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Ausência holandesa frustra início da mostra de cinema

Uma baixa já na abertura do segmento curitibano da 14a. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo: para frustração do público que compareceu ao Cine Ritz, domingo, 4, o filme programado - "City Life" - foi substituído à última hora por um pífio filme de segunda categoria, "Five Corners", produção de 1987, e que já havia sido exibido na mostra, em São Paulo, há alguns anos. A culpa, desta vez, não é apenas da Fundação Cultural de Curitiba. Sua diretora de programação, a socióloga (e assistente social) Celise Helena Niero, teria ido ao aeroporto Afonso Pena, no domingo, aguardar o produtor holandês Dick Rijnecke que, acompanhado do cineasta Carlos Reichenbach, traria a única cópia. Nem o produtor, nem o bom Carlão - que sintomaticamente escolheu como título de seu episódio rodado em São Paulo, "Disorder in Progress" (Desordem em Progresso) - apareceram e muito menos o filme. Optou-se então pela substituição por "Five Corners" que, numa estranha coincidência, previdentemente, o próspero coordenador da mostra, Sr. Leon Cakoff, já havia despachado. O próprio Sr. Cakoff teria dado à Sra. Niero uma explicação muito frágil para justificar a ausência do filme e de seu produtor: ao procurá-lo no Hotel Maksoud, no domingo, para levá-lo ao aeroporto, constatou que o mesmo já havia viajado para a Holanda, levando naturalmente a cópia do filme, com legendas em inglês e que, nestas alturas, está programado em outro festival internacional. Carlos Reichenbach, 45 anos, excelente caráter e cineasta respeitado, ficou também surpreso, já que estava pronto para vir a Curitiba prestigiar a mostra. No mínimo estranha a atitude do produtor holandês; já que a mostra está sendo muito bem paga pelo povo de Curitiba (US$ 20 mil), a Sra. Celise teria assinado vários contratos para que os filmes tivessem as exibições programadas e a própria secretária de Cultura do município, Lúcia Camargo, tivesse determinado que se evitasse "furos" na programação. A ausência do filme "City Life", com 12 episódios realizados por cineastas de várias partes do mundo, tendo como leit-motiv as cidades em que vivem, seria oportuna para a abertura numa cidade cuja administração tanto busca a promoção internacional. Talvez por ter sido avisado, momentos antes da sessão, o prefeito Jaime Lerner, fã do bom cinema estrangeiro, não tenha comparecido. Como nenhuma explicação foi dada ao vivo aos espectadores - limitando-se a gerência do cinema em distribuir a ficha técnica de "Five Corners", com a observação de que "por motivo de força maior não seria exibido City Life". Pontualmente, às 19h30, o filme substituto teve iniciada a sua projeção. A sessão acabou às 21h05 e antes das 21h30, o Ritz estava com as portas fechadas. Examinando-se a filmografia de Tony Bill, 50 anos, não se surpreende pelo fato deste "Five Corners" ser um filme opaco, abordando uma temática desgastada - os descaminhos de um grupo de adolescentes num bairro novaiorquino (no caso, o Bronx) em 1964, quando Martin Luther King (1929-1968) fazia sua pregação pelos Direitos Civis, mas adotando a tática gandhiana de não-violência, enquanto um candidato ultraradical, Barry Goldwater ameaçava chegar à presidência dos Estados Unidos. Ator (nunca chegou a passar de coadjuvante), Tony Bill foi produtor de filmes como "Shampoo" (de Hal Sashby), "Taxi Driver" (de Martin Scorcese), "Golpe de Mestre (de George Roy Hill) e, meritoriamente, lançou Terence Mallick ("Cinzas no Paraíso"). Seu primeiro filme como diretor foi uma comédia para adolescentes - "Cuidado Com Meu Guarda-Costas" e, posteriormente, fez para a televisão "Six Weeks" (1982) e "The Princess and the Pea" (83, com Liza Minelli e Tom Conti). Tony Bill tem uma certa leveza na condução de seus personagens e trabalhando com um elenco jovem - Jodi "Taxi Driver" Foster e frente de nomes (que não deslancharam) como Tim Robbins, Todd Graff e John Tuturro, fez um filme certinho, com toques bem humorados - mas não para provocar risos e gargalhadas de algumas hienas-espectadores mostravam na sessão - e que está longe de merecer a distinção de abrir um festival. No máximo, "Five Corners" serviria para uma sessão coruja da televisão ou, se entrasse em programação no circuito comercial, ficaria apenas uma semana numa sala periférica. "City Life", dificilmente será visto em Curitiba. Embora o Sr. Cakoff tenha prometido para a Sra. Celise que iria se "empenhar" junto ao consulado dos Países Baixos para que a cópia fosse remetida novamente ao Brasil, poucos acreditam nesta possibilidade. O produtor Dick Rijnecke, pelo visto, nem quis desgastar o seu filme projetando-o para os curitibanos. Para quinta-feira está prevista a exibição de um documentário holandês, sobre tema brasileiro: "São Paulo, SP", de Oliver Konig, 30 anos, cuja première mundial ocorreu na mostra, na capital paulista. Procurando retratar São Paulo sem as imagens típicas da América Latina, Konig procura provar que a grande escola de documentaristas criada por Joris Ivens (1899-1989) continua a fornecer gente voltada a um gênero que merece toda a atenção. Há promessas de que Konig esteja na cidade para a estréia, mas se ele não vier, que ao menos o filme aqui chegue. "O Mahabharata", de Peter Brook, com suas (quase) três horas de duração - e que apesar do hermetismo e simbolismo da temática- , foi considerado pelo público paulista como o melhor filme da mostra - teve ontem uma única exibição (será reprisado no final da mostra, dia 23, às 15 horas). Para hoje, estão previstos o curta francês "Enchanté", de Jean Pierre Letellier e os longas "Testemunho", Inglaterra, de Tony Palmer - abordando a vida do compositor soviético Dmitri Shostakovich (1906-1975) - às 15 e 20 horas; "E a Luz Se Fez", do georgiano Otar Iosseliani, documentário narrado em inglês com diálogos em dialetos africanos, sem legendas, (17 e 20 horas).
Texto de Aramis Millarch, publicado originalmente em:
Estado do Paraná
Almanaque
Tablóide
24
06/11/1990

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