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Aramis

Besame Mucho ou vamos dançar através do tempo

Gramado, abril. Último dia da 15ª edição do Festival de Cinema. Após a sessão de encerramento, encontro Francisco Ramalho Jr. e o elenco de "Besame Mucho" no bar do Hotel Serrano. Apesar do esforço de cada um, o clima é de frustração. Christiane Torloni, desglamorizada, não esconde algumas lágrimas. Afinal, ela vinha sendo lembrada com insistência como a vitoriosa para o Kikito de melhor atriz. Francisco Ramalho Jr., elegantemente, evita fazer qualquer comentário sobre os resultados - e especialmente sobre os dois grandes premiados da noite - os "anjos" paulistas: "Anjos da Noite", do estreante Wilson de Barros, e "Anjos do Arrabalde", de Carlos Reichenbach, que levaram entre outros prêmios, os de melhor diretor (Barros) e filme ("Anjos do Arrabalde - As Professoras"). Para muitos, houve injustiça: "Besame Mucho" mereceria muito mais do que os dois modestos Kikitos recebidos: melhor roteiro adaptado (Ramalho / Mário Prata) e direção de arte (Marcos Weinstock). Mas festival é assim mesmo: alegrias para uns, frustrações para outros. Pior foi com Roberto Santos, que teve seu "Quincas Borba" tão mal recebido que, algumas horas depois, ao desembarcar em Cumbica, São Paulo, sofria um enfarte e morria - provocando com isto um trauma na comunidade cinematográfica que, quatro meses depois, ainda não foi absorvido. Francisco Ramalho Jr. esperava que seu filme tivesse um número maior de prêmios. Em todas as sessões privadas em que havia sido mostrado até então, provocou entusiásticos aplausos. Produção cuidadosa - US$ 500 mil - trazia o requinte, o bom gosto de um realizador que nestes últimos anos acostumou-se a trabalhar com produções impecáveis, vindo do sucesso de "O Beijo da Mulher Aranha", da qual foi o produtor executivo. Um trabalho tão dedicado, que o cineasta Hector Babenco retribuiu sendo o co-produtor de seu filme. Ramalho desabafou: - "Tem gente me acusando de ter feito o "cinemão". Nada disto. Apenas fiz um filme bem cuidado. Custou US$ 500 mil no câmbio oficial. O cronograma foi cumprido e o filme saiu dentro do orçamento. Ele não tem nenhum defeito de produção. Tudo o que foi preciso está lá. Nada está mal realizado, pode até surtir aquela frase maldosa: "Parece cinema americano". Se isso acontecer, não há problema. Gostaria, aliás, de ter tido mais recursos para poder pagar melhor o trabalho de todos". "Besame Mucho" é um "filme-empatia" para a geração nascida nos anos 40. Ao longo de três décadas - 1986 a 1962, em linguagem retroativa (uma das originalidades da peça de Mário Prata, mantida no filme) se (re)descobre o mundo de dois amigos - Xico (José Wilker) e Tuca (Antônio Fagundes), que se casaram com duas amigas, Olga (Glória Pires) e Dina (Christiane Torloni) "e viveram sonhos realizados ou não". Paulista de uma pequena cidade do Interior - Santa Cruz das Palmeiras, do signo de escorpião (novembro/1940), Ramalho Jr. não esconde que sua paixão a primeira vista pela peça de Mário Prata - também quarentão e paulista interiorano - foi a empatia com toques autobiográficos: Ramalho e Prata - como milhares (ou milhões?) de jovens que passaram a infância e adolescência em cidades do Interior e, em busca de espaço e realização profissional, vieram para as cidades grandes - transmitem neste filme os sonhos, ideais e as frustrações de toda uma geração. O texto de Mário Prata, sucesso nos palcos há alguns anos, encantou o público por sua empatia e simpatia, conduzindo a reflexões sérias ao ritmo do humor - virtudes conservadas e ampliadas neste filme primoroso, que tem lançamento nacional cuidadoso, com mais de 30 cópias possibilitando sua estréia simultânea nas principais capitais (em Curitiba, Cines São João e Itália, a partir de hoje, quinta-feira). O esmero que caracteriza as produções de Francisco Ramalho Jr. não é novidade para quem acompanha sua carreira, iniciada há 20 anos, quando fez uma exemplar adaptação para tela de um conto de Ignácio de Loyola, "Anuska, Manequim e Mulher". Intelectualmente voltado a temas literários, levou à tela, há dez anos, a peça "A Flor da Pele" (que conquistou vários prêmios em Gramado) e, no ano seguinte, mesmo com dificuldades de produção, fez uma refilmagem de "O Cortiço", de Aluísio Azevedo, que, em 1945, já havia sido levado a tela por Ademar Gonzaga e Afonso Campiglia. "Filhos e Amantes" foi uma produção que o frustrou, enquanto que "Paula - Memórias de uma Subversiva" teve a coragem e dignidade de tratar de um tema difícil antes da abertura: as relações de um delegado torturador (personagem claramente inspirado no inspetor Fleury) com uma de suas vítimas, anos depois. "Besame Mucho" é, entretanto, o momento maior de Francisco Ramalho Jr. Seguro, trabalhando com um elenco eficientíssimo - além dos quatro nomes globais, o elenco também traz outros ótimos intérpretes como Paulo Betti, Isabel Ribeiro e apresentando uma promissora starlet, Giulia Gam. A fotografia de José Tadeu Ribeiro valoriza a perfeita cenografia de Normanda Benetazzo. Os figurinos de Domingos Fuschini recompõem a moda dos anos 60 e 70 e a trilha sonora é um deslumbramento: Wagner Tiso trabalhou com inspiração sobre a música tema de Consuelo Velasquez, com arranjos especialíssimos e, no final, a orquestra de Sylvio Mazzucca faz o espectador mais sensível ter lágrimas nos olhos e se transpor ao baile de adolescentes no Interior. Só esta seqüência já faria de "Besame Mucho" uma pequena obra-prima do cinema brasileiro de nossos dias. Um convite visual à dança e ao tempo, no olhar profundo de Ramalho Jr. Não perca o filme! LEGENDA ILUSTRAÇÃO - "Besame Mucho", filme de Francisco Ramalho Jr., da peça homônima de Mário Prata. Com Antônio Fagundes, Christiane Torloni, José Wilker, Glória Pires, Paulo Betti e Giulia Gam. Estréia hoje nos Cines São João e Itália. 5 sessões.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Nenhum
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13/08/1987

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