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Aramis

Biblioteca de Vinholes chega agora ao público

Seria irônico se, algumas vezes, não fosse trágico e triste: uma pessoa culturalmente interessada em determinado(s), assunto(s), passa mais da metade de sua vida pesquisando a respeito, reunindo bibliografia específica, ampliando para outros meios de informação (cinema, vídeo, ilustrações etc. ) e, de repente, quando a velhice chega, conclui que o imenso acervo tão apaixonadamente cultivado passa a ser um trambolho que sofre até implicâncias domésticas. Com a verticalização das moradias, desaparecendo a época das grandes e confortáveis residências, que, na pior das hipóteses, permitiam o aproveitamento de garagens ou de construções específicas para instalações de bibliotecas, móveis especiais para guarda de objetos etc., a situação fica ainda mais séria. Quantas pessoas que, colecionando revistas, livros e discos - para só citar exemplos mais comuns - de repente, frente a uma mudança inesperada, são obrigadas a se desfazer pela primeira oferta - ou, pior ainda, vender para sebos, a preços indignos, coleções de valores não só afetivos, mas muitas vezes impossíveis de serem refeitas, pela inexistência dos volumes reunidos? Geralmente a morte do pesquisador e colecionador faz com que os herdeiros - ironicamente, raramente dispostos a manter o patrimônio - se desfaçam das coleções à toque de caixa, num desrespeito até à memória do falecido e de sua paixão por aquilo que, intelectualmente, o interessou por toda a vida. xxx Divagações como estas vêm a propósito de constantes notícias de preciosos acervos que são praticamente destruídos após a morte do pesquisador. Há alguns anos, Arakem Campos Pereira Júnior, da cidade de Santos, que reuniu um precioso arquivo e biblioteca sobre cinema e música, faleceu e, poucas semanas depois seu acervo era negociado com sebos de São Paulo. Anos antes, o mesmo aconteceu com o acervo - livros e discos - de Sylvio Tullio Cardoso, (1924-1967), no Rio de Janeiro, e o mesmo só não ocorreu com o arquivo de Almirante (Henrique Foreis Domingues, 1908-1980), porque este, ainda em vida, conseguiu que o mesmo fosse incorporado ao Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. O acervo deixado por Jacob do Bandolim (Jacó Pick Bittencourt, 1918-1969), felizmente foi mantido por sua viúva, até que houvesse condições do MIS-RJ adquiri-lo. Em Curitiba, este ano, a morte de Luciano Lacerda (1917-1987), ameaçou também a preciosa coleção de música popular que ele reuniu ao longo de 40 anos. Felizmente alertado por amigos, o secretário Renê Dotti, da Cultura, conseguiu viabilizar recursos, via Lei Sarney, para, mesmo pagando muito menos do que o acervo valia, o mesmo viesse enriquecer o nosso pobre Museu da Imagem e do Som. xxx Mas como dizia Nelson Cavaquinho (1910-1986), "se queres fazer algo por mim/faça agora", há casos de colecionadores que, ainda em vida, se dispõem a repassar seus acervos ao Estado. Não como simples doação - que não se justifica, já que para a formação dos mesmos, investiram bilhões de cruzados, energia e uma dedicação que cheque nenhum cobriria, mas através, isto sim, de um pagamento justo. Aristides Oliveira Vinholes, 73 anos, gaúcho de Pelotas, a partir de 1954 morando no Paraná, desde que aprendeu a ler apaixonou-se por livros. Ao longo de uma vida difícil, de altos e baixos, formou mais de cinco bibliotecas e, honestamente perdeu as contas de quantos livros adquiriu. Ex-militar, comerciante e, especialmente livreiro - embora nos últimos 18 anos tenha exercido funções executivas na Rodofer, a mais antiga firma de out-doors do Paraná - Vinholes sempre foi um intelectual de interesses múltiplos. Assim, ao longo de sua vida adquiriu livros, revistas, publicações etc. ligadas aos diferentes campos do conhecimento humano. Marxista convicto, formou uma das mais completas bibliotecas especializadas. Apreciador de cinema, era o único cinéfilo da cidade a possuir a coleção completa de "Cahiers du Cinema" até o final dos anos 60. Sempre atento às publicações de valor, soube colecionar a histórica revista "Senhor" desde o número um. Interessado em música, reuniu mais de mil discos, com ritmos e som de todas as partes do mundo. Foi, entretanto, na área dos livros de arte que formou uma das mais belas coleções do Brasil. Informado do que melhor se publicava no mundo, tendo trabalhado por mais de 15 anos na Editora do Globo, em Porto Alegre, e posteriormente, possuindo as livrarias Curitiba e Livros Paranaenses, sempre foi antes de tudo um comprador de bons livros. E, usando suas economias e sacrificando mesmo outras necessidades ou prazer ("Há mais de 10 anos não saio de Curitiba", constatava há pouco), reuniu, assim, uma biblioteca de 748 volumes de arte, com 684 títulos (já que há muitas coleções e enciclopédias). Um acervo bibliográfico notável, dificilmente igualável no Paraná - mesmo pelo rico professor Newton Carneiro, (1985-1987), dono do maior acervo de arte do Estado e que agora, com sua morte há 8 meses, seus filhos pensam em transformar numa fundação. Entretanto, Vinholes preocupava-se em dar um destino seguro a sua coleção: obras raras, de difícil reposição, informativas dos vários campos, quase 80% importadas, deveriam segundo seu pensamento, ter acesso a maior número de pessoas. Assim, devido a amizade e admiração pelo professor Renê Dotti - seu advogado de defesa nos vários processos que sofreu na Justiça Militar após abril de 1964, Vinholes concordou em ceder à Biblioteca Pública do Paraná, por um valor muito abaixo do real, e que veio enriquecer a divisão de Belas Artes, uma das mais freqüentadas. Volumes grandes, encadernados (173), sem encadernação (71), de tamanhos médios, cobrindo os mais diferentes aspectos da arte mundial oferecem amplo material para pesquisa de tantos interessados que não teriam acesso a obras tão importantes - e raras - como as que a Biblioteca dispõe agora. LEGENDA FOTO: Vinholes: biblioteca de arte para os curitibanos.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
3
16/12/1987

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