Autran, que talvez seja Galileu, é Solness em cartaz no Guairinha
Artigo de Aramis Millarch originalmente publicado em 11 de abril de 1989
Dependendo ainda de algumas negociações e definições em seus projetos, é possível que Paulo Autran venha a interpretar um dos personagens mais fascinantes da dramaturgia contemporânea, Galileu Galilei, na peça de Bertolt Brecht, que com direção de Celso Nunes, marcará o reaparecimento do Teatro de Comédia do Paraná. Caso Autran não possa aceitar o convite que Constantino Viaro lhe fez há mais de um mês, quem está em cogitação é Cláudio Corrêa e Castro que, por coincidência, há quase 20 anos, fez o mesmo papel na demolidora encenação da peça de Brecht - uma das últimas grandes produções do Grupo Oficina, dirigido por José Celso Martinez Corrêa e que teve sua estréia nacional no auditório Salvador de Ferrante.
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Se a atuação de Autran, reconhecido como o maior nome do teatro brasileiro, no personagem Galileu Galilei (que teve sua primeira encenação americana com Charles Laughton, dirigida por Orson Welles) ainda na hipótese, o seguro é assisti-lo agora numa outra peça igualmente importante: é o personagem-título de "Solness, O Construtor", de Ibsen (auditório Salvador de Ferrante, de amanhã a domingo, 21h, ingressos a Cz$ 6,00 na estréia e Cz$ 8,00 nas noites seguintes).
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O norueguês Henryk Ibsen (1828-1906) está naquela categoria de autores que, como Bertolt Brecht (1898-1956) se preocuparam sempre em discutir no palco questões sociais. Embora suas obras de mocidade sejam românticas, já traziam assuntos polêmicos, como "Comédia de Amor" (1862) na qual fazia um primeiro ataque à moral convencional.
Seria, porém, a partir de "As colunas da sociedade" (Samfundents Stoetter, 1877) - que foi uma das últimas grandes encenações do TCP nos anos 60, com direção de Cláudio Corrêa e Castro - que Ibsen se impôs como um autor realista, de crítico social. "Casa de bonecas" (Et Dukkehjen, 1879), foi um precursor manifesto feminista; "Espectros" (Gengangere, 1881) era a tragédia de quem não obedece ao imperativo de sua consciência; "Um inimigo do povo" (En folkenfinde, 1882), uma peça que, há 107 anos, já abordava o problema do meio ambiente; em "O pato selvagem" (Vidanden, 1884), Ibsen colocava suas primeiras dúvidas quanto ao valor da exigência moral, que desenvolveria basicamente em "Rosmersholm" (1886), "Heda Gabler" (1890), cuja última montagem no Brasil foi uma produção da recém-falecida atriz Dina Sfat, com estréia nacional em Curitiba) e, especialmente neste "Bygmester Solness", escrita em 1892, praticamente encerrando um ciclo em sua obra (a partir de "John Gabriel Borkman", 1893, se voltaria uma linha que alguns críticos definem como de "conversão ao simbolismo").
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Produção do grupo Tapa - que surgiu há 15 anos, como conjunto amador, hoje profissionalizado (sua sede em São Paulo é o Teatro da Aliança Francesa), a atual montagem de "Solness, o Construtor" teve seu elenco praticamente reformulado para a temporada volante, após meses de sucesso em São Paulo. Com exceção de Autran - no personagem-título - e Denise Weinberg (uma das fundadoras do grupo), os cinco outros artistas originais foram substituídos, com nomes veteranos como Xandó Batista (como "Knut Brovik", no papel criado originalmente por Abrão Farc) e a competente Walderez de Barros como Aline Solness (originalmente interpretada por Karin Rodrigues). Christiane Couto, Nelson Baskenville e Clemente Viscaino completam o elenco.
A tradução de "Solness, O Construtor" - peça que tem a sua primeira encenação no Brasil - foi de Edla Van Steen, catarinense de profundas ligações curitibanas. A direção é de Eduardo Tolentino, um dos fundadores do grupo Tapa.
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"Solness, o construtor" é uma peça rica em suas colocações, discutindo especialmente a questão da juventude e da velhice - através do orgulho, da vaidade, do egoísmo, a paranormalidade e o estranho misticismo do personagem-título, que, como diz o próprio Autran, "é um homem que chega à conclusão de que igrejas e casas - que ele constrói - não podem fazer os homens felizes, mas sim a arte, a filosofia, a metafísica, a poesia, condensadas na expressão "castelos no ar".
Ibsen tinha 64 anos quando escreveu Solness e, como identifica o estudioso Carlos Hee, a peça coloca em cena a angústia que sentia naquele momento: Augusto Strindberg (1849-1912), dramaturgo sueco, então com 49 anos, representaria uma das "ameaças" a sua condição de grande autor europeu. Atrás do enredo central - a disputa do velho Solness com um jovem arquiteto de talento e os envolvimentos afetivos - a peça transpõe em seus diálogos uma gama diversa de interpretações. Ibsen escreveu o texto num período em que a Europa encontrava-se em efervescência intelectual. A psicanálise emergia nos estudos que Sigmundo Freud fazia sobre a sexualidade humana, em Viena; Karl Marx escrevia "Crítica da Economia Política", na Alemanha, Soren Kierkegaard contestava os sistemas filosóficos e se opunha à velha metafísica, na Dinamarca.
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Nesta semana em que "Solness, O Construtor" se impõe como um espetáculo imperdível para quem gosta de teatro sério, de idéias, no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto, continuam chegando comédias leves e digestivas. A mesma Verinha Wal-Flor, a mais competente de nossas empresárias artísticas, que cuida da temporada de "Solness" é quem está promovendo a temporada de "O Visom Voador", da dupla Ray Cooney e John Chapman, os mesmos autores de "Cama redonda... Casais quadrados" e "Mulher, o melhor investimento". Em cartaz no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto (de quinta-feira a domingo, ingressos a Cz$ 6,00 e Cz$ 5,00) esta comédia que envolve traições, quiproquós, troca de identidades - enfim um vaudeville - destina-se àquela faixa de público menos exigente. A produção é de Ary Toledo e sua mulher, a ex-vedete Marli Marley - que nos anos 50/60, fez várias temporadas em Curitiba. Hoje, uma senhora madura, Marley está no elenco desta comédia, dirigida por Odavlas Petti, ao lado de Luís Carlos Arutim, Eurico Martins, Célia Coutinho, Eliana Rocha, Célia Orlandi, Ivan Lima e Guilherme Lopes.
LEGENDA FOTO 1 - Paulo Autran e Denise Weinberg em "Solness, O Construtor": uma peça de idéias, vigorosa, no auditório Salvador de Ferrante, a partir de amanhã.
LEGENDA FOTO 2 - "O Visom Voador", uma comédia digestiva, para quem deseja apenas rir. Estréia quinta-feira, no auditório Bento Munhoz da Rocha Neto.
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