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Aramis

Bennett, uma noite mágica

Sozinho, defronte ao Araucária Palace Hotel, às 23 horas da noite de terça-feira, 10, aguradando a chegada de um táxi, difícil até acreditar que era o mesmo homem que, momentos antes, durante exatamente 90 minutos, encantou um público entusiasmado no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto. Mas era ele mesmo! Tony Bennett, dispensando a segurança dos dois musculosos crioulos que o empresário Manoel Poladiam havia contratado para esta excursão brasileira, como um anônimo hóspede estava à espera da condução que, junto com algumas pessoas de seu staff, entre os quais a sempre atenciosa e simpática Elisabeth Reichmann, personal manager, o levaria a jantar após o show do Teatro Guaíra. Simplicidade, profissionalismo e, naturalmente, talento. Tripé que faz com que também Tony Bennett confirme aquela máxima que sempre repetimos: os grandes e reais artistas não precisam de chantilly e frescuras para seus shows e em seus relacionamentos. Ao contrário de tantas mediocridades e enganações nacionais - de Roberto Carlos a Simone - Tony Bennett, 60 anos, quase 40 de vida artística, mostrou em Curitiba porque é considerado um dos maiores cantores do mundo, legítimo herdeiro da melhor tradição de seu amigo Frank Sinatra. xxx Pena que foi curto. Mais do que reclamações, um lamento de um público proporcionalmente numeroso que não se arrependeu de pagar Cz$ 300,00 para assistir, na platéia central, a única apresentação de Bennett em Curitiba - antes de sua temporada em São Paulo (neste fim de semana), com seu esplêndido trio e mais uma afinadíssima orquestra de 23 ótimos profissionais, aos quais não se cansou de elogiar - não em público, mas, delicamente, antes e depois da apresentação, conversando com os instrumentistas. Tony Bennett cantou. Só falou o necessário, identificando os autores das músicas principais - entre as 22 selecionadas para o show da noite, na qual eliminou, a última hora, três meddleys cinematográficos - de filmes de Walt Disney, temas românticos e uma homenagem a Fred Astaire - porque no Guaíra , ao contrário do que aconteceu no Hotel Nacional (em cujo auditório estreou no último fim de semana) não havia condições de projeção das seqüências cinematográficas que dariam um complemento visual. Assim, entre uma apresentação prejudicada dos "movie's themes" a suspensão, Bennett preferiu cortar 18 minutos do show. Em compensação não se recusou a incluir um número extra - o clássico "Ain't Misbehavin" de Fats Waller (1904-1943), quando a felliniana atriz Olinda Wischral, toda de preto e parecendo estar ainda em cena de "Rock Horror Show", da platéia, fez o apelo para que Tony cantasse esta música. Tony não teve dúvidas. Atendeu o pedido da fã. xxx Ao chegar ao Hotel Araucária, Tony encontrou outra fã apaixonada - a funcionária pública Célia Simões, ex-religiosa e que coleciona autógrafos de grandes nomes (uma vez, ela viajou de carona ao Rio de Janeiro para conseguir a assinatura do ator Charlton Heston). Gentilmente, Tony lhe deu um carinhoso autógrafo e ainda concordou com um apaixonado beijo na testa - sob o olhar meio enraivecido do segurança. Tony ficou pouco tempo na suite presidencial. De jeans e blusão branco, de nylon, logo desceria para fazer um "check out" do som e da orquestra no palco do Guaíra. Ali conversou com os músicos, elogiou a sonoridade da harpista Norma Holtzer Rodrigues, da Sinfônica de São Paulo - e praticamente não teve reclamações a fazer. Da orquestra arregimentada para esta temporada muitos dos 23 músicos já o acompanharam em 1980, quando esteve pela segunda vez no Brasil. Outros, mais jovens, em apenas uma hora de ensaio, na semana passada, ajustaram-se aos arranjos de Ralph Sharon, 62 anos, pianista e líder do trio que há mais de 20 anos grava e acompanha Tony em suas apresentações tanto nos Estados Unidos como no Exterior. Se fosse para fazer um destaque, Sharon mereceria uma classificação especial. Além da perfeição nos arranjos das músicas, como pianista foi a grande presença da noite - arrancando entusiásticos aplausos ao solar "Sentimental Mood" (Duke Ellington). Aliás, em dois blocos, Ralph Sharon, o jovem baixista Paul Langosch e o baterista Joe La Barbara (o mesmo que tocou com Bill Evans, em 1979, quando esteve inclusive no Guaíra), acompanharam em profunda identificação a Bennett: na abertura, com uma seleção notável - "S'Wonderful" e "The Man I Love" (George-Ira Gershwin), "Watch What Happens" (Michel Legrand), "I Had To Be You" (Johny Mercer/Gus Khein) e "Yesterdays" (Jerome Kern) e, mais tarde, em "There'll Be Some Chances" e na tripla homenagem a Ellington - o solo de Ralph em "Sentimental Mood", "Don't Get Around Much" e o clássico "Sophisticated Lady", na qual Tony, generosamente elogiando a acústica do Guaíra, dispensou o microfone para interpretar esta canção que está entre os mais belos momentos da música americana. Numa salutar demonstração de renovação, Bennett antecipou algumas músicas de seu novo lp ("The Art of Excellence", CBS, ainda não colocado nas lojas de Curitiba), entre as quais uma especialíssima homenagem a Fred Astaire: "City of the Angels". Duas outras homenagens especiais: a Ray Charles, em "Everybody Has The Blues" e a seu amigo Sinatra com a sensibilíssima "How Do You Keep The Music" (Stephen Southeim, originalmente criada para o musical inspirado em "Morangos Silvestres"), ao qual acoplou trecho de "People" (Jules Styne). Foi sem dúvida, o momento de maior romantismo da noite. Um cantor perfeito, repertório maravilhoso e uma afinada orquestra - na qual se somaram as cordas perfeitas e os sons de quatro trompetas, um fagore, um oboé, uma clarineta e uma flauta, afora percussão e harpa - só poderia resultar em momentos de magia e encantamento - dando ao Guaíra uma das noites musicalmente mais perfeitas de sua história. Claro que, como grand finalle ficou aquela que é desde 1962 o sufixo de Tont: "I Left My Heart in San Francisco". Só que os aplausos, com o público em pé, foram tão intensos que aconteceram dois números extras: "This Is All I Ask" e, numa derradeira homenagem a outro dos cinco grandes da música americana, Cole Porter, o magnífico "All Of You". Intérprete dos melhores compositores americanos de todos os tempos, ao escolher a primeira música acompanhado pela orquestra, Bennett já havia reverenciado a Irving Berlin, cujos 100 anos serão comemorados em 1988, com "I Got Lost In Her Arms". xxx É possível que muitos outros cantores internacionais se apresentem no Teatro Guaíra dentro de uma programação cada vez mais intensa graças a empresários como Manoel Poladiam. Mas, por certo, poucos, muito poucos, mostrarão um repertório tão perfeito como o que Tony Bennett trouxe na noite de terça-feira, 10 de junho - data para ser anotada e lembrada.
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
13
13/06/1986

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