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Aramis

Beth, Marina e Leila, as vozes deste final de ano

Entre a choradeira das gravadoras, mais do que nunca queixando-se de uma natural (e até justa) retração dos consumidores frente ao empobrecimento cada vez maior da classe média - que normalmente se constituía numa faixa-alvo dos negócios fonográficos - mesmo os chamados "grandes lançamentos" de final de ano estão sendo repensados. Este ano, não teremos um álbum de prestígio de Chico Buarque ou Edu Lobo, o (ótimo) disco de João Bosco ("Zona da Fronteira", Sony) já saiu em outubro e a esperança, qualitativamente, é o novo álbum acústico de Milton Nascimento. Elis, Narinha, Maysa, Clara e tantas outras belas vozes que nos emocionavam no passado são saudades - embora remontagens, quase sempre criminosamente fabricadas, continuem explorando suas memórias sonoras. Entre as cantoras que estão na praça, enquanto não chega o novo elepê de Simone, é a carioca Marina Lima que vem deitando e rolando com seu décimo elepê, o primeiro pela gravadora EMI/Odeon, com participações especiais como Wander Taffo num solo de guitarra, novas parcerias - com Arnaldo Antunes, Ronaldo Bastos, Vinícius Cantuária, Pedro Pimentel e Reinaldo Arias - uma versão para "Sign your Name" (Terence Trent D'Arby) e até uma sensível revisitação de um tema de Caetano ("Ela e Eu") numa versão a capela. Definido como "um disco solar", produção esmerada e sobretudo lançado com todo um super-esquema de marketing - incluindo a estréia do show que a incansável Verinha Walflor apresentou no Guaíra em primeira mão - Marina é a cantora produzida com esmero para atingir uma faixa crescente de público, curiosamente feminino, que canaliza hoje para sua sensualidade - e imagem de amor total (e liberto de preconceitos) a paixão que no passado era voltada para Bethania e Simone. Beth Carvalho (Elizabeth Santos Leal de Carvalho), carioca, 45 anos completados no último dia 5 de maio, continua numa fidelidade ao estilo que a consagrou a partir de 1973 - o samba de qualidade, que encorporou em sua voz firme e segura, que, há 23 anos, no III FIC da Globo já havia garantido a "Andança" a terceira classificação. Sem um disco novo, com músicas inéditas (que falta fazem Cartola e Nelson Cavaquinho, para quem se tornou a intérprete-identificação deste gênios?), Beth ganha uma gravação ao vivo, feita em suas apresentações de 19 a 21 de julho último, no Olympia, em São Paulo - em edição da Som Livre/Sigla. Um disco com todas as vantagens e desvantagens de um espetáculo ao vivo - que hoje já começa a ganhar a documentação visual (videotape, videodisco), capazes de passarem todo o vigor de uma cantora que valoriza a palavra e que como disse Mauro Ferreira ("O Globo") vem valorizando, em seus 24 anos de carreira, um dos repertórios mais dignos da música brasileira. O repertório é conhecido - abrindo com "O que É que É" (Gonzaguinha), encerrando com "Vou Festejar" (Jorge Aragão / Dida / Noeci), passando por Chico, Cavaquinho, Cartola e especialmente os sambas de compositores que tiveram em seus registros um merecido reconhecimento, como Arlindo Cruz ("Roda a Baiana", "Sonhando eu Sou Feliz", "A Sete Chaves", "Dor de Amor") ou Francisco Santana ("Saco de Feijão"). Vale como registro e indicado a quem não possui a discografia anterior de Beth. Leila Pinheiro, chegou na música popular no momento certo: uma voz suave, bom gosto e a identidade da Bossa Nova - que curtia em seus dias de adolescente em Belém do Pará, onde nasceu há 30 anos passados. Encontrou em Roberto Menescal, 53 anos, violonista, compositor, arranjador, e um dos tripés da Bossa Nova, o produtor-parceiro ideal, nascendo assim uma cantora feita para o sucesso. Assim, Leila conquistou seu público e vem mostrando uma extraordinária sonoridade-empatia ao longo dos discos que tem gravado. Pena que neste seu quinto elepê ("Outras Caras", Polygram) esteja prejudicado pela horrível programação visual que Márcia Ramalho "idealizou". A idéia de dar as fotos de capa e encarte em negro yuppie decoradas com caracteres chineses, com Leila fazendo queixo de gueixa, citando Bashô e reproduzindo um cristal, é um suicídio em termos de marketing - e é de se imaginar como os atentos executivos comerciais da Polygram deixaram passar tal barbaridade. Artisticamente talvez defensável, mas comercialmente confundindo o público - que está tendo dificuldades de até reconhecer este disco de Leila entre as várias opções nas vitrines e prateleiras das lojas. É claro que ninguém julga um elepê pelo visual - embora um bom designer ajude (ou prejudique) um produto - e Elifas Andreato (por sinal, há tempos sem ter o seu talento requisitado pelas gravadoras) sempre foi um exemplo de competência. Musicalmente, Leila Pinheiro soube encontrar em Roberto Menescal e Nelson Motta os produtores perfeitos para lhe ajudarem na escolha do repertório, que abre com "Esconjuro", da dupla Guinga (*) e Aldir Blanc e recupera a seguir uma jóia minimalista do período mais terno da Bossa Nova: "Errinho à Toa" (Menescal / Boscoli), que há exatamente 30 anos, a eterna Maysa incluía em seu histórico "Barquinho" (CBS). Dentro de um ecletismo sonoro, Leila percorre desde o romantismo de "Paulista" (Eduardo Guindo / Costa Neto) ao ex-maldito Walter Franco ("Serra do Luar"), a concessão de Guilherme Arantes ("Bom Humor") ou até duas versões de Nelson Motta - "Call Me" (Tony Hatch, do sucesso que Chris Monte emplacou há alguns anos) e "Cenas de um Amor" (Tendrement) do revolucionário (em sua época) Erik Satie. É um prazer ouvir Leila - sempre acompanhada por ótimos músicos - relembrar incidentalmente "Movimentos dos Barcos" (Macalé / Capinam) dentro de "Dona de Castelo" (Macalé / Sally Salomoon), uma nova parceria Menescal / Blanc ("Feliz Ano Novo"), o suavíssimo "Coração Vagabundo" (Caetano) e, só dela, "Eu Quero É Ser Amada". Musicalmente, Leila é amada, mas por favor, fuja de Márcia Ramalho na confecção da capa de seu próximo álbum. Nota (*) Guinga, violonista e compositor, com mais de 50 músicas já gravadas, acaba de fazer um elogiado CD, produção do selo Velas, que ainda não chegou às lojas de Curitiba. LEGENDA FOTO - Marina Lima: bem produzida.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Música
4
17/11/1991

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