues passou a caracterizar o trabalho de certos roqueiros que buscaram influências de guitarristas e cantores negros, dos anos 20 a 40. Assim como Elvis Presley, branco com recursos vocais negros, também não negou influências de blues... A pré-história do blues leva ao início da colonização americana, no século XVI, quando os esravos, trazidos da África e proibidos de conversar durante o duro trabalho agrícola (os fazendeiros temiam que se amotinassem), apelavam para os work songs, em que um feitor cadenciava o trabalho dos negros, a batida dos martelos ou machados, o levantamento de cargas etc. Estas canções seguiam um esquema de chamada e resposta, em que o feitor gritava e os escravos respondiam. As canções tiveram livre curso: não só ajudavam a racionalizar o trabalho e o tornavam mais rentável, como tranqüilizavam o proprietário que as ouvia, garantindo que seus escravos estavam "no devido lugar". Há quem argumente que o blues veio da música religiosa e dos spirituals, mas na verdade ele tem muito mais a ver, em sua temática, com a realidade prática das work songs. Por outro lado, não se pode negar que, musicalmente, os hinos religiosos exerceram uma influência, a tal ponto que os acordes básicos do blues são derivados da harmonia européia. Daí, então, a questão se amplia, com o surgimento dos gospels - canções basicamente religiosas, entoadas nas igrejas. Não é sem razão que tantos cantores e cantoras, quase sempre negros, tiveram sua formação em corais de igrejas evangélicas, em cânticos religiosos. O blues é um gênero musical fascinante - próximo ao jazz, com específicas mensagens sociais e religiosas em suas letras (difíceis de serem entendidas), que entoadas em vocais solitários ou, especialmente, grupos corais - executados com participação de poucos instrumentos - especialmente de cordas (violão, banjo rabeca) e, nos primitivos tempos, instrumentos de confecção doméstica, feitos pelos próprios escravos. A coincidência de aparecerem alguns LPs de blues - mesmo em arranjos modernos e sofisticados, nas vozes de intérpretes como B.B. King, Aretha Franklin e Billie Holiday, justifica estas breves digressões de uma música profundamente espiritual, bela - mas pouco estudada e divulgada.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
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12/01/1986

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